sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mobilização para conviver com a aridez e a água

Por Fabiana Frayssinet, da IPS


A pitoresca, para quem vê de fora, paisagem de mulheres carregando pesadas vasilhas com água em suas cabeças começa a ser coisa do passado em vários lugares do semiárido brasileiro, em razão de uma iniciativa simples que se expande para outros países: a coleta e o armazenamento de água da chuva. “As mulheres caminhavam de seis a oito quilômetros carregando 20 litros na cabeça. Duas vezes por dia, percorriam pelo menos 24 quilômetros diários para buscar água”, disse à IPS o coordenador executivo da Asa, Naidison Baptista, que promove o programa “Um milhão de cisternas rurais”.

Asa é a sigla de Articulação no Semiárido Brasileiro, um fórum de mais de 700 organizações não governamentais de nove Estados do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), Espírito Santo e Minas Gerais, no Sudeste. A Asa partiu da sabedoria popular e da mobilização social para construir cisternas caseiras que armazenam água da chuva, e conseguiu apoio financeiro do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O fim da peregrinação das mulheres é um dado ilustrativo dos resultados que a iniciativa obteve, de assegurar água potável a um milhão de famílias, o equivalente a cerca de cinco milhões de pessoas, em uma região com mais de 24 milhões de habitantes. “No fim do dia, cansadas e tristes, muitas não tinham condições nem de convivência em suas casas. Isso mudou com a cisterna”, disse Naidison.

Com o fim da odisseia pela água, as mulheres ganharam mais tempo em casa e para se dedicar aos filhos, o que melhorou o rendimento escolar e estimulou maior participação feminina na vida comunitária. “Não é apenas dar água de qualidade, mas qualidade de vida”, resumiu Naidison. Ele estabelece uma diferença “política”, que considera essencial, entre este e outros programas. “O objetivo é construir um processo de convivência com qualidade de vida no semiárido, e não de combate à seca”, explicou.

Os programas de combate à seca, desenvolvidos durante séculos no Brasil, tinham características assistencialistas: distribuir água, beneficiar grandes empresas e mitigar “suas culpas, contratando trabalhadores famintos devido à seca para construir grandes obras nas fazendas dos ricos”, afirmou Naidison. “Essa perspectiva de combate à seca é para concentrar poder, riqueza e captação de água de uma maneira assistencialista”, prosseguiu o coordenador da Asa.

O programa das cisternas busca o contrário, primeiro por se tratar de uma “água distribuída e não concentrada em mãos de poucos”, ressaltou Naidison. Além do mais, não se trata de combater a seca no Nordeste, “porque é um fenômeno que existe de forma natural”, mas de “desenvolver metodologias capazes de conviver com o semiárido, ou seja, captar água suficiente para todos”, acrescentou.

De fato, a vegetação característica desta ecorregião, a caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tem um regime de déficit hídrico natural, no qual as chuvas que caem não bastam para compensar a água que evapora. Neste ecossistema chove, em média, entre 300 a 800 milímetros por ano. Não é muito, mas suficiente para armazenar a água e utilizá-la para beber e cozinhar nos oito a 11 meses de seca, que variam dependendo da área.

Segundo a Asa, um telhado de 40 metros quadrados é suficiente para encher uma cisterna de 16 mil litros de água, que escorre para ela por canaletas limpas. A água é clorada após ser coletada e a cisterna é lacrada para que as crianças não a abram. Desde 1º de junho de 2000 até 31 de agosto deste ano, foram construídas 294.949 cisternas, mobilizadas 313.994 famílias, e 273.124 pessoas receberam capacitação em manejo de recursos hídricos.

As comissões do programa estão formadas em 1.076 municípios do país, segundo a Asa. O investimento é mínimo, comparado com outras grandes obras, explicou Crispim Moreira, secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério de Desenvolvimento Social. Entre US$ 700 e US$ 1.052 por unidade, dependendo dos custos de cada lugar.

E a principal novidade, destacou Crispim, é a mobilização social para construir a cisterna. O processo começa desde a decisão comunitária sobre as famílias a serem priorizadas, segundo critérios como número de filhos, presença de idosos e chefia feminina. Continua com a construção da obra, que consome cerca de cinco dias de trabalho de um pedreiro do projeto e da própria família beneficiada.

“É diferente do processo de uma empresa que chega, faz um furo com uma máquina, constroi a cisterna e vai embora. Como fazemos, a cisterna é uma conquista e não uma doação”, destacou Naidison. Em sua opinião, é um “instrumento político forte”, pois “no Brasil normalmente os que decidem políticas ou beneficiários de uma ação são as autoridades: um deputado, o prefeito, um padre ou um pastor”. A iniciativa nasceu de forma comunitária.

“A cisterna não foi criada em laboratório, mas nasceu das próprias experiências de algumas comunidades que tradicionalmente coletavam água da chuva. A Asa aperfeiçoou esta técnica”, disse o coordenador da organização. As famílias com cisternas apresentaram sensível melhora em sua saúde, especialmente redução da mortalidade infantil, graças ao fim das verminoses causadas pelo consumo de água suja. Além disso, “houve maior dedicação dos adultos ao desenvolvimento de atividades que envolvem crescimento da renda familiar”, explicou Moreira à IPS.

Naidison também destacou os impactos no comércio local, pois a atividade mobiliza a venda de materiais e dá trabalho aos pedreiros. “Muitos dizem que este programa é tudo o que a região necessitava para poder viver de forma digna e respeitosa”, sintetizou Crispim. Outra vantagem é não agredir o meio ambiente, pois é aproveitado o que a natureza oferece: água de chuva.

Três países da América Latina fizeram contato com o Ministério de Desenvolvimento Social para conhecer o programa “Um milhão de cisternas”: Paraguai, Bolívia e Haiti. Pessoal da secretaria dirigida por Crispim treinou seus colegas paraguaios e bolivianos na construção de 50 cisternas para transferência de tecnologia. E com o Haiti foram feitas visitas preliminares. A Asa, por seu lado, participa de um espaço internacional de intercâmbio de experiências em gestão comunitária de água com organizações de Paraguai, Bolívia e Argentina, e sob a articulação da Fundação Avina. Envolverde/IPS



Fonte: IPS/Envolverde

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

RECUPERAÇAO DE ÁREAS DEGRADADAS POR DESMATAMENTOS

Por Roberto Naime

Os modelos de recuperação de áreas degradadas por desmatamentos ainda não são consensuais entre pesquisadores, autoridades de órgãos ambientais e proprietários. As dificuldades econômicas vividas pela agricultura fazem com que algumas recuperações de áreas degradadas sejam um arremedo, porque não faz sentido órgãos ambientais exigirem a recuperação quando produtores rurais não dispõe das mínimas condições para executarem os projetos.

Seria mais coerente uma análise integral da situação ambiental e situação econômica antes de exigir a recuperação. O mais sensato no caso de não existirem condições financeiras é protelar a recuperação, para que seja bem implantada quando possível.

Os custos de implantação e manutenção ainda são elevados e os métodos controversos (KAGEYAMA, P. Y. & GANDARA, F. B. Dinâmica de população de espécies arbóreas: implicações para o manejo e a conservação. 1994. In: III Simpósio de Ecossistemas da Costa Brasileira. Anais… vol. 2, p.1-9). É necessário pesquisa científica no desenvolvimento de tecnologias mais acessíveis.

Em geral, os maiores projetos são custeados por concessionárias de água, energia ou rodovias, obrigadas pela legislação ambiental a reparar os danos decorrentes de sua atividade.

Existem vários métodos desde a hidrossemeadura, até a dispersão de sementes por aviação agrícola e uma grande quantidade de variações. A SABESP implantou um modelo de módulos bi-específicos, com plantios em sulcos, procurando alias os conceitos de sucessão secundária com a disponibilidade de mudas e incremento contínuo da biodiversidade nos reflorestamentos.

Esta metodologia procura facilitar a implantação de recuperações florestais em campo, com redução de custos e aplicabilidade em diferentes sítios e situações sócio-econômicas (CATHARINO, E. L. M.; RIBEIRO, W.; MENNELLA, M.A. & ALVES, M.A. Avaliação e implementação dos trabalhos de recuperação vegetal de áreas de empréstimo dos reservatórios Jacareí, Jaguari e Cachoeira e da Reserva Florestal do Morro Grande. SABESP. Relatório Técnico, SMA/Instituto de Botânica de São Paulo (Fundepag – Stemag 80-00). São Paulo – SP. 2001. 62p). É um modelo de fácil implementação e que minimiza a eventual falta de mudas, simulando a distribuição das espécies arbóreas como acontece naturalmente.

Para implantação de projetos de recuperação de áreas degradadas, é necessária a avaliação e recuperação da estrutura e da fertilidade dos solos, que podem estar comprometidas devido a lixiviação ou outras restrições químicas e hidrológicas. Este tema poucas vezes é tratado com a atenção necessária e compromete os resultados.

É necessário estabelecer parâmetros de avaliação e monitoramento, capazes de verificar a qualidade dos reflorestamentos heterogêneos, bem como indicar a capacidade de resiliência em áreas implantadas (BARBOSA, L. M. Considerações gerais e modelos de recuperação de formações ciliares. In: Rodrigues, R. R.; Leitão Filho, H. F. (eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo, EDUSP: FAPESP, 2000. p. 289-312.

A resiliência significa mensurar se a capacidade de recuperação natural do ecossistema não foi ultrapassada. Se for ultrapassada se tornam necessárias medidas adicionais.

Após o estabelecimento adequado das espécies que serão utilizadas em plantios de recuperação, a garantia de sucesso depende da capacidade da vegetação implantada de se auto-regenerar. Isto justifica os estudos sobre a produção de serrapilheira, chuva de sementes, banco de sementes e características ecológicas e genéticas das populações implantadas (SIQUEIRA, L.P. Monitoramento de áreas restauradas no interior do Estado de São Paulo, Brasil. 2002. 116f. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba. 2002; SORREANO, M.C.M. Avaliação de aspectos da dinâmica de florestas restauradas, com diferentes idades. 2002. 145f. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba, 2002).

Roberto Naime, Professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo – RS.

Fonte: EcoDebate

domingo, 24 de outubro de 2010

A arte de cultivar valores

Por Juliana Lopes, da Revista Idéia Socioambiental

Como construir uma cultura organizacional alinhada ao desenvolvimento sustentável.

Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu ou proferiu a frase “a sustentabilidade está no DNA da nossa organização”. O novo bordão remete ao debate sobre a importância relativa de genética e cultura para a formação dos indivíduos. Afinal, conta mais o que está nos genes de cada um ou o conhecimento e experiências adquiridos na interação com o meio? Ao menos no que diz respeito às empresas, a cultura organizacional –defendida pelo criador da expressão, o psicólogo Edgar Schein, como “o equivalente ao caráter num indivíduo – sempre teve influência na sua identidade e posicionamento. Qual é agora o seu papel na transição para uma economia de baixo carbono? E como acelerar a mudança para esse novo modelo de desenvolvimento?

Para Paulo Branco, um dos sócios-fundadores da Ekobé, consultoria em sustentabilidade e responsabilidade corporativa, apesar da sua relevância, esse tema não tem sido o foco dos esforços de grande parte das companhias. “Vejo muitas organizações procurando expressar o seu compromisso com a sustentabilidade, mas pouca energia colocada na construção da sua cultura em direção ao desenvolvimento sustentável. Tentam trazer novas tecnologias e ferramentas em um ambiente onde não há transparência e que continua privilegiando o ‘manda quem pode obedece quem tem juízo’. Assim, acabam perpetuando os valores no velho paradigma”, destaca.

Segundo ele, um primeiro passo importante é uma profunda reflexão sobre a visão e missão da empresa e até que ponto elas estão alinhadas com os valores que fazem sentido para o desenvolvimento sustentável. “Essa é uma discussão complexa e a organização deve estar disposta a encará-la com a devida profundidade. São comuns avanços em processos e práticas, mas os progressos em valores, cultura e estilo de liderança levam mais tempo”, pondera. Ainda que esse processo de mudança não seja linear a ponto de indicar um passo a passo, existem alguns estágios comuns às empresas que já iniciaram a adaptação de sua gestão à sustentabilidade.

Bob Willard, autor de The Sustainability Advantage (A Vantagem da Sustentabilidade, ainda sem tradução para o português) identifica sete etapas que contemplam a essência da mudança para a sustentabilidade em qualquer organização (confira box). Segundo ele, esse processo funciona com times, redes, departamentos, comunidades e sociedades. “É possível aplicá-lo em empresas de qualquer porte que desejam alinhar seus comportamentos, normas, valores e pensamentos aos princípios de sustentabilidade”, afirma.

A sete passos da sustentabilidade – por Bob Willard

1. Acordar e decidir
2. Inspirar uma visão compartilhada, criar um propósito
3. Avaliar a realidade atual
4. Desenvolver estratégias
5. Gerar comprometimento
7. Reforçar valores e promover alinhamento

O primeiro passo, segundo o especialista, é pessoal. “Você ‘acorda’ e decide liderar a mudança. Começa a desenvolver expertise que reforça sua credibilidade. Depois, engaja uma rede interna de espíritos afinados com essa proposta e redefine as visões e casos para a mudança com a sua ajuda e insights.”

Apesar de esse primeiro movimento sugerir uma decisão muito particular, quando diz respeito a empresas, nem sempre ele ocorre devido a uma convicção clara. Na maioria dos casos, a escolha pelo caminho da sustentabilidade pode ser melhor explicada com o apoio das leis da Física do que de manuais de conduta e ética. Assim como toda substância submetida à pressão, as companhias também sofrem mudança de estado.
Para Willard são dois os principais fatores que levam à transformação: a necessidade de reduzir gastos com energia e a demanda dos consumidores por produtos e processos menos impactantes (veja quadro).

Andrew Savitz, economista e advogado norte-americano, coautor de A Empresa Sustentável, reforça o time dos pragmáticos. Em sua opinião, as empresas integram a sustentabilidade ao negócio por muitas razões, mas a principal é que ela ajuda a operar, proteger e/ou fazer crescer seu negócio.

“Quando digo operar, refiro-me a muitas companhias que descobriram formas de ser mais eficientes e economizar dinheiro, ou mesmo engajar funcionários por meio da sustentabilidade. Essa abordagem também permite identificar riscos emergentes (por isso o ‘proteger’). E, ao olhar o seu negócio com as lentes da sustentabilidade, muitas empresas identificaram novos mercados e tiveram a oportunidade de crescer.”

Willard adverte que os passos seguintes (do segundo ao quinto de sua lista) são cíclicos e devem ser repetidos junto com as “redes das suas redes”. “Você influencia os influenciadores, que engajarão os executivos em um diálogo semelhante com o objetivo de estabelecer um ‘time de sustentabilidade’ multifuncional e poderoso para fazer a necessária transformação acontecer”, explica.

Esse processo pode culminar com a elaboração de políticas de sustentabilidade, que se revela como um exercício interessante para materializar o comportamento desejado pela organização a partir dos valores que escolheu para se orientar. “Redigir e comunicar uma política exige um processo interno e é a sua riqueza que traz a oportunidade de promover desenvolvimento e maturidade da cultura organizacional.

Por isso, esses documentos devem ser produzidos de forma participativa e não como ocorre em alguns casos nos quais apenas uma pequena área ou uma pessoa os redige e publica”, ressalta Branco. “Estranhamente, as empresas conferem menor importância à comunicação e aos seus importantes rituais de exposição e consagração simbólica de mensagens. “A educação de pessoas numa empresa prescinde de uma comunicação capaz de incorporar também valores. Não se comunica apenas usando murais e newsletters, mas valorizando, com ênfase em políticas, atitudes educadoras baseadas no lema do faça o que eu faço ”, afirma o consultor Ricardo Voltolini, diretor de Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade.

Gráfico 1: Direcionadores da mudança
(Fonte: McGraw-Hill Construction Greening of Corporate America SmartMarket Report)

Estabelecendo um paralelo com os organismos vivos, as políticas estão para as empresas assim como o DNA está para as células. Mas não se bastam. Até mesmo as células – sabe-se – fazem uso de um intenso processo de feedback.

É por isso que Willard classifica os passos seguintes (etapas 6 e 7) como os mais difíceis. “Eles correspondem à construção de apoio disseminado à mudança e sustentação para a nova cultura de sustentabilidade dentro da companhia, o que demanda muito mais tempo e esforço porque envolve mudança de pensamento”, reforça. Voltolini concorda com a tese. “Toda revolução de mind set pressupõe grande esforço de educação de pessoas. Não falo apenas da educação convencional que se pratica em salas de aula, com professores.

Mas de um conhecimento que se constrói, de forma coletiva, no cotidiano, a partir do compartilhamento bem conduzido de uma visão clara de sustentabilidade para a empresa e da interação com as experiências e saberes dos colaboradores, fornecedores e parceiros. Desconheço a existência de culturas fortes em sustentabilidade que não sejam baseadas em valores e visões sólidos, bem comunicados, apropriados pelos funcionários no tempo certo, sem atropelos ou ingerências de demandas de marketing”, afirma.

Para Voltolini, o líder tem um papel fundamental nessa trajetória. Nos últimos dois anos, ao longo do processo de pesquisa para um livro que está escrevendo, o consultor entrevistou em torno de 50 líderes de empresas brasileiras, que fizeram ou estão fazendo a transição para um modelo de negócio baseado em sustentabilidade, tentando compreender os fatores críticos mais importantes. Identificou cinco pontos em comum nas empresas que andaram mais rápido: a inserção do tema na estratégia central de negócios; a visão de oportunidade no lugar da de risco; a presença de um líder que acredita no conceito e a educação de stakeholders. “Crença firme e energia colocada na transformação cotidiana dessa crença em ações, práticas e mudanças fazem toda a diferença”, afirma.Você está pronto para ouvir?Apontado como a solução para nove entre 10 problemas das organizações, inclusive a construção de uma cultura baseada em sustentabilidade, o engajamento de stakeholders está longe de ser uma prática plenamente compreendida. Aos muitos simpatizantes da ideia, Branco, da Ekobé adverte: diálogo requer maturidade. “Primeiramente, é preciso fortalecer esse debate com o público interno e, na medida em que houver maior segurança, trazer perspectivas externas, com o cuidado de não ser muito tímido nessa incorporação e não adiá-la excessivamente”, ressalta.

Mais do que uma simples consulta pública, o engajamento é uma forma de conhecer melhor as demandas, necessidades e expectativas dos públicos de interesse. Além disso, proporciona a discussão em torno de metas, objetivos e do planejamento da empresa visando à construção coletiva. “Essa é uma das fronteiras onde mais se avança no Brasil quando falamos de sustentabilidade, que é tratar engajamento de stakeholders como fonte de inovação e não apenas como busca de licença para operar”, destaca Branco.

O comportamento aberto ao diálogo é um dos principais fatores de reputação e, mais recentemente, de inovação da Natura. Segundo Marcos Vaz, diretor de Sustentabilidade da empresa, a aproximação com os públicos de interesse deu sustentação ao planejamento estratégico. “Tivemos um ganho muito grande no nosso modelo estratégico a partir daí. Tudo o que fazíamos antes era um pouco por intuição. Agora conta com o suporte de um processo formal de engajamento”, explica.

A empresa utiliza diferentes ferramentas de diálogo, como os conhecidos painéis de stakeholders, realizados de forma presencial. Recentemente, estendeu o seu interesse por interação para uma comunidade na internet, a NaturaConecta. “Essas discussões virtuais geram material para fazermos nosso exercício de materialidade . Identificamos os interesses de cada público e convidamos algumas pessoas a participar de workshops presenciais para avaliar os pontos em comum. Assim, temos o eixo dos stakeholders. Avaliamos suas demandas sob a ótica da empresa e classificamos em alta, média e baixa importância”, revela Vaz.

Essa moderação é importante, uma vez que a empresa tem compromissos de gerar retorno para um conjunto de públicos. “Ela vai ter de preservar interesses, respeitando valores, colocar recursos, tempo e energia em algo que foi objeto do diálogo com os stakeholders. Essa prática é uma forma de ampliar o olhar e trazer inovação, mas a palavra final de implementação deve ser da empresa”, explica Branco.

Conhecimento vira moeda de troca

Maurício Curi, gerente geral da Educartis, consultoria especializada em inteligência coletiva, acredita que a competitividade de uma organização será cada vez mais determinada por sua habilidade de articular o conhecimento disperso em sua rede de relacionamentos.
Para tanto, deve buscar meios de acessar o conhecimento das pessoas da sua rede de relacionamentos e transformá-lo em um ativo perene dentro da organização, da comunidade e da sociedade. “Não adianta manter uma relação próxima com seus públicos se a organização não se aproveita disso para agir”, pondera.

A publicação de relatórios de sustentabilidade, seguindo os indicadores da Global Reporting Initiative (GRI), é hoje um dos principais estímulos ao estabelecimento de um processo formal para engajamento de stakeholders.

Segundo Yazmín Trejos, gerente de Comunicação Corporativa da Amanco, o processo de elaboração do relatório de sustentabilidade, que teve início em 2005, reforçou a cultura do diálogo na companhia. “O primeiro canal de troca que gera impacto na empresa é o relatório de sustentabilidade. Em vez de apenas falar o que fazemos, partimos das demandas da sociedade. Essa atitude faz com que todas as áreas se envolvam no processo de mudança. É quase como um autoconhecimento”, afirma.

A experiência de diálogo permanente também influencia os modelos de gestão e estruturas hierárquicas da empresa. “O relatório resulta de um processo multidisciplinar, envolvendo diversas áreas da organização. Isso já é um exemplo concreto de que a sustentabilidade demanda estruturas e arquiteturas mais fluidas, integradas, multifuncionais e menos hierarquizadas”, ressalta Branco. Mas essa ferramenta deve ser vista como meio e não fim em si mesma. De acordo com o consultor, o diálogo em torno do relatório pode ser um processo muito rico quando considerado como ponto de partida.

Premissas para o diálogo

O que podemos construir juntos em torno de assuntos que interessam a todos nós? Essa deve ser a abordagem da organização junto aos seus públicos ao lançar-se em um processo de engajamento. O que não significa, necessariamente, a construção de consensos. “Ninguém quer convencer. Estamos num processo em que a mensagem é: ajudem-nos a construir a empresa de amanhã. Assim, procuramos verificar os anseios dos nossos públicos de relacionamento e avaliamos quais dos temas apresentados são as prioridades estratégicas”, afirma Vaz.

Se conduzido com transparência e humildade, esse processo resulta em aprendizado tanto para empresa quanto para seus públicos. De acordo com Branco, alguns grupos de stakeholders apresentam uma postura mais passiva no sentido de esperar a ação protagonista da empresa. “Principalmente quando estamos falando de comunidade do entorno é muito comum ver a empresa como uma provedora de soluções quando, na verdade, a solução passa pela ação integrada de iniciativa privada, poder público e sociedade civil organizada”, explica.

Também é possível que haja uma postura prepotente da empresa, que julga conhecer a necessidade de seus públicos, podendo, portanto, sozinha prover a melhor solução. “É necessário desenvolver e fortalecer competências para o engajamento em todos os sentidos, do ponto de vista da empresa e dos stakeholders também”, afirma Branco.

A prática é o melhor caminho para o aprendizado. “Cada vez que convidamos nossos stakeholders para participar de um workshop eles ficam mais familiarizados e se engajam de uma maneira muito mais intensa. Passam a ter mais propriedade na discussão e verificar fatores de outras empresas, fazendo um julgamento mais criterioso da gestão. É um fenômeno que se retroalimenta”, afirma Vaz, da Natura.

A reinvenção como medida

A boa ou má notícia em se tratando da transição para uma economia sustentável é que, diferentemente de uma onda anterior – a da qualidade total – não há manuais, cartilhas ou ferramentas que dêem conta desse processo de transformação em sua plenitude. “Existem modelos que suportam essa movimentação toda, mas eles diferem do que estamos acostumados porque não são engessados. Permitem que o coletivo crie o processo e que a mudança aconteça de uma forma muito dinâmica”, afirma Curi, da Educartis.

Esse tem sido o foco de estudos da área de gestão da complexidade. A palavra ‘complexo’ vem do latim complexus, que significa “o que está tecido junto”. Sistemas desse tipo caracterizam-se por baixa precisão e repetitividade, mas possuem alta adaptabilidade, criatividade e inovação. Para Humberto Mariotti, professor e diretor de Pesquisa e Publicações da Business School São Paulo, complexidade é muito diferente de complicação.

“Os sistemas complicados caracterizam-se por um alto nível de precisão e repetitividade e um baixo nível de adaptabilidade, criatividade e inovação”, explica.

De acordo com o especialista, uma organização precisa ter agilidade de pensamento, decisão e ação apenas possíveis quando os seus diversos departamentos se comunicam rapidamente e com clareza. É isso que faz da empresa um sistema mais complexo, aquele que se adapta melhor às demandas do ambiente.

“Há muitas ferramentas de gestão da complexidade, mas não queremos dar a impressão de que é só aplicá-las para promover a mudança. É preciso que haja uma grande transformação do modo de pensar. Por isso devemos trabalhar para tornar as empresas mais adaptáveis às exigências do mercado atual”, conclui.

No que diz respeito à sustentabilidade, nenhum outro tema sintetiza tão bem a urgência de ruptura de modelos – econômicos e políticos – quanto o das mudanças climáticas. Ainda assim, poucas empresas atentaram para o fato de que a questão encerra mais do que riscos.

“Nem todo mundo pegou a veia da oportunidade. A menor parte fala de transformar, de criar novos negócios, da questão de oportunidade. A abordagem é pessimista, vem pela punição. Deve-se ter inspiração para criar coisas diferentes”, afirma Maria Luiza Pinto, diretora-executiva de Desenvolvimento Sustentável do Grupo Santander.

Na opinião de Branco, da Ekobé, há uma preocupação muito grande com os chamados “inventários de emissões” por conta de iniciativas de autorregulação como Carbon Disclosure Project (CDP), Dow Jones Sustainability Index e Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BMF/Bovespa. “Em decorrência disso, ações de mitigação, neutralização e sequestro de carbono são mais comuns, mas há pouca discussão consistente, muito menos prática, em relação a modelos de produção e consumo”, analisa.

10 razões principais para endereçar questões relacionadas à sustentabilidade
(Fonte: McKinseyquarterly.com, “How companies manage sustainability”)

Mensurar é preciso

Umas das explicações possíveis para o fato de a sustentabilidade ainda não ter entrado na cultura de empresas líderes com a necessária consistência diz respeito à dificuldade de mensurar resultados usando a lógica do triple bottom line.

As métricas de desenvolvimento e mensuração de valor atuais ainda não contabilizam as externalidades das atividades econômicas. Além disso, não têm sido eficientes em captar o valor que a sustentabilidade gera para o negócio. Essa talvez seja uma das maiores barreiras para que as questões socioambientais sejam integradas definitivamente à estratégia.

“Dentro da ótica capitalista, é preciso medir o retorno no investimento para tudo. O acionista não põe dinheiro onde não tem retorno. Diante disso, é importante nos perguntarmos: precisamos desenvolver novas métricas que consideram os intangíveis ou conscientizar nossos públicos de que os intangíveis são importantes mesmo não mensurados?”, provoca Tomás Carmona, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Serasa Experian.

Para Savitz, a questão-chave é estabelecer objetivos e, depois, mapear os progresso obtidos. E pondera: “Alguns benefícios da sustentabilidade são difíceis de mensurar, a maioria não.” Na opinião de Willard, não é necessário formular novas métricas para a sustentabilidade, pois já há uma série de ferramentas para mensurar e monitorar resultados intangíveis. “O que está faltando é torná-las aceitas, legitimando-as como indicadores de sucesso.

Precisamos que os mercados de ações demandem transparência e prestação de contas quanto a riscos ambientais e sociais, da forma como a US Securities and Exchange Commission (SEC) vem fazendo”, afirma. E se os investidores precisam demandar esse tipo de informação antes de oferecer novo capital, os reguladores também devem levar em consideração questões socioambientais na sua tomada de decisão. “Por fim, precisamos que os países, seguindo o exemplo do Genuine Progress Indicator (GPI), comecem a mensurar a saúde e a riqueza de uma nação em vez da métrica míope do PIB, baseada apenas no aspecto econômico”, ressalta.

Construção de uma cultura de sustentabilidade: os erros mais comuns

1. Deixar de reconhecer que a sustentabilidade pode acelerar e otimizar os resultados econômicos

2. Esquecer de engajar todos os funcionários nesse esforço

3. Ignorar a importância do engajamento pró-ativo de todos os stakeholders externos

4. Não estabelecer métricas de sustentabilidade na gestão, reconhecimento e sistema de recompensa



Fonte:Envolverde/Idéia Socioambiental

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Água para 123 milhões de brasileiros depende da Mata Atlântica

Um dos conjuntos de ecossistemas mais ameaçados do mundo,o bioma apresenta alto índice de destruição, inferior apenas ao das florestas quase extintas da Ilha de Madagascar. Mas ainda é uma das regiões do mundo mais ricas em diversidade biológica.

A Mata Atlântica apresenta hoje a área de vegetação nativa brasileira mais devastada do País. Reduzida a apenas 27% de sua cobertura original, ainda é uma das regiões do mundo mais ricas em diversidade biológica, embora dados apresentados pela SOS Mata Atlântica assegurem que apenas 7,26% de seus remanescentes permanecem bem conservados.

Sua manutenção e preservação deixou de ser uma prioridade restrita aos ambientalistas. Agora, depende do envolvimento de todos os setores produtivos, econômicos e sociais do Brasil, uma vez que em seus limites vivem 123 milhões de pessoas – 67% de toda a população brasileira.

Esse número expressivo de habitantes necessita da preservação dos remanescentes de vegetação nativa, dos quais depende o fluxo de mananciais de águas que abastecem pequenas e grandes cidades.

As áreas de cobertura vegetal nativa que ainda restam prestam serviços ambientais importantes, como a proteção de mananciais hídricos, a contenção de encostas, a temperatura do solo e a regulação do clima, já que regiões arborizadas podem reduzir a temperatura em até 2º C.

Segundo um estudo da entidade WWF, mais de 30% das 105 maiores cidades do mundo dependem de unidades de conservação para garantir seu abastecimento de água. As matas ciliares, nome dado ao conjunto de vegetação localizada às margens dos cursos de água, foram avaliadas como comprometidas na Mata Atlântica. São fundamentais para a proteção e preservação da diversidade da flora e fauna, pois além de evitar o agravamento de secas e o aumento das enchentes, também funcionam como corredores para que animais e sementes possam transitar entre as áreas protegidas e garantir a alimentação e variabilidade genética das mais diferentes espécies.

As áreas bem conservadas e grandes o suficiente para garantir a biodiversidade e manutenção da Mata Atlântica a longo prazo não chegam a 8% de sua cobertura vegetal original. A região continua a sofrer sérias ameaças, que podem se agravar caso o Código Florestal brasileiro sofra alterações que não garantam a utilização responsável e sustentável de seus recursos naturais.

Além de reduzidos, os remanescentes estão fragmentados e se distribuem de maneira não uniforme ao longo do território, fator que compromete a perpetuidade de espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção.

Hotspot – Especialistas estimam que a Mata Atlântica, considerada um hotspot (área prioritária para conservação, com alta biodiversidade e endemismo e ameaçada no mais alto grau) possua mais de 20.000 espécies de plantas, aproximadamente 35% de toda a flora existente no País.

Segundo dados da Conservação Internacional (CI), trata-se do hotspot número 1 entre as regiões monitoradas em todo o mundo. Levantamentos indicam que sua área abriga 849 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis , 270 espécies de mamíferos e cerca de 350 espécies de peixes. Outro dado alarmante: das 472 espécies ameaçadas de extinção em todo o território nacional, 276 (mais de 50%) estão na região.

“As ações de proteção do MMA direcionadas à Mata Atlântica incluem o aperfeiçoamento da legislação, com a aprovação da Lei da Mata Atlântica e a instituição de projetos e programas de conservação e recuperação de mata nativa”, afirma o coordenador do núcleo Mata Atlântica do MMA, Wigold Schaffer. “Também envolvem o monitoramente e fiscalização dos desmatamentos e queimadas, a criação e implementação de unidades de conservação e a ampliação de parcerias com instituições públicas e privadas da sociedade civil.”

Considerada por especialistas como um avanço na legislação ambiental brasileira, a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006) e sua regulamentação possuem regras claras e incentivos para que a conservação, proteção, regeneração e utilização sustentável de seus componentes sejam implementadas.

Schaffer explica que uma das principais metas do Governo Federal é transformar pelo menos 10% da área total da região em unidades de conservação (UCs) de proteção integral e uso sustentável. Atualmente, existem 123 UCs federais e 225 estaduais na Mata Atlântica, o que resulta em quase 1,7 milhão de hectares transformados em áreas de proteção integral (3%) e pouco mais de 2 milhões de hectares de áreas de uso sustentável.

Ameaça – Dentre as espécies de flora ameaçadas em seus limites, destacam-se o pau-brasil, araucária, palmito-juçara, jequitibá, jaborandi, jacarandá e imbuia, além de orquídeas e bromélias.

Com relação à fauna, das 202 espécies de animais consideradas oficialmente ameaçadas de extinção no País, 171 eram da Mata Atlântica. Das 20 espécies de répteis ameaçadas no Brasil, 13 ocorrem neste bioma. Entre os animais terrestres que ocorrem na região sob alto risco de extinção, 185 são vertebrados (quase 70% do total ameaçado no Brasil), entre eles 118 aves, 16 anfíbios, 38 mamíferos e 13 répteis.

Alguns deles ficaram bastante conhecidos após campanhas de preservação, como o mico-leão-de-cara-dourada, mico-leão-da-cara-preta, a saíra-sete-cores, papagaio-da-cara-roxa e o tatu-bola.

Além da perda de hábitat, as espécies da Mata Atlântica são vítimas do tráfico de animais, comércio ilegal que movimenta no mundo US$ 10 bilhões por ano.

Fatores de perda – Entre os fatores de destruição da vegetação nativa da Mata Atlântica constam a expansão da pecuária bovina, a implantação de monoculturas agrícolas, o reflorestamento com espécies exóticas, a abertura de novas fronteiras de agricultura e de ferrovias e rodovias sem estratégias sustentáveis.

O avanço desordenado das cidades, empreendimentos e grandes obras de infraestrutura, bem como a mineração e a exploração madeireira também contribuíram para a degradação da cobertura vegetal original.

De 2005 a 2008, os estados que mais desmataram foram Minas Gerais, Santa Catarina e Bahia, responsáveis por mais de 80% do total de desmatamento ocorrido no período.

Em 2006, o MMA indicou 880 áreas prioritárias para conservação distribuídas em 429 mil km2 de Mata Atlântica. Desse total, 522 são áreas novas e 358 já possuem algum tipo de proteção.

Corredor Ecológico – O conceito de corredor ecológico ou corredor de biodiversidade se refere a extensões significativas de ecossistemas nos quais ocorre o fluxo de indivíduos e genes entre áreas remanescentes de ecossistemas, unidades de conservação e áreas protegidas. Aumentam, assim, a probabilidade de sobrevivência das diferentes espécies que neles habita, e asseguram a manutenção de processos evolutivos em larga escala.

O Corredor Central da Mata Atlântica, localizado nos estados da Bahia e Espírito Santo ao longo da costa atlântica, estende-se por mais de 1.200 km no sentido norte-sul, e foi implementado desde março de 2002. O corredor agrega ecossistemas aquáticos de água doce e marinhos (dentro da plataforma continental).

O projeto conta com a assistência técnica da Cooperação Brasil-Alemanha (GTZ) e com investimentos do banco alemão KFW e da União Europeia. Também atuam em projetos de conservação da região a Fundação SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, WWF, Mater Natura e outras entidades não-governamentais.

Outra grande área de preservação dentro dos limites da Mata Atlântica é o Corredor da Serra do Mar, que cobre cerca de 12,6 milhões de hectares, do Paraná ao Rio de Janeiro, englobando as serras do Mar e da Mantiqueira.

Bom exemplo – Quando adquiriu a Fazenda Bulcão, em Aimorés (MG), o fotógrafo Sebastião Salgado encontrou uma propriedade quase totalmente formada por pasto degradado. Com o processo de recuperação da área, realizado pelo Instituto Terra, o local foi transformado em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), e a fazenda foi tornou-se a primeira RPPN recuperada de área degradada na Mata Atlântica.

Nela já foram plantadas mais de 1 milhão de mudas nativas desde 1999. Como resultado, o fluxo de água da região ficou mais homogêneo ao longo do ano, e foram cadastradas sete nascentes que ainda não haviam sido identificadas no Córrego do Bulcão, que passa dentro da propriedade. O local funciona também como corredor ecológico e referência de envolvimento social na preservação da Mata Atlântica.

Definição e abrangência – A Mata Atlântica é composta por um conjunto de formações florestais, campos naturais, restingas, manguezais e outros tipos de vegetação que são considerados ecossistemas associados e compõem diferentes paisagens. Essas formações cobriam originalmente total ou parcialmente 17 estados brasileiros e abrangiam uma área de aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros quadrados.

Ilhas oceânicas também se agregam aos seus domínios, além dos encraves de Mata Atlântica – como formações florestais e brejos interioranos – existentes em meio a outros biomas. As limitações da região estão estabelecidas no Mapa da Área de Aplicação da Lei nº11.428/2006, do IBGE, que pode ser encontrado nos sites www.ibge.gov.br ou www.mma.gov.br.

Texto de Carine Corrêa e Edição de Rafael Fontana, Ministério do Meio Ambiente.

Fonte: EcoDebate

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Lixo que vira energia

Por Redação Instituto Akatu


Unaí(MG) experimenta com sucesso a transformação de resíduos em combustível e prevê queimar 100% da coleta diária até 2012.

Quase tudo vira lixo, e o lixo vira o quê? Com a recém-aprovada Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), grande parte do material jogado fora poderá ser queimado como combustível e se tornar uma nova fonte de energia para o país. Atualmente, o Brasil produz 183,5 mil toneladas de lixo por dia e ainda não dispõe de tecnologia em larga escala para transformar esse lixo em energia elétrica.

Mas a cidade mineira de Unaí já vem experimentando com sucesso o uso do lixo na geração de energia e, até o fim de 2011, deve queimar 100% do lixo coletado diariamente, acabando com o aterro sanitário local.

Pelo Projeto Natureza Limpa (http://www.naturezalimpa.com/), a prefeitura implantou em parceria com um empresário local uma miniusina de carbonização do lixo. O processo ainda não produz energia elétrica, mas transforma o lixo em combustível para as siderúrgicas do Estado e matéria prima para indústrias químicas.

Na miniusina de Unaí, o lixo é depositado em um forno, sem nenhuma separação. O material orgânico e outros combustíveis como plástico viram carvão; produtos de origem mineral não combustível, como vidro, permanecem intactos. Cerca de 90% do material carbonizado são vendidos a siderúrgicas mineiras, e os 10% restantes são usados na fornalha da própria usina. Já os materiais que ficam intactos seguem para a reciclagem.

O chamado chorume, aquele líquido escuro e espesso que sai do lixo se transforma em vapor no forno, mas não volta a poluir o ar. Esse vapor é canalizado para um destilador que expele apenas água e oxigênio. No destilador o vapor de chorume é transformado em quatro subprodutos: óleo vegetal, alcatrão, lignina e água ácida, usados na produção de biodiesel, cosméticos, abrasivos, entre outros.

O sistema mineiro já recebeu a licença ambiental e pode se tornar uma boa opção para fechar os lixões de todo o país. Esse tipo de depósito de lixo não tem nenhum tratamento ambiental e polui ar, água, solo, subsolo e o lençol freático. A Política Nacional de Resíduos Sólidos obriga os municípios a acabarem com os lixões em até quatro anos.

Sérgio Guerreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Conselho de Pesquisa em Tecnologia de Geração de Energia a Partir de Resíduos (WTERT Brasil), diz que a experiência na Comunidade Europeia deu certo. Em 2009, 60 milhões de toneladas de lixo foram incineradas na Europa.



(Envolverde/Instituto Akatu)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Rio se prepara para uma revolução verde na gestão de seu lixo.

Publicado por Redação Plurale

O encerramento do Aterro Metropolitano de Gramacho, que por anos recebeu todo o lixo da Região Metropolitana, e a nova central de tratamento de resíduos (CTR) Ciclus, que passará a receber a partir de 2011 todo o lixo de Rio de Janeiro, Itaguaí e Seropédica, vão gerar uma redução recorde na emissão de gases de efeito estufa, através do aproveitamento bioenergético do gás formado pela decomposição dos resíduos orgânicos. A mitigação estimada nos empreendimentos é de 1,9 milhão de toneladas de CO2 por ano. É como se 1,4 milhão de carros movidos a gasolina deixassem de circular pela cidade.

A Ciclus tira a Região Metropolitana do século XX, com seus lixões a céu aberto repletos de catadores trabalhando em condições degradantes, e a coloca no século XXI. A moderna CTR será construída com a tecnologia de ponta dos países com gestão de resíduo mais avançada do mundo. O solo receberá uma tripla impermeabilização de base reforçada, com duas mantas de polietileno de alta densidade e, no meio delas, um sistema de sensores interligados para dar total segurança ao aterro. A CTR, que terá capacidade para receber 9 mil toneladas de lixo por dia, será a primeira do Brasil com tantos recursos de controle de qualidade ambiental – as novidades implementadas devem se tornar referência até para os órgãos ambientais.

O aproveitamento bioenergético é capaz de gerar 30 MW de energia quando a CTR estiver em pleno funcionamento, o que corresponde à iluminação de uma cidade de 200 mil habitantes. Além disso, nas estações de transferência de resíduos (ETRs) que beneficiarão o lixo recolhido no Rio, serão implantas usinas de geração de energia limpa a partir da destruição térmica do lixo. A tecnologia, largamente utilizada na Europa, filtra os gases poluentes, reduz significativamente o volume de lixo que vai para o aterro e gera energia.

A redução de emissões propiciada pelo novo empreendimento permitirá que a prefeitura do Rio de Janeiro cumpra a sua meta de redução de Gases de Efeito Estufa, assinada voluntariamente pelo prefeito Eduardo Paes no fim do ano passado, na ocasião da apresentação do Plano Rio Sustentável, pouco antes da Conferência das Nações Unidas (COP 15), em Copenhague. O objetivo é reduzir as emissões em 8% até 2012, 16% até 2015 e 20% até 2020. Os lixões ainda existentes na Região Metropolitana do Rio são responsáveis, ainda hoje, por uma das maiores parcelas de lançamento de gás estufa no Estado do Rio.

A nova Central de Tratamento de Resíduos do Rio é fundamental para a estratégia de tornar os Jogos Olímpicos de 2016 as olimpíadas verdes, um evento marcado pela atitude sustentável. Além disso, a redução de emissões e o encerramento dos lixões estão na lista de encargos elaborada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Com o empreendimento implantado, as duas metas poderão ser cumpridas.

Fonte: Tratamento de Água

A polêmica dos resíduos de eletroeletrônicos e a Política Nacional de Resíduos

Por Érico Tooru Tanji

Vivemos no século 21, a era da informatização que propiciou o surgimento de inúmeras necessidades de consumo, entre elas, diversos aparatos tecnológicos, como aparelhos celulares, microcomputadores e outros periféricos. Eles se tornaram commodities indispensáveis, vinculados às rotinas de trabalho e à vida pessoal de cada um. Por outro lado, ainda existem vários equipamentos usados e considerados obsoletos, cujo destino após o final do uso não é bem definido.

O consumo elevado e o ritmo rápido da inovação fazem com que esses produtos se transformem em resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE). Estas sucatas aumentam de volume exponencialmente e preocupam a sociedade. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), a taxa de crescimento de resíduos eletroeletrônicos está na ordem de 40 milhões de toneladas ao ano.

A exportação dos REEE é uma solução encontrada pelos países desenvolvidos para lidar com o excesso desse passivo ambiental. Isso é possível a partir da emenda da Convenção de Basiléia, que permite a exportação desses equipamentos, ainda em funcionamento, a países não membros da OECD (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico), para que sejam reutilizados. Porém, isso ocorre, em sua maior parte, de forma ilegal, devido ao abuso por parte dos exportadores, que misturam os equipamentos em funcionamento com outros sem a menor condição de uso.

Algumas organizações ambientais internacionais, como o Greenpeace e a Rede de Ação da Basiléia, estão fazendo campanha contra as quantidades enormes de resíduos tecnológicos geradas por países subdesenvolvidos. Embora a maioria das práticas de reciclagem ofereça ameaças à saúde humana e ao meio ambiente, ainda é trabalho diário e fonte de renda para milhares de pessoas no mundo todo. A situação desses países exige uma iniciativa do Poder Público, com a adoção de Leis e Normas restritivas que caracterizem e compreendam os impactos causados pelo descarte inadequado dos REEE, especialmente restringindo a importação. Também é preciso que sejam sugeridas e subsidiadas alternativas para a destinação ambientalmente correta para esse tipo de resíduo.

Os REEE, em geral, possuem vários módulos básicos, como conjuntos de placas de circuitos impressos, cabos, plásticos anti chama, disjuntores de mercúrio, telas de tubos catódicos e de cristal líquido, pilhas e acumuladores, sensores e conectores, entre outros. As substâncias mais problemáticas presentes nestes componentes são os metais pesados, como mercúrio, chumbo, cádmio e cromo; gases, que contribuem para o aumento do efeito estufa; além de amianto e arsênio 8, substâncias que, descartadas no meio ambiente, podem contaminar o solo e reservatórios de água potável, inclusive os lençóis freáticos.

Segundo relatório do UNEP, apresentado em fevereiro de 2010, existe uma estimativa de que, até 2020, o volume dos REEE originários de computadores obsoletos poderá crescer 500% na Índia e 400% na China e África do Sul, em relação a 2007. O mesmo relatório aponta que, entre os países considerados emergentes, o Brasil tem o maior índice de REEE per capita (0,5 kg/cap.ano), seguido de México e China.

Por outro lado, o País tem um bom potencial para se adaptar a modelos mais sustentáveis no ciclo produtivo e pós-consumo, desde que ocorram investimentos em novas tecnologias e trocas de expertise. Diante disso, mesmo com seus desvios de análise, pois não considera o mercado informal especificamente da área de Tecnologia da Informação, o estudo evidencia que são necessárias ações preventivas por parte das diversas frentes envolvidas no ciclo de vida do produto, no intuito de evitar um problema futuro de maiores proporções.

Em agosto deste ano, o Presidente Lula sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que tramita há mais de 20 anos na Câmara. A regulamentação criará diretrizes para a coleta e tratamento de diversos resíduos sólidos, como pilhas, baterias, agrotóxicos, pneus, lubrificantes, pilhas e baterias, além dos REEE e as embalagens.
O que mais preocupa as empresas, especificamente as do setor de eletroeletrônicos, é a estruturação da logística reversa, pois acarreta em custos adicionais e compromete a competitividade dos produtos de indústria “legal” com o mercado paralelo, ou seja, a concorrência desleal de produtos “órfãos” do representante legal, detentora da marca no país, em grande proveniente de importadores irregulares ou mesmo de produtos falsificados. Assim, resta às empresas desenvolverem estratégias para conscientizar os seus principais usuários sobre a importância da preservação ambiental e, da mesma forma, integrar o material coletado como resíduo dentro de sua própria cadeia produtiva como forma de amortizar os custos operacionais.

Apesar de tudo é notório que cada vez mais empresas e instituições públicas valorizam cada vez mais questões de responsabilidades sócio-ambientais e éticas, nas decisões de compra e em licitações públicas (Decreto nº 7.174, de 12 de maio de 2010 sobre compras sustentáveis). O texto da Política Nacional de Resíduos Sólidos coloca em pauta a responsabilidade compartilhada sobre os resíduos entre Governo, indústria, comércio e consumidor. Este último terá que encaminhar os produtos pós-consumo para pontos de coleta.

A nova Lei prevê uma regulamentação e adaptação de 90 dias para as Secretarias de Meio Ambiente de cada Estado iniciar o estabelecimento efetivo da responsabilidade pós-consumo de cada parte envolvida, seguindo com a apresentação de Acordos Setoriais ou mesmo com um Decreto que regulamentará e definirá as premissas para a apresentação e protocolação do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos da indústria e das empresas da cadeia varejista. O Poder Público, por sua vez, incentivará movimentos de boas práticas, prevendo que a União dispenda R$ 1 bilhão em 2011 para financiamento de ações de reciclagem. A Caixa Econômica Federal oferecerá R$ 500 milhões em crédito para cooperativas de catadores e projetos que visam ao tratamento de resíduos sólidos.

Esperamos que este importante movimento não seja uma ação que objetiva a arrecadação de votos, mas, sim, um primeiro passo para encontrarmos soluções para a regularização dos diversos lixões, que não têm o aterramento adequado para os resíduos recebidos. E que, também, mobilize toda sociedade e Poder Público para a preservação e convivência sustentável do homem com o ambiente em que está inserido.


*Érico Tooru Tanji é analista de Comunicação e Sustentabilidade da OKI Printing Solutions do Brasil.

Fonte: Cotidiano Digital

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Uma garrafa que salva vidas

Por Elis Monteiro - Plurale


Olhar no relógio pode ser doloroso depois desse dado: segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada oito segundos morre uma criança no planeta vítima de doenças relacionadas ao consumo de água contaminada.

O relatório, divulgado pela instituição no Dia Mundial da Água, foi taxativo: mais pessoas morrem devido ao consumo de água contaminada do que por violência no mundo. Estamos tratando, aqui, do lado crônico da “doença”, mas as últimas tragédias que o mundo tem enfrentado – tsunami na Ásia, terremoto no Haiti e no Chile, enchentes no Nordeste do Brasil e no Paquistão, dentre outras – demonstraram que a questão da água é urgente e demanda soluções rápidas, correndo-se o risco de as estatísticas ficarem ainda mais dramáticas.

Visando a ajudar a curar a doença crônica e tirar da manga uma solução em momentos de tragédia, um cientista inglês chamado Michael Pritchard pôs em prática uma ideia genial: criou um produto portátil capaz de filtrar a água – mesmo a mais imunda do planeta – e, em questão de segundos, torná-la potável. Assim nasceu a Lifesaver, espécie de garrafinha mágica, que já chegou ao Brasil, que tira partido da Nanotecnologia através de um sistema de ultrafiltragem altamente avançado projetado para ajudar a salvar vidas oferecendo às pessoas água potável limpa livre de contaminação, por mais remota que seja a localidade. A boa notícia é que através de parcerias com empresas e organizações do terceiro setor, a tecnologia Lifesaver, que conta com a chancela da Organização Mundial da Saúde (OMS), começará a ser levada a regiões como Alagoas e Pernambuco, dois dos estados assolados recentemente por enchentes.

Durante as recentes intempéries, um dos maiores problemas enfrentados pela população foi justamente a falta de água potável, em meio ao oceano de água suja. No mês de julho, a enchente que atingiu 67 municípios pernambucanos e deixou desabrigadas ou desalojadas mais de 80 mil pessoas também trouxe o fantasma da sede. Foi chamariz, a reboque, para a voraz indústria da água, já que a única saída para a população era comprar garrafas de água mineral a preços exorbitantes ou encarar os carros-pipa, sem a certeza se o líquido consumido era de confiança.

A enchente no interior de Alagoas arrasou 19 cidades, desabrigou 80 mil pessoas e fez 26 vítimas fatais. Mesmo depois de os níveis de água terem baixado, a tragédia continua assombrando a população do Nordeste. Isso porque o perigo das enchentes não reside apenas na força destruidora das águas, mas também nas doenças que o esgoto a céu aberto é capaz de transmitir.

A cidade de Murici, a 35 quilômetros de Santana do Mundaú, por exemplo, foi completamente devastada. Quem perdeu a casa, encontrou teto em galpões de uma fábrica, um local improvisado, cheio de lama, onde as crianças brincavam no lixo. Naquela localidade, mais de 1.5 mil pessoas perderam suas casas e foram abrigadas em locais com condições de higiene precárias, o que facilitou a transmissão de germes que causam vômitos, diarreia, infecções de pele e doenças respiratórias. Em um dos galpões, ficaram abrigadas 50 famílias, que contavam com apenas dois banheiros que viviam entupidos, sem água encanada. A água usada nos banheiros ficava em caixas instaladas na beira da estrada, abastecidas por caminhões-pipa. E aqui o grande problema: a mesma água, de procedência desconhecida, é usada para tomar banho, cozinhar e beber.

“A ideia de trazer o Lifesaver para o Brasil foi uma maneira de prover um benefício imensurável, auxiliando a redução da mortalidade infantil por doenças contraídas a partir do consumo de água contaminada - principalmente nas regiões do Nordeste, Amazônia, Pantanal e comunidades não providas de saneamento e fornecimento de água potável - para pessoas que há anos buscam condições de vida mais dignas”, diz Leonardo Eloi, sócio da Ecotrends Group, empresa carioca que trabalha com produtos sustentáveis e está levando o Lifesaver para o interior do país, através de parcerias com governos estaduais e prefeituras e ONGs que trabalham com ações humanitárias.

Como funciona a Lifesaver

O uso da nanotecnologia permite que poros de aproximadamente 15 nanômetros de diâmetro, usados pelo filtro da tecnologia Lifesaver, sejam capazes de reter qualquer tipo de micro-organismo. Assim, a água que passa ali não só sai inodora e insípida como livre de qualquer organismo vivo já encontrado no planeta. Só para se ter uma ideia, a menor bactéria conhecida pela ciência, a da Tuberculose, tem cerca de 200 nanômetros. O menor vírus, o da Pólio, tem cerca de 25 nanômetros de diâmetro. Como os poros do Lifesaver têm 15 nanômetros de espessura, eles retêm qualquer organismo, deixando a água não só potável como extremamente segura para consumo humano.

A garrafinha Lifesaver usa também a tecnologia FailSafe. Em termos simples, isso significa que quando o cartucho atinge capacidade máxima de filtragem, ele se bloqueia automaticamente, evitando que o usuário beba água contaminada. Neste momento, é preciso trocar o filtro, o que pode levar anos para acontecer, dependendo da quantidade de água filtrada pela unidade de Lifesaver.

“Por ser portátil e de fácil utilização, qualquer criança ou pessoa com menos instrução pode utilizar a garrafa Lifesaver sem problemas. Basta enchê-la (de água suja, inclusive com dejetos humanos e de animais), bombear e beber”, conta Leonardo Eloi.

ONU: 1.5 milhão de crianças com menos de cinco anos morrem por ano por causa de água suja

O consumo de água doente é hoje uma das principais preocupações da ONU, tanto que a entidade divulgou um documento chamado “Sick Water” (Água Doente), no qual afirma que o acesso a água limpa e saneamento básico é direito humano. Durante sua última Assembleia Geral, a organização divulgou, dentre outras informações alarmantes, que 900 milhões de pessoas ao redor do planeta não têm acesso a água limpa. O texto da resolução expressa uma profunda preocupação: 884 milhões de pessoas sofrem de males terríveis causadas por água suja. Tem mais: cerca de 1.5 milhão de crianças abaixo dos cinco anos de idade morrem todo ano por beber água doente, e 443 milhões de dias na escola estão sendo perdidos todo ano por conta de doenças causadas por saneamento básico precário. Ou seja, não é um problema que impacta apenas a saúde pública, mas também a educação.

Foi durante o furacão que assolou Nova Orleans, em 2005, que Michael Pritchard teve a ideia de criar a Lifesaver. Em palestra realizada no TEDGlobal, um dos principais eventos de inovação do planeta (palestra com legenda está disponível em www.ted.com) o inglês contou que estava sentado, depois do Natal de 2004, enquanto assistia às notícias devastadoras sobre o tsunami na Ásia. Disse ele: “Nos dias e semanas que se seguiram, pessoas fugiam para os morros e eram obrigadas a beber água contaminada ou encarar a morte. Isso realmente me impressionou. Alguns meses depois, o furacão Katrina arrebentou parte da América. Pensei: ‘Ok, esse é um país de primeiro mundo, vamos ver o que eles vão fazer’. Dia um: nada; dia dois, nada; foram necessários cinco dias para levar água ao estádio Superdome! As pessoas estavam atirando umas nas outras nas ruas por TV e...água! Foi quando decidi que tinha que fazer algo”, conta Pritchard.

Pritchard fez. E o produto que criou já salvou milhares de vida durante o terremoto do Haiti, em janeiro deste ano, e até hoje o Lifesaver é responsável pelo acesso a água limpa a milhares de haitianos. Naquele país, a Lifesaver foi usada pela ONG Operation Blessing, a mesma que começa a trabalhar ao lado da Ecotrends no Brasil para levar o produto – e suas benesses – aos necessitados do Nordeste. Agora, as duas entidades, em parceria com governos locais, começam a traçar estratégias em conjunto para atuação em caso de enchentes e outras intempéries, além de traçar metas para levar o produto às comunidades que, mesmo localizadas no entorno de grandes cidades, continuam à mercê de água proveniente de poços, lagos, açudes, córregos e até mesmo lama. Tudo para não morrerem de sede. Infelizmente, em muitos casos a sede não mata, mas as doenças que chegam através do líquido precioso, sim.

“De acordo com a Agência Nacional de Águas, 17 milhões de brasileiros ainda não têm acesso a água potável. Segundo a UNICEF, na América Latina e no Caribe cerca de 20 mil crianças morrem antes de completarem cinco anos de idade devido a diarreias agudas, o que poderia ser evitado mediante o acesso a condições de higiene adequadas, infraestrutura de saneamento e água potável”, completa Eloi.

Fonte: Tratamento de Água

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

BIOECONOMIA

Por Marcus Eduardo de Oliveira

Na compreensão dos processos econômicos contemporâneos, algo de extrema importância não pode escapar da estratégia envolvida na construção dos caminhos que apontam para uma economia solidária (com justiça social equilibrada) e para um modelo de crescimento econômico centralmente sustentável (também com equilíbrio e respeito ao meio ambiente).

Os termos “equilibrado e sustentável” são aqui empregados de forma adrede. Com isso, desejamos apontar para a necessidade de que todos convivam pacificamente de forma equilibrada e sustentada ao longo do tempo em suas relações com o meio ambiente. A razão disso? É simples! O sistema econômico que aí está, grosso modo, para atender as nossas necessidades opera dentro do meio ambiente. Esse sistema é, ademais, apenas um subsistema de algo maior: o próprio meio ambiente. E, caso a relação economia / natureza não seja ao menos equilibrada, o caos logo se avizinha.

Nunca é desnecessário comentar que há uma intensa interação entre economia e natureza, pois é sabido que do meio ambiente o sistema econômico retira recursos naturais para serem transformados em bens e serviços visando promover, na ponta final, o consumo. Consumo esse que, por sua vez, atenderá necessidades múltiplas de todos nós.

A necessidade do contextualizado “equilíbrio” entre recursos econômicos e recursos naturais decorre, portanto, da conscientização de que essa relação de extração natural feita pela economia é na maior parte do tempo pouco inteligente e muito agressiva, uma vez que envolve geração de resíduos, rejeitos e poluentes (tanto no ato da produção em si, como no descarte dos produtos após o uso). Logo, caso não seja realizado a contento, tal processo de extração tende a se converter e potencializar novos desequilíbrios. Percebe-se assim, contudo, que o sistema econômico produtivo tem então uma capacidade ímpar em desequilibrar e também em poluir: polui e desequilibra na entrada (retirando recursos naturais) e na saída (descartando-os).

Conquanto, foi justamente a partir dessa relação nada amistosa e muito desequilibrada entre esses atores principais – economia / natureza – que em meados da década de 1960 começou a surgir explicações técnicas que davam conta da imprescindível necessidade de mudar o rumo do processo produtivo. Àquela altura já se vislumbrava claramente que as constantes agressões ao ambiente somente poderiam gerar passivos ambientais.

Entrementes, foi dessa constatação que também surgiu outra visão econômica que envolvia tanto a biologia como a física; ambas, por sinal, se “relacionavam” à sua maneira com as teorias econômicas consolidadas até então.

Nesse pormenor, cumpre destacar uma idéia teórica que ganhou certa proeminência, embora ainda hoje continua “apagada”, ao menos dentro da abordagem feita pela tradicional teoria econômica: trata-se do que se convencionou chamar posteriormente de bioeconomia.

O que seria isso? Bioeconomia seria a base científica da economia. Na essência, a bioeconomia pode ser definida como um conceito de desenvolvimento que pressupõe novas relações com o meio ambiente, com o planeta Terra em si e com as pessoas.

Federico Chicchi, sociólogo italiano e um dos mais preparados estudiosos desse assunto, aponta que “a bioeconomia refere-se ao processo de captura da vida e à produção da própria vida no interior das regras do discurso econômico”.

Para René Passet, outro renomado especialista no assunto, a bioeconomia é o “novo paradigma da economia”. Esse pensador francês destaca que o conceito de bioeconomia surgiu como conseqüência do alerta ecológico dos anos 1960/70, que descobriu o processo econômico como uma extensão da evolução biológica. A termodinâmica e a biológica são os seus fundamentos. O seu objetivo, diz Passet, “é integrar as atividades econômicas nos sistemas naturais porque as leis da macroeconomia não se reduzem às da microeconomia”. O interesse geral, aponta Passet, “(…) é muito mais do que a soma das partes. Os mecanismos naturais (como o ar, a água) não têm que ver com as leis de mercado; por sinal, problemas com esses bens comuns e naturais transcendem a lógica das nações e dos mercados”.

Dessa forma, na visão de Passet, com a qual corroboramos, a economia situa-se além de si mesma e vislumbra um novo modelo de desenvolvimento, chamado, pois, de bioeconômico. E esse modelo para se efetivar precisa ser de caráter integrador, caso contrário, malogrará.

Pontua-se, para enfatizar-se a questão, que esse seria um modelo capaz de conciliar os interesses públicos, privados e solidários com o interesse amplo e geral. Uma vez mais se ressoa aqui que o interesse geral é para as pessoas. Na esteira desse comentário, enaltecemos que a economia tem tudo a ver com um projeto de desenvolvimento que envolva as pessoas, caso contrário não se sustenta na linha do tempo tendendo a se desequilibrar mais cedo ou mais tarde. As pessoas e o desenvolvimento precisam andar juntos. Os objetivos econômicos precisam apontar para essa realização. Só há verdadeiro desenvolvimento quando as pessoas são por essa ocorrência contempladas. De nada adianta ocorrer desenvolvimento das instituições, por exemplo, se essas não forem colocadas à disposição das pessoas. São as pessoas, essencialmente, as responsáveis por fazer funcionar a economia, as instituições, e o próprio mercado.

Ademais, uma vez que esse processo macro envolve sensivelmente as pessoas, nada mais natural que abordar então as relações da natureza, tendo em vista que o homem não é dono do meio ambiente (do planeta Terra), mas sim um de seus hóspedes e dele verdadeiramente depende para o prosseguimento de seu próprio viver.

Infelizmente, esse hóspede tem se comportado como aquele inquilino que, descontente com o valor do aluguel, chega a “maltratar” sua moradia.

Aproximação econômica ao vivente e aproximação “vivente” ao econômico

Por esse prisma bem peculiar, em nosso entendimento a bioeconomia não deve ser apenas entendida como uma aproximação econômica ao vivente, mas sim como uma aproximação “vivente” à própria modelagem econômica. E essa simbiose necessita ser bem sincronizada. A economia, é forçoso afirmar, é uma atividade de transformação calculada que tem como finalidade precípua satisfazer, da melhor forma e com o mínimo de meios empregados, as necessidades humanas mais elementares. E onde estão mesmo os elementos indispensáveis para o atendimento a essas necessidades? Ora, é evidente que está na natureza todo e qualquer recurso necessário para a produção dos bens que nos suprirá as necessidades. E a economia, como não poderia deixar de ser, participa ativamente desse processo.

Nunca é demais aduzir, a título de comentários finais, que a economia intervém em três níveis: i) transformação e cálculo; ii) o nível humano; e iii) o nível natural.

Finalizando essa discussão, cabe retomar a linha de raciocínio de Passet para pontuar que esses três níveis citados são interdependentes e a reprodução do econômico implica a das sociedades humanas e a da natureza como um todo. O bioeconômico então, conforme afirmado aqui, se insere no campo das preocupações fundamentais que estão na perspectiva ampla de se discutir a prática daquilo que possa ser considerada uma boa economia. Isso envolve, sobremaneira, respeitar o meio ambiente e, antes disso, tecer de forma equilibrada as relações que moldam a própria vida.

No entanto, constata-se que infelizmente nem sempre esse assunto ganha espaço e alcança mais ouvidos. Todavia, é nosso dever contribuir para aguçar esse debate ainda que seja necessário remar contra a maré; ainda que seja preciso gritar para ouvidos que insistem em permanecer moucos.

Marcus Eduardo de Oliveira é Economista, professor, especialista em Política Internacional com mestrado pela (USP). Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).

Fonte: EcoDebate

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ação humana ameaça 65% da biodiversidade dos rios

Por Rogério Ferro, do Instituto Akatu


Poluição e construção excessiva de barragens e hidrelétricas colocam em risco a vida peixes e outros microorganismos aquáticos; situação deixa 80% da população mundial sujeita à escassez de água.

Os recursos hídricos e sua biodiversidade estão em crise no planeta, tudo por conta da ação humana. Hoje, 65% das espécies estão ameaçadas de extinção, principalmente por viverem em rios que sofrem diretamente os impactos das atividades econômicas e que estão sob a ameaça da poluição ali despejada, das grandes barragens e das práticas de pesca predatória. Mais: cerca de 3,4 bilhões de pessoas dos países pobres e emergentes estão sujeitas a escassez de água pelos mesmos motivos.

As informações são do estudo “Ameaças globais à segurança hídrica e à biodiversidade dos rios”, publicado na versão online da revista científica Nature, de 29 de setembro. O trabalho de pesquisa foi conduzido por especialistas da Universidade de Nova York e da Universidade de Wisconsin, além de sete outras instituições.

As ações para remediar a situação custariam aos países, juntos, cerca de R$ 850 bilhões por ano.

Segundo o estudo, a porção brasileira do rio Amazonas ainda está bem preservada, em comparação à nascente, situada no Peru. "A maior parte do Amazonas está sob risco moderado, porque há baixa ocupação humana na sua extensão e há grandes porções de florestas no entorno", relata o documento.

Em geral, “os rios mais ameaçados do país são justamente os que estão mais próximos dos grandes centros urbanos, nas regiões Sudeste e Nordeste.”
Entretanto, alguns rios atravessam diversas comunidades e isso significa que um ato isolado, pode causar impactos em todas as pessoas que de alguma forma se relacionam com ele.

Os resíduos poluentes jogados no rio Tietê, por exemplo, que atravessa o Estado de São Paulo e é o mais poluído do país, são o resultado de descartes operado pelos agentes da cidade, sejam moradores ou estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas. Esgotos não tratados, efluentes químicos, todo tipo de lixo e até móveis, sem falar nos plásticos, que chegam ao rio irregular ou ilegalmente, são a causa da poluição que deteriora as condições da água e acaba com o oxigênio, causando a morte de organismos e dos peixes. Além de prejudicar a pesca artesanal, o rio, morto, torna-se um vetor de doenças graves para as comunidades banhadas por suas águas.

“O consumidor precisa tomar consciência que seu consumo individual tem impactos não só no meio ambiente, mas também na sociedade e na economia e, deve buscar maximizar os positivos e minimizar os negativos”, afirma Camila Mello, gerente de Mobilização Comunitária do Instituto Akatu.

Entre 1992 e 2008, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) gastou R$ 2,7 bilhões em ações de limpeza, despoluição e instalação de sistemas de tratamento de esgoto no rio Tietê.

“Considerando que esse mal poderia ser amenizado por meio do descarte correto dos resíduos, boa parte dessa verba poderia ter sido usada para melhorar a qualidade de serviços públicos como saúde, educação e segurança”, destaca Mello.

A ONU (Organização das Nações Unidas) declarou 2010 como Ano Internacional da Biodiversidade.


Envolverde/Instituto Akatu

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Contaminantes emergentes na água

Por Fábio Reynol - Ag. Fapesp

Durante a década de 1990, houve uma redução na população de jacarés que habitava os pântanos da Flórida, nos Estados Unidos. Ao investigar o problema, cientistas perceberam que os machos da espécie tinham pênis menores do que o normal, além de apresentar baixos índices do hormônio masculino testosterona.

Os estudos verificaram que as mudanças hormonais que estavam alterando o fenótipo dos animais e prejudicando sua reprodução foram desencadeadas por pesticidas clorados empregados em plantações naquela região.

Esses produtos químicos eram aplicados de acordo com a legislação norte-americana, a qual estabelecia limites máximos baseados em sua toxicidade, mas não considerava a alteração hormonal que eles provocavam, simplesmente porque os efeitos não eram conhecidos.

Assim como os pântanos da Flórida, corpos d’água de vários pontos do planeta estão sendo contaminados com diferentes coquetéis que podem conter princípios ativos de medicamentos, componentes de plásticos, hormônios naturais e artificiais, antibióticos, defensivos agrícolas e muitos outros em quantidades e proporções diversas e com efeitos desconhecidos para os animais aquáticos e também para pessoas que consomem essas águas.

“Em algumas dessas áreas, meninas estão menstruando cada vez mais cedo e, nos homens, o número de espermatozoides despencou nos últimos 50 anos. Esses são alguns problemas cujos motivos ninguém conseguiu explicar até agora e que podem estar relacionados a produtos presentes na água que bagunçam o ciclo hormonal”, disse Wilson Jardim, professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à Agência FAPESP.

O pesquisador conta que esses contaminantes, chamados emergentes, podem estar por trás de vários outros efeitos relacionados tanto à saúde humana como aos ecossistemas aquáticos.

“Como não são aplicados métodos de tratamento que retirem esses contaminantes, as cidades que ficam à jusante de um rio bebem o esgoto das que ficam à montante”, alertou o pesquisador que coordena o Projeto Temático “Ocorrência e atividade estrogênica de interferentes endócrinos em água para consumo humano e em mananciais do Estado de São Paulo”, apoiado pela FAPESP.

O aumento no consumo de cosméticos, de artigos de limpeza e de medicamentos tem piorado a situação, de acordo com o pesquisador, cujo grupo encontrou diversos tipos de produtos em amostras de água retirada de rios no Estado de São Paulo. O antiinflamatório diclofenaco, o analgésico ácido acetilsalicílico e o bactericida triclosan, empregado em enxaguatórios bucais, são apenas alguns exemplos.

A esses se soma uma crescente coleção de cosméticos que engorda o lixo químico que vai parar nos cursos d’água sem receber tratamento algum. “Estima-se que uma pessoa utilize, em média, dez produtos cosméticos e de higiene todos os dias antes mesmo de sair de casa”, disse Jardim.

Sem uma legislação que faça as empresas de distribuição retirar essas substâncias tanto do esgoto a ser jogado nos rios como da água deles captada, tem sido cada vez mais comum encontrar interferentes hormonais nas torneiras das residências. Os filtros domésticos disponíveis no mercado não dão conta dessa limpeza.

“Os métodos utilizados pelas estações de tratamento de água brasileiras são em geral seculares. Eles não incorporaram novas tecnologias, como a oxidação avançada, a osmose inversa e a ultrafiltração”, disse o professor da Unicamp, afirmando acreditar que tais métodos só serão incorporados pelas empresas por meio de uma legislação específica, uma vez que eles encareceriam o tratamento.

Peixes feminilizados

Uma das primeiras cidades a enfrentar esse tipo de contaminação foi Las Vegas, nos Estados Unidos. Em meio a um deserto, o município depende de uma grande quantidade de água retirada do lago Mead, o qual também recebe o esgoto da cidade.

Apesar de contar com um bom tratamento de esgoto, a água da cidade acabou provocando alterações hormonais nas comunidades de animais aquáticos do lago, com algumas espécies de peixes tendo apresentado altos índices de feminilização. Universidades e concessionárias de água se uniram para estudar o problema e chegaram à conclusão de que o esgoto precisava de melhor tratamento.

“Foi uma abordagem madura, racional e que contou com o apoio da população, que se mostrou disposta a até pagar mais em troca de uma água limpa desses contaminantes”, contou Jardim.

Alterações como o odor na água são indicadores de contaminantes como o bisfenol A, produto que está presente em diversos tipos de plásticos e que pode afetar a fertilidade, de acordo com pesquisas feitas com ratos no Instituto de Biociências do campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Jardim alerta que o bisfenol A é um interferente endócrino comprovado que afeta especialmente organismos em formação, o que o torna perigoso no desenvolvimento endócrino das crianças. Além dele, a equipe da Unicamp também identificou atrazina, um pesticida utilizado na agricultura.

Não apenas produtos que alteram a produção hormonal foram detectados na pesquisa, há ainda outros que afetam o ambiente e têm efeitos desconhecidos no consumo humano. Um deles é o triclosan, bactericida empregado em enxaguatórios bucais cuja capacidade biocida aumenta sob o efeito dos raios solares.

Se o efeito individual de cada um desses produtos é perigoso, pouco se sabe sobre os resultados de misturas entre eles. A interação entre diferentes químicos em proporções e quantidades inconstantes e reunidos ao acaso produz novos compostos dos quais pouco se conhecem os efeitos.

“A realidade é que não estamos expostos a cada produto individualmente, mas a uma mistura deles. Se dois compostos são interferentes endócrinos quando separados, ao juntá-los não significará, necessariamente, que eles vão se potencializar”, disse Jardim.

Segundo ele, essas interações são muito complexas. Para complicar, todos os dados de que a ciência dispõe no momento são para compostos individuais.

Superbactérias

Outra preocupação do pesquisador é a presença de antibióticos nas águas dos rios. Por meio do projeto “Antibióticos na bacia do rio Atibaia”, apoiado pela FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa – Regular, Jardim e sua equipe analisaram de 2007 a 2009 a presença de antibióticos populares na água do rio paulista.

A parte da análise ficou por conta do doutorando Marco Locatelli, que identificou concentrações de cefalexina, ciprofloxacina, amoxicilina e trimetrotrin em amostras da água do Atibaia.

A automedicação e o consumo exacerbado desse tipo de medicamento foram apontados por Jardim como as principais causas dessa contaminação que apresenta como risco maior o desenvolvimento de “superbactérias”, microrganismos muito resistentes à ação desses antibióticos.

Todas essas questões foram debatidas no fim de 2009 durante o 1º Workshop sobre Contaminantes Emergentes em Águas para Consumo Humano, na Unicamp. O evento foi coordenado por Jardim e recebeu o apoio FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa – Organização de Reunião Científica e/ou Tecnológica.

O professor da Unicamp reforça a gravidade da questão da água, uma vez que pode afetar de inúmeras maneiras a saúde da população e o meio ambiente. “Isso já deve estar ocorrendo de forma silenciosa e não está recebendo a devida atenção”, alertou.

Fonte: Portal Tratamento de Água