domingo, 19 de maio de 2013

Transformar lixo em riqueza depende primeiro do fabricante



Ricardo Abramovay*


O principal instrumento que permitiu aos países desenvolvidos ampliar de maneira significativa a reciclagem de resíduos sólidos, desde o início do milênio, é a responsabilidade ampliada do produtor (Extended Producer Responsibility, na expressão em inglês). Relatório recém-publicado pela agência ambiental europeia mostra que a quantidade de lixo incinerada ou mandada para aterros reduziu e que a reciclagem, no continente, passou de 23% a 35% dos resíduos, entre 2001 e 2010, um aumento muito considerável.
Mais que isso: a Alemanha vem conseguindo descasar a produção de riqueza da geração de lixo. Relatório do Bifa Environmental Institute mostra que, entre 2000 e 2008 (portanto, antes da crise), o PIB, em termos reais, cresceu quase dez por cento, e o volume de lixo caiu nada menos que 15%. A intensidade em lixo da vida econômica, medida decisiva para avaliar a qualidade da relação que uma sociedade mantém com seus recursos ecossistêmicos, declina mais de 22%.
Maior riqueza e menos lixo: como isso é possível?
A responsabilidade ampliada do produtor ajuda a responder essa pergunta. O conceito, que hoje se encontra no âmago das políticas europeias e é adotado também em vários Estados norte-americanos, foi usado pela primeira vez em 1990 pelo pesquisador Thomas Lindhqvist num relatório para o Ministério do Meio Ambiente da Suécia. Vale a pena citar sua própria definição: “A responsabilidade ampliada do produtor é uma estratégia de proteção ambiental para alcançar o objetivo de reduzir o impacto ambiental de um produto tornando seu fabricante responsável pelo conjunto do ciclo de vida do produto e, especialmente, por sua coleta, sua reciclagem e sua disposição final”.
É claro que, para que isso ocorra, o consumidor tem que fazer uma separação correta, os comerciantes devem possuir dispositivos onde alguns resíduos serão colocados, e o governo precisa organizar a coleta nos domicílios. Mas é ilusão imaginar que o avanço europeu recente na redução do lixo e na elevação da taxa de reciclagem seja apenas devido ao nível educacional da população e à eficiência das prefeituras.
O fundamental, e que em última análise responde pelos bons resultados europeus, é a responsabilidade do fabricante pelo conjunto do ciclo de vida do produto. No caso francês, por exemplo, já existem 19 cadeias produtivas em que vigora um ecoimposto que contribui para financiar os sistemas municipais de coleta e reciclagem. Quem produz o detrito paga antecipadamente (e cobra de seu consumidor, é claro) por dar-lhe a destinação correta. Acaba de ser aprovada uma lei segundo a qual quem compra uma cadeira paga 0,20 euros por sua reciclagem futura e 4 euros para que um colchão não acabe na rua ou num rio. É uma prática contrária à que marcou o crescimento econômico do século 20.
Na prática corrente até aqui, a vida econômica se organiza de maneira linear, a partir do procedimento “pega-produz-consome-joga”. Os produtos vão do berço à sepultura e, para fazer novos produtos, recorre-se novamente a matérias-primas virgens, que alimentam processos produtivos, cujos resultados são consumidos e, em seguida, jogados fora. O problema é que não existe esse “fora”.
A escassez e o encarecimento das matérias-primas, as possibilidades cada vez mais limitadas de encontrar espaços para aterros e os custos exorbitantes da incineração abrem caminho a que os agentes econômicos passem a tratar como fonte de riqueza os materiais até então destinados ao lixo. Relatório recente da Fundação Macarthur fala em economia circular, em oposição à economia linear do “pega-produz-consome-joga”: a economia circular é aquela em que parte crescente dos resíduos é usada como insumo na fabricação de novos produtos.
Numa economia circular, a própria concepção do produto, seu design, já incorpora e amplia as possibilidades de recuperação e reutilização dos materiais nele contidos. Isso revoluciona, por exemplo, a maneira como são fabricados bens eletrônicos, cujas ligas devem prever recuperação e manuseio fácil, sem o que o destino de materiais, muitas vezes raros e preciosos, acabará sendo o lixo e, pior, o lixo tóxico, já que a separação dos componentes é muito difícil. Existindo responsabilidade ampliada do produtor, o fabricante exigirá de seus engenheiros um produto que, contrariamente ao que ocorre hoje, facilite o trabalho da reciclagem e, preferencialmente, o reuso da maior parte daquilo que o integra.
O trabalho da Fundação Macarthur mostra que, na Grã-Bretanha, a substituição de garrafas descartáveis de cerveja pela velha prática do depósito de vasilhame permitiria, por exemplo, a redução de 20% do custo total do produto. Onze Estados norte-americanos já adotaram leis que obrigam a volta dessa prática. O consumo de cerveja “one-way”, por exemplo, pode ser mais confortável, mas, se o seu custo real estiver incorporado ao produto, caberá ao consumidor saber se deseja, de fato, pagar por ele.
São exemplos importantes e que oferecem lições valiosas, neste momento em que, no Brasil, se estabelecem os acordos setoriais que vão dar vida para a nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos. Acabar com os lixões, melhorar a situação dos catadores e ampliar seu papel no interior da política são objetivos decisivos. Mas a capacidade de a PNRS diminuir a produção de lixo e ampliar a reciclagem depende, antes de tudo, de mecanismos que estimulem os fabricantes a usar menos materiais, menos energia e propiciar à sociedade maiores oportunidades de transformar lixo em riqueza. É fundamental então que fique claramente esclarecida sua responsabilidade pelos resíduos ligados aos produtos que colocam no mercado.
* Ricardo abramovay, professor titular da FEA e do IRI/USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, é autor de “Muito Além da Economia Verde”, ed. Planeta Sustentável.

Fonte: Mercado Ético

Dia Mundial da Reciclagem: Gargalos impedem avanço e deixam empresas com capacidade ociosa



A coleta seletiva ainda enfrenta gargalos para se tornar abrangente no país, como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que entrará em vigor na segunda metade de 2014. A avaliação foi feita por André Vilhena, diretor do Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre), fórum que reúne 38 grandes empresas nacionais e multinacionais desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.
Vilhena destaca que um dos entraves para o avanço da coleta seletiva no Brasil é a falta de qualificação dos gestores locais responsáveis por elaborar os planos municipais de resíduos sólidos: “O envolvimento das prefeituras é o ponto de partida. Temos hoje poucos municípios fazendo a coleta seletiva e, principalmente, fazendo a coleta seletiva de forma abrangente. Para mudar isso, os gestores públicos necessitam de treinamento para que possam efetivamente implantar os programas em seus municípios”.
A falta de capacitação é mais grave no interior, mas também está longe do ideal nas grandes cidades: “Vamos pegar os exemplos das maiores cidades do Brasil: os programas tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro são muito pouco abrangentes, precisam passar por uma reformulação e ampliação significativas. Sem dúvida alguma, no curto espaço de tempo, precisamos melhorar muito os programas de coleta seletiva nas cidades brasileiras, especialmente nas maiores”, observa Vilhena.
Com programas de coleta seletiva pouco organizados, a indústria recicladora padece de pouca oferta de matéria-prima e, segundo estimativas do Cempre, funciona, em média, com capacidade ociosa entre 20% e 30%. Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2010 já mostrava que o Brasil deixava de movimentar R$ 8 bilhões anualmente por não aproveitar o potencial do setor. De acordo com o Cempre, apenas 14% das cidades brasileiras têm coleta seletiva, sendo 86% delas no Sudeste.
Impostos e informalidade
Outro entrave para a reciclagem no Brasil, segundo Vilhena, é o peso tributário sobre o setor, que se beneficiaria de mudanças na cobrança de impostos: “De cara, deveria ser dispensado o recolhimento do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] na venda de sucatas e materiais recicláveis, além de produtos com 100% de material reciclado. Poderia ser feita, a partir disso, uma redução gradativa do imposto conforme o percentual de material reciclado na composição”, defende ele, que acredita haver bitributação no caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): “em alguns setores, o produto já teve a cobrança do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]. quando foi descartado, e tem o desconto de novo durante a reciclagem”.
Edson Freitas, da organização não governamental EccoVida, concorda com as duas análises: “muita gente prefere a informalidade por causa dos impostos. Pago uns 30% de imposto sobre minhas garrafas e ainda tenho que pagar para destinar o lixo não aproveitável. Um dos projetos que desenvolvo, de produção de telhas a partir de PET [politereftalato de etileno, utilizado na fabricação de embalagens e outros produtos], eu trouxe de Manaus, porque lá não era viável por falta de plástico selecionado”.
Em seu galpão, o presidente da ONG conta que processa mil toneladas de material reciclado por mês, mas a falta de oferta o impede de vender o dobro disso de matéria-prima para fábricas como a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), que usa suas PETs na produção de garrafas 100% recicladas, que corresponderam a 28% da produção em 2012 e devem chegar a 40% em 2013.
No ano passado, a companhia reutilizou 60 milhões de PETs na produção, número que deve saltar para 130 milhões neste ano, com a autorização da Anvisa para o uso de material reciclável em mais três fábricas da empresa, somando seis homologadas. A produção de PET a partir de material reciclável economiza 70% de energia e reduz em 70% a emissão de gás carbônico na atmosfera. Além das PETs, a Ambev também produz, em sua fábrica de vidro, sete em cada dez garrafas desse material inteiramente com cacos reciclados, sendo 88% deles provenientes da própria cervejaria e 12% de cooperativas.
Sociedade envolvida
O problema da falta de material de que Freitas se queixa, no entanto, não é causado só pela escassez de planos municipais. Para Vilhena, é preciso maior envolvimento da população: “Temos que melhorar o engajamento do cidadão brasileiro nos programas de coleta seletiva, que ainda estão aquém do desejado”.
Edson Freitas destaca que é preciso uma mudança de pensamento em relação aos materiais recicláveis: “nem chamo de lixo uma PET ou uma embalagem de papelão, porque não são lixo. Têm o mesmo valor que tinham quando o produto estava armazenado dentro delas. É só limpar que continua a ser material com valor comercial e utilidade”.

Fonte: Agência Brasil

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Gastos em saúde e saneamento tiveram mais efetividade para reduzir pobreza no Brasil


Os gastos em saúde e saneamento, tanto no âmbito federal quanto municipal, foram os que tiveram maior efetividade para reduzir a pobreza no Brasil nos últimos anos, revela pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. Em seguida, aparecem os gastos com educação e cultura estaduais e os gastos com previdência e assistência federal. O estudo foi realizado pela economista Martha Hanae Hiromoto, para dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação (PPG) em Economia Aplicada, com orientação da professora Ana Lúcia Kassouf, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da Esalq.
A pesquisa analisou o efeito do gasto social das três esferas do governo (federal, estadual e municipal) sobre a pobreza. Para isso, foram utilizados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Secretaria do Tesouro Nacional e outros. A pobreza considerada no trabalho limitou-se apenas a dimensão da insuficiência de renda. Assim, foi adotada a linha de pobreza calculada pelo IPEA. “Os valores estimados são diferentes para cada estado do país. Como referência, a linha de pobreza calculada para a região metropolitana de São Paulo, em 2009, equivale a 0,48 salários mínimos”, afirma Martha.
O total de gasto social do governo somou cerca de R$ 800 bilhões em 2009, quase 28% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. ”Para análise do efeito do gasto social por função orçamentária executada nas três esferas do governo, selecionou-se o gasto social de acordo com sua origem, considerando-se previdência e assistência, saúde e saneamento, educação e cultura, trabalho, habitação e urbanismo e, nos casos dos estados e municípios, incluiu-se investimento”, conta a economista.
As análises foram decompostas em duas partes – a primeira envolveu um painel de dados estaduais de 20 anos (1987 a 2009). Depois, para compreender melhor o efeito das despesas do governo estadual sobre a redução da pobreza, acrescentou-se uma análise do efeito do gasto de cada estado considerando suas características específicas e incluindo a interação da binária de estado com o seu gasto per capita. Adicionalmente, foram incluídos dados demográficos, de inflação e nível de educação. Já a segunda apreciação foi baseada nos dados municipais dos anos de 1991, 2000 e 2010.
Funções sociais
O estudo, que se baseou em pesquisa bibliográfica de trabalhos realizados no Brasil e em outros países como China e Índia, detalha que o total de recursos federais das funções sociais selecionadas nesta análise cresceu de 4% em 1987 para 14% do PIB em 2009, totalizando R$ 432 bilhões. No mesmo período, o volume das funções estaduais cresceu de 4% para 6% do PIB, chegando a R$ 193 bilhões. Finalmente, o volume total das funções municipais selecionadas em 2010 foi de R$ 212 bilhões (8% do PIB). “Pode-se, assim, contribuir entendendo como focar gastos futuros ou mesmo buscar formas de melhorar a efetividade de gastos em áreas que tem sido pouco efetivas”, destaca Martha.

Os principais resultados demonstraram que gastos em saúde e saneamento tanto no âmbito federal quanto municipal foram, entre os analisados, os que tiveram maior efetividade para reduzir a pobreza. Em seguida, aparecem os gastos com educação e cultura estaduais e os gastos com previdência e assistência federal.
“Os gastos federais, quando analisados dados agregados, são os que apresentam maior efetividade para a redução da pobreza. No entanto, o gasto federal em previdência e assistência não se mostrou como o mais efetivo”, ressalta Martha. “O gasto em previdência é mal focalizado a medida em que grande parte de seu volume é destinado à aposentadoria do setor público e não à parcela mais carente da população. como já foi verificado em outros estudos”.
Outro dado importante, de acordo com a economista, é que as características específicas de cada estado podem influenciar o efeito do seu gasto social sobre a pobreza. “Estados mais prósperos tendem a ter melhores resultados dos seus gastos sobre a pobreza que estados menos prósperos. As melhores condições sócio-econômicas regionais contribuem para melhorar o efeito dos gastos sociais sobre a queda da pobreza”, conclui.
Matéria de Alicia Nascimento Aguiar, da Esalq em Piracicaba, publicada pelo EcoDebate, 10/05/2013