terça-feira, 17 de abril de 2012

Equilíbrio Hidrológico

Por Roberto Naime




Em hidrologia, a ciência que estuda as águas superficiais, é bem conhecida a equação denominada balanço hídrico. Esta contabilidade representa a quantidade de chuva de uma determinada região, que representa a disponibilidade hídrica, subtraída das águas que sofrem infiltração nos solos e/ou evapotranspiração.


As águas que sofrem escoamento superficial, denominado “run off” representam as reservas hídricas superficiais disponíveis. As águas superficiais das bacias e sub-bacias hidrográficas, atualmente são gerenciadas pelos comitês de bacias hidrográficas e se destinam prioritariamente às necessidades do consumo humano, servindo para finalidades agrícolas e industriais posteriormente (JORDÃO et al, 2005).


Conforme as características físicas dos solos e rochas subjacentes da bacia hidrográfica considerada, temos a interação entre os rios e os lençóis freáticos ou subterrâneos adjacentes. Considerando principalmente a variável permeabilidade, que é a capacidade das águas de migrarem em um determinado meio e medida em cm/s, temos os regimes fluviais.


Em geral, na estação quente as águas migram dos rios para o interior dos solos e das rochas, caracterizando o regime influente. Dependendo das demais variáveis, evidentemente.


Nas estações de alta pluviosidade, as águas tendem a realimentar os rios a partir dos solos e rochas, constituindo o denominado regime efluente (NASCIMENTO, et al, 2007).


Este fenômeno muito evidente, explica porque a poluição dos continentes atinge os rios e a poluição dos mananciais hídricos atinge os lençóis freáticos (chuvas) ou subterrâneos (água acumulada nas rochas).


Este fenômeno comprova mais uma vez a complexidade e a inter-relação de todas as variáveis dos meios físico, biológico e antrópico, pois a água com suas características de solvente universal é o grande promotor das disseminações da poluição, através de ocorrências conhecidas como plumas de contaminação.


As águas subterrâneas são aquelas que são armazenadas no interior dos maciços rochosos. Podem passar pelo estágio freático ou serem dirigidas diretamente para o interior das rochas.
As rochas que armazenam as águas subterrâneas são conhecidas como aquíferos (OLIVEIRA et al., 1998), e as rochas que deixam fugir as águas subterrâneas denominam-se aquífugos. Existem 2 tipos de aqüíferos principais entre as rochas: os aqüíferos denominados primários ou por poros e os secundários ou por fraturas e diáclases.


A melhor expressão dos aqüíferos primários são as rochas sedimentares psamíticas, os arenitos e conglomerados. Para os leigos arenitos também são conhecidos como “lage de grês”. Estas rochas chegam a exibir até 40% de porosidade e armazenam grande quantidade de água, que percola livremente na rocha, produzindo poços tubulares profundos com grande capacidade de vazão.
Aqüíferos secundários ou por fraturas, ocorrem em todo tipo de rocha, tem menor capacidade de armazenamento e conseqüentemente geram poços tubulares profundos com menor produção de água.


As águas subterrâneas por definição são aquelas que estão armazenadas em rochas, e originalmente são geradas pelas fontes pluviométricas, mas freqüentemente sofrem influência de outras águas:


Águas conatas: são as águas que ficam armazenadas com os sedimentos desde a superfície, após os processos diagênicos e ficam no interior das rochas sedimentares, como resultado da diagênese exibem freqüente contaminação com sais ou outros elementos químicos e podem tirar a potabilidade das águas subterrâneas;


Águas juvenis: representam os fluidos que sobram das cristalizações dos magmas, seja em condições plutônicas ou em condições vulcânicas, e por isso são ricas em metais e outros componentes magmáticos, principalmente aqueles que não conseguem entrar nos minerais em formação, tanto por tamanho grande ou pequeno do raio iônico, que impede as substituições diadóxicas, como por eletronegatividade ou outra característica química.


As águas subterrâneas que sofrem contaminação com águas conatas, freqüentemente são salobas e apresentam dureza (quantidade de sais e carbonatos) elevada, apresentando problemas para utilização em caldeiras (TUCCI, 1993).


As águas subterrâneas contaminadas por águas juvenis originam as denominadas águas minerais, de diversas naturezas, como fluoretadas, bicarbonatadas, etc.


Para muitas pessoas, com o decorrer do tempo reduz-se a capacidade de filtração do sangue pelos rins e podem ser desenvolvidos cálculos ou pedras renais. No organismo de alguns, a composição química da água mineralizada pode ser um dos motivos. Para outros, são segregações cálcicas, geradas pelo consumo de leite e derivados.


Por isso, atualmente, é muito incentivado o consumo de águas minerais ditas “leves” ou com baixo teor de constituintes mineralizantes, que podem ser maléficos em quantidade inapropriada para consumo humano ou para certos tipos de organismos ou condições devidas à idade cronológica.



Todos os rios tem uma faixa de domínio dentro da qual está estabelecido o curso de água principal e que atuam como áreas de extravasamento quando ocorrem cheias, mantendo o equilíbrio das bacias hidrográficas. Se todas as várzeas como são chamadas, fosse áreas de preservação permanente não haveria o cultivo de arroz irrigado em nosso país (NAIME e GARCIA, 2004).

Fonte:EcoDebate

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Quem é o profissional da sustentabilidade?

“Sustentabilidade” é um termo que ouvimos diariamente. Representantes de nações se encontram para decidir sobre estratégias para um desenvolvimento mais sustentável. Empresas divulgam em seus sites boas práticas socioambientais. Governos discutem políticas de redução de impactos ambientais e diminuição da desigualdade social. Crises aquecem o questionamento sobre os limites do atual modelo econômico. Por encontrar-se de alguma forma ligado a todas essas e a muitas outras questões, o termo “sustentabilidade” aparece com frequência em nossas vidas.


No entanto, se sustentabilidade é algo tão amplo e pluridimensional, o que dizer, então, do “profissional de sustentabilidade”? Quem é ele? Onde trabalha? Qual o seu perfil?


Em primeiro lugar, importante destacar que: quando utilizo o termo “profissionais”, refiro-me àqueles que exercem sua atividade profissional na área, e não àqueles que, no seu dia a dia, agem de forma compatível com o que considero uma “vida mais sustentável”, embora, é claro, acredite que deva existir uma coerência entre a atuação e o cotidiano desse tipo de profissional (a nossa prática, ou seja, a forma como fazemos o que fazemos não pode ser dissociada de quem somos, e está intimamente ligada aos nossos valores; em sustentabilidade, não há espaço para profissionais do tipo “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”); acredito que muitos profissionais contribuem enormemente para a sustentabilidade, como, por exemplo, profissionais da área ambiental ou aqueles que atuam com desenvolvimento social; entretanto, o que apresento aqui é um novo perfil de profissional, que atua dentro de um conceito mais amplo e transversal.


Os profissionais de sustentabilidade não têm formação específica. Podem ser engenheiros, educadores, advogados, gestores, biólogos, entre inúmeras outras possibilidades. Podem atuar no setor público ou no privado, em instituições de ensino ou no terceiro setor. Podem atuar, ainda, como autônomos ou em consultorias. Podem ter em seu currículo inúmeros cursos na área ou, mesmo sem ter se formado em um curso específico, compreender inteiramente o conceito e ter praticado a sustentabilidade em seu dia a dia, no seu trabalho, de forma a se tornar especialista no assunto. Podem ocupar cargos diversos, em departamentos diversos, não estando necessariamente dentro de uma Diretoria ou Gerência de Sustentabilidade.


Mas reconheço um profissional de sustentabilidade quando encontro alguém com uma visão de um mundo mais sustentável, reconhecido dentro da instituição onde atua como um dos responsáveis por fazer com que essa instituição trilhe um caminho compatível com essa visão. Esse profissional deve ter compreensão profunda sobre conceitos, assuntos, princípios e ferramentas relacionados ao tema, e deve criar espaços para que esses temas permeiem a instituição onde atua.


Além das características descritas, esse profissional tem valores firmes e sólidos, atuando com ética e transparência, construindo em sua instituição um caminho para a sustentabilidade de forma colaborativa, participativa, inclusiva e tolerante perante a diversidade. Ele deve ser capaz de pensar de forma sistêmica, compreendendo as inter-relações entre os diversos atores e aspectos que regem e influenciam sua atuação e sua instituição.


Hoje já ouvimos falar em CSOs, ou Chief Sustainability Officers. Esta terminologia, mais utilizada dentro das empresas, segue o padrão de outras já conhecidas como CEO (Chief Executive Officer) ou CFO (Chief Financial Officer) e refere-se aos Diretores de Sustentabilidade, que têm como missão desenvolver estratégias de sustentabilidade dentro de uma empresa.Em outubro de 2011, foi formalizada a ABRAPS – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, com a missão de representar, conectar e fortalecer a atuação do profissional de sustentabilidade. Com isso, percebemos o crescimento inegável desse novo perfil profissional e permanecemos com a esperança da melhoria da qualidade nas inter-relações entre indivíduos, empresas, mercado, sociedade e o planeta.


Daniella Mac Dowell - Mestre em Saúde Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Consultora e facilitadora de processos em sustentabilidade.


Artigo publicado na Revista Geração Sustentável, Edição 27.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Nariz eletrônico monitora odores em ETEs

O Grupo de Pesquisa em Sistemas Sensoriais da Universidade de Extremadura - UEx - (Espanha) desenvolveu um sistema de análises de águas que permite, de forma singela e no mesmo lugar da experiência, monitorar o funcionamento de estações depuradoras de esgoto. Este dispositivo permite detectar e identificar casos de contaminação através do odor. Também possibilita a supervisão e eliminação de maneira remota das emissões de maus odores.

Na atualidade existem diferentes técnicas para o controle da qualidade da água utilizada tanto para o abastecimento das populações como para a indústria. Estes métodos tem se caracterizado tradicionalmente por seu caráter sofisticado e exaustivo e têm o inconveniente de depender de complexas instalações. Além disso, há outros problemas como seu elevado custo, os erros derivados da amostragem e a demoras na obtenção de resultados.

Para evitar estas complicações, vários trabalhos de pesquisa da UEx focaram seus esforços em ampliar conhecimentos neste âmbito e conceberam diversos métodos que permitem efetuar as medições diretamente nas águas naturais.

Entre as vantagens deste sistema comumente conhecido como "nariz eletrônico", já que trata de imitar o olfato humano, está à redução de custos e de tempo empregado na realização da experiência. Conforme o pesquisador Jesús Lozano, o novo "nariz" não só obtém resultados quantitativos em um minuto, como o custo é 10 vezes inferior ao do resto dos métodos existentes. "O maior inconveniente que possui este dispositivo portátil de análises de odores e contaminantes é que como ocorre com o sentido do olfato dos mamíferos, o nariz eletrônico deve ser treinado com amostras conhecidas, e quanto mais vezes se realizem estes ensaios mais precisas serão suas respostas", explica o especialista.

Este sistema é de grande utilidade também nos processos de controle de qualidade da indústria alimentícia, na avaliação das propriedades organolépticas dos vinhos ou em aplicações de segurança para a detecção de explosivos. Também em medicina para a detecção de doenças e no desenvolvimento de fragrâncias e cosméticos.

Outras inovações

Junto com a aprovação deste sistema inteligente, o Grupo de Pesquisa de Análises Químicas do Meio Ambiente, coordenado pelo professor Eduardo Pinilla, está implementando inovadoras metodologias eletroquímicas que controlam a presença de metais pesados especialmente tóxicos, tanto na água dos rios como na procedente da precipitação atmosférica.

Estas técnicas químicas avaliam de forma automática a presença de substâncias tão perigosas para a saúde humana e para o meio ambiente como são o mercúrio, o chumbo e o cádmio.

Neste caso, o que se pretendeu com o desenvolvimento das novas metodologias foi "tender para equipamentos portáteis que consigam os dados rapidamente de uma maneira simples", explica Pinilla. Ao mesmo tempo se trata de buscar uma nova fórmula científica para melhorar a informação analítica obtida e a um baixo custo.

Além disso, esta melhora nas metodologias permite automatizar os processos de forma que os dados obtidos sejam remetidos remotamente ao laboratório.

Fonte:Água Online


Queimar lixo não é a melhor solução, afirmam especialistas

O que é melhor fazer com as 150 mil toneladas de lixo urbano produzidas diariamente no Brasil? Apesar da pressão pelo aumento da coleta seletiva e reciclagem, que resultou na Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, em mais da metade das cidades do País ainda predomina o despejo dos resíduos em terrenos a céu aberto e sem nenhum tipo de tratamento – os chamados lixões.

O prefeito de Maringá, Sílvio Barros (PP) quer resolver o problema da sua cidade com uma solução pouco comum no Brasil: uma usina de incineração de lixo. O custo da obra está avaliado entre R$ 180 milhões e R$ 200 milhões. De acordo com o projeto, a meta da usina é queimar 500 toneladas de lixo por dia, no entanto, a cidade paranaense produz diariamente cerca de 300 toneladas.

De acordo com especialistas ouvidos pelo iG, a solução que aparentemente é de alta tecnologia já se mostra antiga. Eles afirmam que existem mais de 100 usinas de incineração pelo mundo, mas que os resultados se mostraram pouco satisfatórios pelo excesso de monitoramento necessário. “Não é uma solução, o custo é muito alto, há contaminação e emissão de gases. É uma forma de arrancar dinheiro do contribuinte”, disse Sabetai Calderoni, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável e especialista em lixo. Para Calderoni, existem outras soluções como reciclagem e compostagem que se adequam melhor à realidade brasileira.

Uma das principais críticas à incineração é que ela não segue a lógica de redução da produção de lixo e do aumento da reciclagem, recomendadas pela Lei Nacional de Resíduos Sólidos. Gina Rizpah Besen, mestre pela Faculdade de Saúde Pública da USP afirma que a política de incineração vai contra a lei por seguir uma lógica inversa ao não estimular a redução da produção de lixo. “Ela não é adequada do ponto de vista ambiental, porque para funcionar precisa de plástico e põe em risco os catadores de lixo e emite mais que um aterro sanitário comum”, disse. No entanto, de acordo com dados da Agência de Proteção ao Meio Ambiente da Grã-Bretanha mostram que a reciclagem e a compostagem aumentaram até 19% entre 2003 e 2004, quando as usinas britânicas começaram a funcionar.

Outra crítica que ambientalistas fazem é que as usinas de incineração necessitam de material reciclável por ele ser mais comburente. “É necessário o uso de materiais de queima mais fácil. Manter uma usina queimando apenas lixo orgânico é muito caro”, disse Luciano Bastos, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/ UFRJ. No Brasil, em média, 60% do lixo é orgânico, o chamado lixo úmido, o restante é material que pode ser reciclado, como vidro e papel.

Manifestantes reclamam que usina de incineração de lixo na Nova Zelândia libera moléculas cancerígenas

De acordo com Bastos, a capacidade mínima de uma usina de incineração para que ela seja economicamente viável é 150 toneladas de lixo por dia. Para se ter uma ideia, a cidade de São Paulo produz diariamente 15 mil toneladas de lixo e a do Rio, 9 mil toneladas.

Nem tudo é ruim – O grande trunfo da incineração, no entanto, está em gerar energia a partir do lixo. Aterros sanitários também podem gerar energia a partir da captação de gases emitidos pela decomposição do lixo, mas de acordo com estudo da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA), a incineração é capaz de produzir cerca de 10 vezes mais energias que os aterros. “Nem sempre se consegue captar energia dos aterros, e paga-se muito caro para fazer sua distribuição”, concorda Calderoni.

Um projeto experimental de usina de incineração foi instalado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 2004, a Usina Verde recebe diariamente 30 toneladas de resíduos sólidos, pré-tratados, provenientes do aterro sanitário no Caju.

Após passar pela triagem, o lixo é levado para forno fechado na Usina Verde que realiza a queima em temperaturas altíssimas de 950º C. Os gases resultantes desta queima são levados até uma caldeira, o vapor gira a turbina que gera a energia.

Para o professor Luciano Bastos, que coordenou o projeto da Usina Verde, o processo de incineração é monitorado o tempo inteiro para que não ocorra escape de gases para a atmosfera. Sobre a crítica de que a incineração gera moléculas cancerígenas que afetariam a saúde dos catadores, o pesquisador defende que os níveis gerados são os mesmos produzidos por veículos a diesel.

Gina afirma que o projeto da usina é muito mais caro do que campanhas educacionais para a redução e reciclagem de lixo. “Pode até ser que o sistema funcione, mas em geral ele é caro. Sabemos que já existem mecanismos de controle das emissões, mas não sabemos o efeito cumulativo disso”, disse. Para Calderoni, os custos de segurança não compensam: “É um negócio que precisa de fiscalização, que tem um custo muito alto”, critica.

Reciclagem é a melhor rota energética – Para Bastos, o ideal seria associar a reciclagem ao uso de tecnologias como o uso de biodigestores, onde o lixo é confinado em ambiente sem oxigênio e bactérias digerem o lixo gerando adubo a partir do lixo orgânico e gases que podem ser aproveitados em veículos.

“A incineração é uma alternativa, mas não é a única. Se houvesse coleta seletiva plena, não caberia ter incineração”, disse Bastos. Ele afirma que o ideal é reciclar “tudo o que for possível e depois aplicar as tecnologias”. Para ele apenas o material rejeitado pelos catadores pode ser aplicado para a incineração, tanto por motivos ambientais quanto econômicos.

“A reciclagem é a melhor rota energética do lixo, pois com ela a indústria economiza energia”, disse. De acordo com o pesquisador, cada tonelada de material reciclado gera três megawatts/hora de energia economizada, enquanto a melhor tecnologia de incineração gera energia a partir do lixo de um megawatt/hora.

Fonte: Ambiente Brasil/Maria Fernanda Ziegler/ Portal iG)


terça-feira, 3 de abril de 2012

Transposição do rio São Francisco: Um grande erro!

Aos poucos vai se confirmando o que os movimentos sociais, cientistas e especialistas diziam sobre a transposição do Rio São Francisco: A obra é um grande erro e se transformou num mico nas mãos de Dilma, uma das heranças malditas deixadas por Lula.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das “Notícias do Dia’ publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, com sede em Curitiba-PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário

Equívocos da transposição do São Francisco

‘O bispo tinha razão’

Transposição, boa apenas para a indústria da seca

Críticas do movimento social se confirmam

Violações persistem em megaobras

Eis a análise.

Equívocos da transposição do São Francisco

Empreiteiras ávidas por mais recursos, obras paradas, cronograma adiado, problemas com licitações, aumento bilionário nos custos, canais rachados, túneis desabando, deslizamento de solo, empregos frustrados e caatinga devastada envolvem a transposição do Rio São Francisco. Já se coloca em dúvida se um dia a obra terminará e, ainda mais grave, vai se confirmando a denúncia da ineficácia da transposição para levar água aos que mais dela precisam.

“A transposição do Rio São Francisco se transformou em um grande atoleiro e eu não vejo nenhuma perspectiva de ela ser concluída, pois as obras estão praticamente paradas em vários trechos”, declara João Abner, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em entrevista ao IHU. Segundo ele, “nenhum agricultor que, hoje, recebe água do carro-pipa receberá água da transposição desse rio, porque a água vai escoar em grandes rios, vai para as maiores barragens da região e será utilizada pelo agronegócio”.

Nos últimos dias, a transposição do São Francisco voltou ao noticiário pelo viés do escândalo em que se transformou. A transposição já é o mais caro dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Só no governo Dilma Rousseff, os preços aumentaram 71% e saltaram para R$ 8,2 bilhões. A obra se transformou num “ralo do dinheiro público”.

Na opinião de João Abner, “com um terço do custo da transposição do rio São Francisco seria possível construir um grande sistema de abastecimento de água para atender a todo o Nordeste e abastecer todas as casas da região”.

A obra se transformou num mico nas mãos de Dilma, uma das heranças malditas deixadas por Lula. Na opinião de João Suassuna, engenheiro-agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife, a transposição caracteriza-se como um “projeto tecnicamente ruim, socialmente preocupante e politicamente desastroso”.

‘O bispo tinha razão‘

Aos poucos vai se confirmando tudo o que os movimentos sociais, cientistas e especialistas diziam da obra: “A transposição do São Francisco é um erro”. Entre as várias vozes que se levantaram contra a transposição, uma, sobretudo é lembrada, a de dom Luiz Cappio, bispo de Barras (BA). Cappio em seus dois jejuns, em 2005 e 2007, chamou a atenção para os equívocos da obra e profetizou que a mesma era um grande erro e que não seria concluída.

Em uma das entrevistas que concedeu ao IHU, em 2008, dom Luiz Cappio afirma “a transposição não irá acontecer porque é mentirosa, anti-ética, anti-socal, injusta e economicamente inaceitável”. Cappio dizia na oportunidade: “O projeto é socialmente injusto porque vai beneficiar um pequeno grupo, enquanto que projetos alternativos podem beneficiar quase toda a população do Nordeste do semi-árido. Ela é ecologicamente insustentável porque, enquanto o projeto de transposição agride a realidade do Rio São Francisco, os projetos alternativos são altamente sustentáveis. E a transposição é eticamente inaceitável porque é mentirosa, enquanto os projetos alternativos estão aí para poder atender as necessidades do povo”.

Em outra entrevista ao IHU em 20120, Cappio reafirmou: “O tempo mostra a verdade de todas as coisas e vai mostrar o significado da nossa luta”.

“O bispo tinha razão…”, diz o sociólogo Rubens Siqueira da Comissão Pastoral da Terra na Bahia e da articulação São Francisco Vivo. Lembrando o bispo, relata: “’Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho’. Com esta ideia, o bispo franciscano de Barra–BA dom Luiz Cappio justificava seus dois jejuns, em 2005 e 2007, contra o projeto de transposição, em defesa do Rio São Francisco e do semiárido brasileiro. Dizia que o projeto, além de ignorar o mal estado do rio, visava, como sempre no Nordeste, concentrar água, terra e poder, levaria dinheiro público para o ralo e votos para urnas e – vaticínio profético? – não seria concluído”.

“E não é que, não à parte a loucura, ele tinha razão! Quatro anos e meio depois de iniciado, o projeto capenga, confirmando as críticas do bispo, de cientistas respeitados e dos movimentos populares. O próprio sertanejo da região ‘beneficiada’, até aqui iludido com a mítica promessa, começa a desconfiar”, destaca Rubens Siqueira.

Transposição, boa apenas para a indústria da seca

A transposição do São Francisco até o momento foi boa apenas para a indústria da seca, destaca João Abner na entrevista ao IHU. Segundo ele, “a indústria da seca é uma espécie de colonialismo que predomina no Nordeste há séculos. Quer dizer, os projetos para distribuir água no Nordeste são pensados fora da região e têm a intenção de capturar recursos públicos. O Programa de Açudagem do Nordeste mostra isso. As obras pensadas para o Nordeste são descoladas de um plano de desenvolvimento e têm um fim em si mesmas”.

Continua o professor da UFRN, “a transposição do rio São Francisco segue essa mesma lógica. O governo e as empresas querem construir o maior açude possível no Nordeste e depois pensar o que será possível fazer com ele. Para funcionar, a transposição do rio precisa de mais investimento. Além disso, durante o período em que a obra ficou parada, os canais construídos se arrebentaram e terão de ser refeitos. Portanto, essa é a estratégia das elites do Nordeste: criam um projeto de desenvolvimento para se apropriarem de recursos públicos”.

Segundo Abner, “o mal menor seria terminar logo a transposição do rio para mostrar que a obra não tem nada a ver com o desenvolvimento do Nordeste, que não foi feita para acabar com o carro-pipa, que não vai servir para nada. Assim, ao menos ela ficaria exposta como um monumento para denunciar a indústria da seca. O problema é que, enquanto a obra estiver sendo construída, não será possível discutir um projeto específico e alternativo para o Nordeste”. Porém, o professor considera que “a indústria da seca não tem interesse que essa obra seja concluída, porque, quando ela for concluída, a indústria da seca será desmascarada”.
Além de alimentar a indústria da seca, a transposição quando pronta, ou parcialmente pronta, beneficiará o agronegócio ou o hidronegócio.

“Essa história de associar a transposição com a seca é a maior fraude que existe. O projeto é para (…) uso econômico. Na verdade, a água da transposição será utilizada para consumo industrial (na região litoral e metropolitana) e para consumo agrícola”, diz João Abner na entrevista.

Críticas do movimento social se confirmam

As principais críticas ao projeto feitas desde 2005 vão se confirmando. Rubens Siqueira lembra e enumera as denúncias feitas pelo movimento social, pesquisadores e especialistas que estão se comprovando:

1. A obra seria muito mais cara que o previsto: de 5 bilhões iniciais já estão reajustadas em 6,8 bilhões, um aditivo de 1,8 bilhões, 36% em média. Há lotes ainda não re-licitados, o que vai onerar ainda mais o preço final.

2. Não atenderia a população mais necessitada: efetivamente, não pôs uma gota d’água para nenhum necessitado; antes desmantelou a produção agrícola local por onde passou.

3. O custo da água seria inviável: hoje o governo reconhece que o metro cúbico valerá cerca de R$ 0,13 (poderá ser ainda bem maior), seis vezes maior que às margens do São Francisco, onde muitos irrigantes estão inadimplentes por dívidas com os sistemas de água. Para ser economicamente viável, este preço terá que ser subsidiado, e é certo que o povo pagará a conta;

4. Impactaria comunidades indígenas e quilombolas: comunidades quilombolas impactadas são 50 e povos indígenas nove. As demarcações de seus territórios foram emperradas, patrimônios destruídos. No caso dos Truká, em Cabrobó – PE, em cuja área o Exército iniciou o Eixo Norte, o território já identificado é demarcado se aceitarem as obras. No caso dos Tumbalalá, em Curaçá e Abaré – BA, na outra margem, se aceitarem a barragem de Pedra Branca. Ainda não foi demarcado pela FUNAI o território Pipipã e concluído o processo Kambiwá, a serem cortados pelos futuros canais, ao pé da Serra Negra, em Pernambuco, monumento natural e sagrado de vários povos. Muitas destas comunidades resistem. Em Serra Negra povoado e assentamento de reforma agrária não admitem as obras em seu espaço.

5. Destruiria o meio ambiente: grandes porções da caatinga foram desmatadas. Inventário florestal levantou mais de mil espécies vegetais somente no Eixo Leste.

6. Empregos precários e temporários: como sintetizou o cacique Neguinho Truká, “os empregos foram temporários, os problemas são permanentes”. Em Cabrobó, nada restou da prometida dinamização econômica, só decepção e revolta. Nas cidades por onde a obra passou ficou um rastro de comércio desorientado, casas vazias, gente desempregada, adolescentes grávidas…

7. Arrastadas no tempo, a obra se presta a “transpor” votos e recursos: não debela, antes realimenta a “indústria política da seca”. Nova precisão de data para conclusão: 2014! Vem mais uma eleição aí, em 2012, outra em 2014…

8. Faltam duas das consequências graves a serem totalmente comprovadas, que só teremos certeza se a obra chegar ao fim: vai impactar ainda mais o rio São Francisco e não vai levar água para os necessitados do Nordeste Setentrional. Enfim, a Transposição é para o agro-hidronegócio e pólos industriais do Pecém (CE) e Suape (PE).”

“Está provado que a transposição do rio São Francisco é uma obra que não serve para o Nordeste. Quer dizer, tudo o que se falou anteriormente está sendo comprovado na prática”, comenta João Abner, concordando com o diagnóstico do movimento social.

O principal e mais forte argumento do governo, de que a obra garantiria a segurança hídrica na região semi-árida a 12 milhões de pessoas virou uma falácia. Segundo João Abner, “existem dois discursos: de que a água seria usada para consumo humano e para uso econômico. Mas a primeira fraude diz respeito ao beneficiamento de 12 milhões de pessoas. Nós fizemos um levantamento das populações que possivelmente serão atendidas pelos sistemas adutores, que captam a água das bacias que receberão a água da transposição do rio São Francisco, e contabilizamos três milhões de pessoas”.

“A outra mentira, diz ele, é que essa água não irá perenizar rios secos. Essa água só será despejada na cabeceira dos dois maiores rios do Nordeste, ou seja, será despejada fora do rio São Francisco e do Parnaíba, que é onde se concentram 70% das reservas típicas da região”. “Então, essa história de associar a transposição com a seca é a maior fraude que existe”.

As sucessivas denúncias de que as obras da transposição estavam abandonadas levaram recentemente Dilma Rousseff à região. Para os integrantes da CPT em Floresta/PE, a visita da presidenta Dilma foi uma tentativa estratégica de dar resposta às inúmeras críticas feitas ao megaprojeto e de provocar uma comoção nacional de que a obra não estava abandonada. Foi logo após a visita de Dilma à região que uma série de novas licitações começaram a serem elaboradas e os custos da obra explodiram.

Desde 2005, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, através do seu sítio, da revista IHU On-Line e publicações especiais como os Cadernos IHU, deu espaço e voz a inúmeros estudiosos e lideranças sociais sobre a análise do caráter e natureza da obra. Em centenas de reportagens, artigos e entrevistas, o IHU contribuiu para o debate da polêmica da transposição. Destacamos aqui a publicação Cadernos IHU em formação – A transposição do Rio São Francisco em debate publicada em 2008 que condensou amplo material sobre o tema.

Desde o anúncio da obra, somamo-nos às inúmeras vozes para alertar sobre o equívoco da transposição do Rio São Francisco. Em 2005, o IHU publicava a Revista IHU On-Line edição 159 – Salvar o Velho Chico: uma luta que se revitaliza. À época, muitos contestaram o porque de tanto espaço a um tema regional, ou mesmo não compreenderam e criticaram a postura do IHU de contestação ao projeto – símbolo de uma nova Era no país, a do modelo neodesenvolvimentista capitaneado por Lula. Passados mais de seis anos, como diz dom Cappio, “o tempo mostra a verdade de todas as coisas”.

Violações persistem em megaobras

Não é apenas a transposição do Rio São Francisco que tem dado dores de cabeça ao governo. Ao longo da semana, uma série de outros megaprojetos enfrentaram problemas. As maiores obras do país, as quatro principais hidrelétricas planejadas pelo governo na Amazônia – valores estimado em R$ 56,6 bilhões – estão com projetos paralisados.

Operários dos dois principais canteiros de Belo Monte, no rio Xingu (PA), interromperam atividades. No rio Madeira (RO), as usinas de Jirau e de Santo Antônio enfrentam greves faz poucos dias a usina de Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará, teve obras suspensas pela Justiça Federal.

Em Belo Monte, os cerca de cinco mil trabalhadores do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da terceira maior hidrelétrica do mundo, entraram em greve geral na quinta-feira, dia 29 de março. As reivindicações são aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos trabalhadores a suas famílias) de 6 pra 3 meses, o não-rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e água.

A paralisação começou no canteiro de obras do Sítio Pimental, após um acidente de trabalho que matou o operador de motosserra Francisco Orlando Rodrigo Lopes, de Altamira. A saída dos ônibus do perímetro urbano de Altamira para os canteiros de obra, em Vitória do Xingu, foram bloqueadas.

Em Rondonia, a greve começou no dia 10 de março, com cerca de 16 mil trabalhadores que constroem a Usina Jirau, no rio Madeira, e ganharam no dia 21 de março, o apoio de parte dos funcionários da Usina de Santo Antônio, no mesmo rio, que também pararam momentaneamente as atividades.

Em Jirau, os operários resolveram suspender as atividades por conta das precárias condições no canteiro administrado pela empresa. “A estrutura do alojamento não dá conta da quantidade de operários. Falta desde banheiro até área de lazer, algo muito grave se levarmos em conta que os trabalhadores estão em uma área remota dentro da floresta amazônica”, comentou Cláudio Gomes, presidente da Confederação dos Trabalhadores na Indústria da Construção e Madeira (Conticom).

O dirigente comenta ainda que acordos como o reajuste do vale alimentação não foram cumpridos. A categoria, cuja data-base é em maio, cobra o reajuste de 20% dos salários, o aumento do vale-alimentação para R$ 510 e o pagamento de 100% de todas as horas extras. Atualmente, o valor equivale a 70% nos dias normais e 100% em domingos e feriados.

No canteiro da usina de Santo Antônio, o clima ficou pesado com a pressão da Camargo Correa e da Odebrecht para que Força Nacional assuma o canteiro. O mesmo pedido foi reiterado pelo governo de Rondônia, com uma agravante, o governo do Estado pediu a presença do Exército.

As empreiteiras e o governo do Estado temem o fantasma da Rebelião de Jirau.

A retomada das greves nos grandes canteiros é uma derrota do governo após o acordo denominado de Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção. O acordo foi apresentado pela presidente Dilma Rousseff no começo do mês de março como um “novo paradigma” nas relações entre trabalhadores, empresários e governo, porém não provocou até agora mudanças significativas no setor.

Além da presença permanente de representantes sindicais para a “resolução imediata de questões envolvendo patrões e empregados, favorecendo a produtividade e o bom andamento das obras” – conforme comunicado da Secretaria-Geral da Presidência da República, o acordo prevê a criação de uma Mesa Nacional Tripartite Permanente para a Melhoria das Condições de Trabalho, reunindo autoridades, empresários e trabalhadores.

A estratégia não tem, porém, dado os resultados esperados. Em Jirau, a tentativa de ampliar o diálogo fracassou e os próprios representantes dos sindicatos que tentaram intermediar as negociações acabaram vaiados pelos trabalhadores. Na realidade, o acordo é visto com reservas mesmo pelos sindicalistas que participaram da negociação.

Um dos principais articuladores do acordo é José Lopez Feijóo – ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e agora, assessor da secretaria geral da Presidência da República, da qual é ministro Gilberto Carvalho. Segundo ele, foram os seguidos problemas nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira nos últimos anos que fizeram o governo se preocupar em articular um acordo voltado para as grandes obras. “Há enormes investimentos em obras de energia e infraestrutura, e mesmo em infraestrutura social como o [programa] Minha Casa, Minha Vida. O que aconteceu em Santo Antônio e Jirau nos chamou a atenção para a necessidade de um acordo”, diz, referindo-se à revolta de trabalhadores em março de 2011.

De acordo com ele, o compromisso tem, conforme a presidente Dilma anunciou, potencial para gerar mudanças significativas. “Serão cumpridos direitos constitucionais que hoje praticamente ninguém exerce. No acordo fica claro, por exemplo, que o trabalhador não pode ser demitido se recusar a exercer algo que coloca em risco saúde. Na medida em que adere a um acordo, a empresa assume um compromisso público que vai ter que cumprir. E o sindicato passa a contar com mais um instrumento que não tinha anteriormente”.

O fato é que até o momento o acordo não chegou efetivamente nas grandes obras. Mesmo com o acordo, greves e violações persistem nos megaprojetos. O cenário para o governo é preocupante, considerando-se ainda o andamento das obras da Copa do Mundo.

Fonte: EcoDebete/publicado pela IHU On-line