sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Estudo indica que Zika vírus está cada vez mais eficiente para infectar humanos

Por Karina Toledo - Agência Fapesp

Durante o caminho que percorreu do continente africano até a América – passando pela Ásia e cruzando o oceano Pacífico –,  o Zika vírus (ZIKV) passou por um processo de adaptação ao organismo humano, adquirindo certas características genéticas que tornaram cada vez mais eficiente sua replicação nas células do novo hospedeiro.
A conclusão é de um estudo divulgado no site bioRxiv (pronuncia-se "bio-archive") por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Institut Pasteur de Dakar, no Senegal, que chamam a esse processo adaptativo do vírus de “processo de humanização”.
"O ZIKV é um agente zoonótico africano que infecta principalmente macacos e mosquitos. Estudos anteriores sugerem que teriam ocorrido casos esporádicos de infecção em humanos no passado e o vírus teria saído da África por volta da segunda metade do século 20. Em 2007 ele causou um primeiro surto em humanos e parece ter havido um processo concomitante de adaptação pelo qual o código genético do vírus passou a mimetizar os genes humanos mais expressos para produzir em maior quantidade proteínas que tornam eficiente sua replicação no novo hospedeiro”, contou Paolo Marinho de Andrade Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coautor do artigo.
Entre os genes que o ZIKV passou a mimetizar de forma mais evidente destaca-se o da proteína NS1, cujo papel é modular a interação entre o vírus e o sistema imunológico humano.
“A NS1, produzida em grande quantidade, funciona como um sistema de camuflagem para flavivírus, como o vírus da dengue, de quem o ZIKV é o parente mais próximo. Ela deixa o sistema imunológico desorientado. É o mesmo princípio usado por aviões de guerra ao liberar pequenos fogos para despistar os mísseis guiados pelo calor da turbina”, explicou Zanotto.
Os resultados da pesquisa mostram ainda que o chamado “valor adaptativo” da espécie (fitness) – que é capacidade de sobreviver e gerar uma progênie também capaz de sobreviver e de se reproduzir – cai drasticamente por volta do ano 2000, quando estaria ocorrendo forte seleção possivelmente associada ao processo de tráfego entre espécies. A partir desse ponto, o fitness do Zika vírus passa a crescer exponencialmente. Os gráficos do artigo sugerem que o patógeno já se tornou tão (ou mais) eficiente para sobreviver e se reproduzir em humanos quanto era antes em macacos.
A investigação foi conduzida com apoio da FAPESP durante o doutorado de Caio César de Melo Freire, sob a orientação de Zanotto.
O grupo analisou dados de 17 sequenciamentos completos do genoma viral – que continham informação sobre o ano e o local em que o vírus foi isolado – depositados no GenBank, um banco público mantido pelo National Center for Biotechnology Information (NCBI), nos Estados Unidos.
Com base nessas análises e também em um trabalho anterior do grupo, publicado em 2014 na revista PLoS Neglected Tropical Diseases, foi possível determinar o caminho percorrido pelas linhagens africanas e asiáticas e também as alterações genéticas sofridas no percurso.
Conforme explicam os autores no artigo mais recente, a linhagem africana ainda infecta predominantemente macacos e mosquitos do gênero Aedes. Já a linhagem asiática está se espalhando por meio de uma cadeia de transmissão entre humanos nas ilhas do Pacífico e na América do Sul.
Além da picada do mosquito, os cientistas apontam as relações sexuais e as infecções perinatais como rotas alternativas de transmissão.
O primeiro surto significativo conhecido em humanos, causado pela linhagem asiática em 2007, ocorreu nos Estados Federados da Micronésia. Entre 2013 e 2014 o vírus emergiu novamente e causou uma significante epidemia na Polinésia Francesa, espalhando-se pela Oceania e chegando à América pela Ilha de Páscoa, no Chile, em 2014. Agora, em 2015, já foi reportado em pelo menos 14 estados brasileiros, a maioria na Região Nordeste, e também em outros países da América do Sul.
“As análises feitas com base em dados genéticos sugerem que o vírus está se tornando mais eficiente para produzir suas proteínas em humanos, mas agora precisamos confirmar essa hipótese com ensaios in vitro, colocando linhagens africanas e asiáticas em culturas de células humanas para estabelecer comparações”, comentou Zanotto.
O pesquisador também está organizando uma parceria com cerca de 25 laboratórios de diferentes regiões do Estado de São Paulo para monitorar como está sendo o espalhamento do vírus na região. Várias unidades dessa rede vão trabalhar diretamente na questão das malformações cerebrais congênitas em associação com serviços de neonatologia.
“Estamos ajustando protocolos comuns para identificar, caracterizar e isolar o vírus. Dada a experiência de nossos colegas na África, o isolamento do vírus em humanos pode apresentar problemas e provavelmente teremos de isolar também de mosquitos. Também pretendemos somar esforços no desenvolvimento da expressão de proteínas virais para facilitar a detecção da doença e estamos articulando ações conjuntas e trocando informações diariamente grupos internacionais. Será uma tarefa pesada, mas não temos outra opção, uma vez que o vírus parece de fato estar envolvido nos casos de microcefalia”, disse Zanotto.
Na última terça-feira (01/12), a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta mundial reconhecendo a relação entre a epidemia de Zika vírus e o crescimento dos casos de microcefalia e da síndrome Guillain-Barré no Brasil. No documento, a OMS recomendou que seus mais de 140 países-membros reforcem a vigilância para o eventual crescimento de infecções, sugeriu o isolamento dos pacientes e disse para as nações ficarem atentas à necessidade de se ampliar o atendimento de serviços neurológicos e de cuidados específicos a recém-nascidos.
“Recebemos de nossos colegas do Institut Pasteur, há alguns dias uma notificação do Serviço de Vigilância Sanitária em Papeete, na Polinésia Francesa, dizendo que após reavaliar os dados relacionados a crianças gestadas durante o surto local de ZIKV em 2014 e 2015 foram encontrados 12 casos de mulheres que tiveram filhos com complicações neurológicas sérias. Destas, quatro foram testadas e apresentaram anticorpos contra ZIKV, mas nehuma manifestou sintomas da doença durante a gravidez”, contou Zanotto.
De acordo com o pesquisador, é preciso investigar se há uma interação entre o vírus da dengue e o ZIKV no desenvolvimento da microcefalia. “É possível que o vírus da dengue – por ser muito comum nessas regiões – seja apenas um fator de confusão”, avaliou.
Além de causar sintomas parecidos, explicou Zanotto, os vírus da dengue e Zika são muitos próximos filogeneticamente. No estudo mais recente, o grupo mostrou que ambos compartilham pedaços da proteína NS1 considerados epítopos, ou seja, que são capazes de serem reconhecidos pelos anticorpos humanos.

Onda de rejeitos da Samarco atingiu 663 km de rios e devastou 1.469 hectares de terras

A catástrofe socioambiental provocada pelo rompimento de barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), no último dia 5/11, atingiu 663 km de rios, com a destruição de 1.469 hectares de terras, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP), aponta laudo técnico preliminar do Ibama. No distrito de Bento Rodrigues, 207 das 251 edificações (82%) foram soterradas.

Os rejeitos de mineração formaram uma onda de lama que afetou diretamente 663 km no Rio Doce e seus afluentes, chegando ao oceano em 21/11, no município de Linhares, no Espírito Santo. A destruição de Áreas de Preservação Permanente ocorreu no trecho de 77 quilômetros de cursos d’água da barragem de Fundão até o Rio do Carmo, em São Sebastião do Soberbo (MG). Os impactos no ambiente marinho ainda estão em curso e não foram avaliados neste relatório.
O volume total da barragem era de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração de ferro, e pelo menos 34 milhões de m³ foram lançados no meio ambiente. “É indiscutível que o rompimento da barragem de Fundão trouxe consequências ambientais e sociais graves e onerosas, em escala regional, devido a um desastre que atingiu 663,2 km de corpos d´água nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, além de impactos ao estuário do Rio Doce e à região costeira”, aponta o laudo. “O nível de impacto foi tão profundo e perverso, ao longo de diversos estratos ecológicos, que é impossível estimar um prazo de retorno da fauna ao local, visando o reequilíbrio das espécies na bacia.”
 Das mais de 80 espécies de peixes apontadas como nativas da bacia antes da tragédia, 11 são classificadas como ameaçadas de extinção e 12 são endêmicas do Rio Doce – ou seja, existiam apenas lá. “A mortalidade instantânea é apenas um dos impactos aos organismos aquáticos”, apontam os técnicos. “Muito mais do que os organismos em si, os processos ecológicos responsáveis por produzir e sustentar a riqueza e a diversidade do Rio Doce foram afetados.”
Laudos técnicos do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre os impactos decorrentes do rompimento da barragem da Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP, subsidiaram a Ação Civil Pública ajuizada nesta segunda-feira (30/11) pela Advocacia-Geral da União (AGU) em conjunto com os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais. O objetivo é que as empresas sejam condenadas a destinar pelo menos R$ 20,2 bilhões para reparação dos danos ambientais e indenização das comunidades atingidas.
Foram constatados danos ambientais e sociais diretos, tais como morte e desaparecimento de pessoas; isolamento de áreas habitadas; desalojamento de comunidades pela destruição de moradias e estruturas urbanas; fragmentação de habitats; destruição de áreas de preservação permanente e vegetação nativa; mortandade de animais de produção e impacto à produção rural e ao turismo, com interrupção de receita econômica; restrições à pesca; mortandade de animais domésticos; mortandade de fauna silvestre; dizimação de ictiofauna silvestre em período de defeso; dificuldade de geração de energia elétrica pelas hidrelétricas atingidas; alteração na qualidade e quantidade de água, bem como a suspensão de seus usos para as populações e a fauna, como abastecimento e dessedentação; além da sensação de perigo e desamparo da população em diversos níveis.
De acordo com o documento, a força do volume lançado com o rompimento da barragem pode ter revolvido e colocado novamente em suspensão os sedimentos de fundo dos rios afetados, que pelo histórico de uso já continham metais pesados.
As medidas para reparação dos danos à vegetação e dos impactos à fauna, à qualidade da água e socioeconômicos, entre outros, deverão ser realizadas por pelo menos dez anos, avaliam os técnicos do Ibama. “Cabe ressaltar que os impactos ambientais não se limitam aos danos diretos, devendo ser considerado que o meio ambiente é um sistema complexo, no qual diversas variáveis se interrelacionam, especialmente no contexto de uma bacia hidrográfica, sendo que as medidas de reparação dos danos, tangíveis e intangíveis, quando viáveis, terão execução a médio e longo prazo, compreendendo neste caso pelo menos dez anos.”
O cálculo da área atingida foi realizado com imagens do satélite Landsat8. A avaliação do Centro de Sensoriamento Remoto vai embasar novo auto de infração contra a mineradora. No último dia 12/11, o Ibama aplicou cinco multas preliminares no valor de R$ 50 milhões cada, o máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais, que está sem reajuste há 17 anos. Ainda não foram mapeadas as edificações atingidas nos demais trechos além de Bento Rodrigues, como Paracatu de Baixo e Barra Longa.
A bacia do Rio Doce ocupa área total de 82.646 quilômetros quadrados, duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro. A área atingida pela lama foi delimitada na imagem do satélite Landsat de 12/11, sete dias após o rompimento da barragem. Todos os dados foram gerados com o Sistema de Coordenadas SIRGAS 2000, segundo o padrão estabelecido pelo IBGE.
O laudo técnico preliminar foi apresentado pela presidente do Ibama, Marilene Ramos, durante reunião extraordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, em Governador Valadares (MG).

Informações do Ibama, in EcoDebate.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Velho Chico está cansado e não tem forças para chegar até o mar.


Por Júlio Ottoboni*
O ‘Velho Chico’ está cansado e não tem forças para caminhar até o Atlântico. As águas salobras do mar já invadiram sua calha 24 quilômetros adentro, exatos 10% do trecho final com maior oferta de turismo sustentável e que tem colocado a região como o terceiro maior fluxo turístico de Alagoas. Há três anos a situação se complicou de vez, a estiagem e o desmatamento ao longo de se seus trechos mais altos no Sudeste reduziram drasticamente a vazão do rio.
A denúncia da agonia do baixo São Francisco surgiu no 1º Seminário Internacional de Turismo Caminhos de São Francisco, ocorrido no começo deste mês, e promovido pelo Instituto Ambiental Brasileiro de Sustentabilidade (IABS), na cidade de Piranhas, em Alagoas. E foi feita para a secretária estadual de desenvolvimento econômico e turismo, Jeanine Pires.
“A água do mar entrou e o rio está azulado, na foz em Piaçabuçu estamos com dificuldades para ter água doce. Já tem tubarão, tartaruga marinha e outras espécies que só tem no mar. O pilombeta que é um peixe comum neste trecho do rio está desaparecendo”, alertou o ambientalista e integrante da Associação Olha o Chico, de Piaçabuçu, Jasiel Martins.
O peixe símbolo, o surubim, que tem uma enorme escultura na praça central de Piranhas, está ameaçado de extinção e praticamente sumiu do rio. A situação era de conhecimento do governo de Alagoas, que tem investido pesadamente no projeto Caminhos do São Francisco, com a grande alternativa turística sustentável e modelo para o país.
“ A questão da crise hídrica não é só o Estado eu irá resolver, os pescadores tem alertado para a questão do rio. Só vejo uma solução se for global, precisamos cumprir as metas estabelecidas em acordos internacionais tanto pelo governo federal como pelos Estados”, comentou Jeanine Pires.
Uma rede de empresários do segmento turístico tem buscado fazer sua parte, pois sabem que o Rio São Francisco é o grande maestro na regência deste novo momento para a economia regional. No hotel Pedra do Sino,  em Piranhas, o proprietário Francisco de Assis Clemente, já fez tubulações independentes para captar a água dos quartos, inclusive do ar condicionado, para reaproveitamento. Também tem buscado saídas no uso de energia solar e na captação da água da chuva.  “Temos que manter o foco na sustentabilidade”, afirmou.
A consciência preservacionista vai desde a conservação dos casarios históricos das 12 cidades do eixo do programa Caminhos do São Francisco até um processo de resistência cultural. O empresário Flávio Ferraz, dono da Pousada Velho Chico, chegou como turismo do Recife e acabou ficando e empreendendo em Piranhas. E a pegada ambiental é hoje fundamental para a sobrevivência de seu negócio.
“Eu optei pelo turismo de esporte e de aventura. Os meus clientes tem essa consciência, usamos aqui reaproveitamento da água e energia solar, além da fossa verde. Seja na área dos quartos ou no espaço do camping. O que preocupa é ver o rio nesta condição, tem lugar que já temos que sair do caiaque e levar a embarcação no braço até outro ponto para continuar a navegação”, falava com ar sério, mesmo quando brincava com seu cão, de nome Chicão.
Fonte: Envolverde
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente. 

sábado, 5 de dezembro de 2015

Homem, o maior dos parasitas planetário


Por Júlio Ottoboni*
Enquanto o planeta agoniza para o ser humano e se torna cada vez mais ameaçado de não comportar  a sobrevivência de diversas outras espécies, os entraves da Cop21 só reforçam a percepção que vivemos sob a influência de um autismo que desconectou complemente o homem da realidade planetária. Tratam os problemas globais sob a ótica separatista, excludente, territorialista e norteada pelo poder e interesses econômicos
O sistema projetado para vivermos no que denominamos de Terra é o reflexo de nossa própria estupidez, arrogância e soberba.
Aos governantes mundiais presentes no encontro de Paris, bastaria dizer que o analfabetismo ambiental não pode ser confundido com ganância e mentira. Criar uma nova cortina – literalmente – de fumaça para esconder as obrigações que seus governos têm com as grandes corporações econômicas e financeiras, com um modelo de desenvolvimento absolutamente insustentável só acelerará o processo de autodestruição.
Essa postura adotada é o mesmo que decretar a extinção em massa da vida por ação antrópica, o último ato de uma espécie que acredita ser superior às outras e compreende ser sua existência mais valiosa que a de outros seres viventes.
O planeta é um só, seja em seu clima, em suas porções de terra e seus oceanos. Na verdade, essa terceira rocha a partir do Sol continuará sua trajetória, seja no tal ‘cinturão verde’ com ou sem o homem sobre ou sob sua superfície. O rumo cósmico não pode ser definido pelas vontades humanas e nem de seus deuses. O planeta seguirá em sua evolução permanente.
A política se mostra a arte da enganação, do cinismo e da hipocrisia. Particularizar a discussão ambiental sobre quem financiará a suspensão do suicídio coletivo ou datar ações emergenciais para 20 ou 30 anos é dar mais fôlego a um sistema econômico falido, autofágico e, crucialmente, ecocida. Mas tal sistema, como um alienado agressivo, também não terá escapatória. O tempo e as consequências serão, no resultado final, o mesmo para todos.
Nesta alucinação geral sobram culpados sobre procedimentos criados pelo próprio homem. Responsabilizam as emissões dos combustíveis fósseis, das queimadas e desmatamento de florestas, da falta de água doce, desertificação, poluição em diversos níveis e formas, aumento da temperatura troposférica entre outros aspectos. Mas nunca se toca diretamente no problema, que é a falta de uma visão holística, planetária, sem fronteiras geopolíticas, algo que abranja e corrija o todo e altere uma rota de comportamento diretamente relacionado ao modo de vida e consumo.
Mas somos uma espécie introjetada, mergulhada profundamente em sua dissociação com o meio natural. Criamos um Deus a nossa própria imagem e semelhança e nos devotamos a ele. O homem é devoto do homem. Por isso um Deus bipolar, hora vingativo, vaidoso, predador e  num outro instante compreensivo, afetivo e pacificador.
No livro do Gênesis, na Bíblia judaica, que contempla elementos de outros livros sagrados, surge a origem de boa parte da linha condutora do raciocínio e comportamento do senso comum. Então disse Deus: “Cubra-se a terra de vegetação: plantas que deem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espécies”. E assim foi. A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão sementes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem sementes de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom.
Momentos mais tarde, no quarto dia: Disse também Deus: “Encham-se as águas de seres vivos, e voem as aves sobre a terra, sob o firmamento do céu”. Assim Deus criou os grandes animais aquáticos e os demais seres vivos que povoam as águas, de acordo com as suas espécies; e todas as aves, de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então Deus os abençoou, dizendo: ”Sejam férteis e multipliquem-se! Encham as águas dos mares! E multipliquem-se as aves na terra”.
No quinto dia: “E disse Deus: Produza a terra seres vivos de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos, animais selvagens e os demais seres vivos da terra, cada um de acordo com a sua espécie”. E assim foi. Deus fez os animais selvagens de acordo com as suas espécies, os rebanhos domésticos de acordo com as suas espécies, e os demais seres vivos da terra de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom.
Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele (homem) sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”.
O ditado popular nunca foi tão correto, o que é dado de graça não tem valor. Como o astrofísico Neil Degrasse Tyson diz: “Não há barreiras científica e tecnológica para se proteger o planeta, mas sim o que realmente valorizamos”.
No universo paralelo da realidade, onde só habita o homem, o planeta real pouco interessa. Ele não se dá conta que o ‘homem é o lobo do homem’, citação suprema do livro Leviatã, publicado em meados do século 17,  pelo filósofo inglês Thomas Hobbes. Isso significa que o homem é o maior inimigo do próprio homem. Uma analogia sobre os lobos, que famintos na Pequena Idade do Gelo, compreendida entre os meados da Idade Média e até o início da Revolução Industrial, atacavam as aldeias e devoravam as pessoas.
Deixamos de ser caça para ser um voraz predador, despertando um instinto adormecido. E não isso apenas, mas de aniquilador, que subjugar todas as coisas.
A sexta maior extinção já está em curso. A água doce está cada vez em menor disponibilidade, apesar de há três bilhões de anos não ter entrado ou saída sequer um litro da crosta terrestre. A Era geológica do Cenozoico, dentro do período Quaternário, época do Holoceno deu espaço ao Antropoceno. Ou seja, o homem como fator de alteração do curso natural do planeta e causador de uma nova extinção em massa, a sexta em nossos registros.
A Terra entrou em um novo período de extinção em massa, segundo estudos feitos por três universidades americanas. A pesquisa desenvolvida por cientistas das universidades de Stanford, Princeton e Berkeley, mostra que os vertebrados estão desaparecendo a uma taxa 114 vezes mais rápida que o normal. Essa é a confirmação dos resultados da publicação da Universidade de Duke, ocorrida no ano passado.
O homem se multiplica a taxas insuportáveis para a própria natureza planetária. Ele próprio sequer conseguiu conceituar sua própria infestação sobre o corpo planetário, como parasitas em um hospedeiro. Bastaria avaliar os números de sua proliferação como espécie no reino animal (algo que ele também não se compreende como parte integrante). Em 1812 havia um bilhão de pessoas no planeta, em 1912 cerca de 1,5 bilhão e em 2012 atingimos a marca de sete bilhões, inclusive com comemorações.
Para o cientista inglês e criador da Hipótese de Gaia, James Lovelook,  o planeta só suporta a manutenção de 2,3 bilhões de seres humanos.  A ideia que tinha originalmente a denominação de Hipótese de Resposta da Terra apresenta o planeta como ser vivo. Hoje, no meio científico há os que lhe dão a condição de teoria, algo além de uma mera hipótese.
Resta uma conclusão, o homem é uma espécie deslocada da natureza, insana, um projeto capaz de construir e destruir coisas magnificas para sua compreensão, mas incapaz de se reconciliar com o tempo planetário.
A Cop 21 mostra que estamos mais para parasitas, que preferem matar o hospedeiro, que render-se a ele numa convivência mútua. Como diria o naturalista inglês e premiado jornalista da BBC, David Attenborough: “Somos muito mais filhos de desastres naturais que da própria evolução natural”.
E assim, como surgimos nos destruiremos, num grande desastre natural. Numa reação de Gaia contra os parasitas que insistem em inflamar seu dorso de água, terra e ar. (#Envolverde)
Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.