segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A crise da água e as perspectivas futuras


O ano de 2014 no Brasil foi marcado, dentre outras coisas, pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos limites do Norte e do Nordeste do País, a seca chegou ao Sudeste e região.
Fruto da ausência de chuvas, possivelmente associada às mudanças climáticas, outros fatores também contribuíram para a terrível (e ainda não solucionada) situação a que chegamos. A falta de cuidado com a vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como uma das causas do problema, na medida em que a devastação das áreas circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.
Por isso, a contundente crítica dirigida ao Novo Código Florestal quando, no particular, reduz os limites de proteção da mata ciliar, já que a faixa de Área de Preservação Permanente (APP) passa a ter a metragem contada a partir da “borda da calha do leito regular” do rio – e não mais do seu “nível mais alto”, como outrora – deixando desguarnecidas áreas alagadiças que exercem importantes funções ambientais.
De todo modo, mesmo no regime florestal anterior, as dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental no Brasil sempre foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do mundo, o qual, contudo, carece de efetividade.
A cultura que se desenvolveu no país nunca foi a da preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos a propriamente prevenir para que aqueles não acontecessem. No caso dos recursos hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservar os mananciais para não ter que investir em saneamento. O resultado é conhecido: o povo daquele Estado americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor qualidade do planeta.
No Brasil, contudo, a preocupação com a água nunca foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a poucas iniciativas aqui e acolá, a regra sempre foi a poluição dos elementos hídricos. Desnecessário citar exemplos, infelizmente.
Por outro lado, é incontestável que os instrumentos de comando e controle, tão enaltecidos por muitos, não tiveram o condão de diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente. Não fosse assim, o Código Florestal anterior, aliado a uma série de outras normas legais (Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei da Mata Atlântica, etc.) teria sido responsável pela redução do desmatamento. Não foi, contudo, o que aconteceu.
Logo, torna-se necessário partir-se para uma nova era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na recompensa daqueles que realizam serviços ambientais.
A lógica é simples: em vez de simplesmente punir aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz – remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou no Brasil. Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do “protetor-recebedor”.
Iniciativas como essas vão desde a remuneração financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica (IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientalmente sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), estímulo à comercialização de créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental, entre outros.
Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a sustentabilidade.
Já está mais do que na hora de se reconhecer que a proteção do meio ambiente não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode se tornar uma grande oportunidade para se obter recompensas financeiras efetivas, ao mesmo tempo em que se contribui para a melhoria da qualidade ambiental das presentes e futuras gerações.
Marcelo Buzaglo Dantas é advogado, pós-doutor em Direito, consultor jurídico na área ambiental e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Fonte: Envolverde

15 cientistas divulgam carta aberta sobre a crise hídrica no Sudeste

Quinze renomados cientistas brasileiros de várias áreas – engenharia, ecologia, biologia aquática, climatologia, hidrologia e mudanças climáticas – especializados em recursos hídricos, lançaram, no dia 16 de dezembro, a “Carta de São Paulo”, um documento com análises e recomendações sobre como enfrentar a grave crise hídrica no Sudeste.

A iniciativa foi endossada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e teve a coordenação geral do biólogo e oceanógrafo José Galizia Tundisi. Entre os signatários estão José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); Carlos Afonso Nobre, climatologista do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Luiz Pinguelli Rosa, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, entre outros. Também houve a contribuição de promotores do Ministério Público do Estado de São Paulo.

De acordo com o documento, os cientistas constataram que há uma ameaça real à segurança hídrica no Sudeste. "São fortíssimos os indícios de que há uma mudança climática em curso, evidenciada pelas análises de séries históricas de dados climáticos e hidrológicos e projeções de modelos climáticos, com consequências na reservação de água e em todo o planejamento da gestão dos recursos hídricos. Estas mudanças climáticas não são apenas pontuais. Há indicações e fatos que apontam para sua possível continuidade, configurando uma ameaça à segurança hídrica da população da região Sudeste, especialmente da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), do interior de Minas Gerais e do Estado do Rio de Janeiro, de modo que todos devem estar preparados para eventos climáticos, cada vez mais extremos", diz um trecho da Carta.

Os cientistas também apontaram outro grave problema: ar, água e solo poluídos comprometem os usos múltiplos dos recursos hídricos. "A crise hídrica, influenciada pelas alterações climáticas e hidrológicas, é agravada pelas mudanças no uso do solo, pela urbanização intensa, pelo desmatamento em regiões de mananciais e, principalmente, pela falta de saneamento básico e tratamento de esgotos, aumentando a vulnerabilidade da biota terrestre e aquática e das populações humanas", diz o trecho do documento.

O texto também fala que a escassez de água no estado paulista já compromete a economia, saúde pública e produção de alimentos e energia.

A “Carta de São Paulo” recomenda 10 ações às autoridades municipais, estaduais e federais:

- Modificações imediatas no sistema de governança de recursos hídricos;
- Implementação de planos de contingência;
- Drástica redução do consumo de água e outras medidas emergenciais para 2015;
- Investimento imediato em medidas de longo prazo;
- Projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos em nível nacional, estadual e municipal;
- Monitoramento de quantidade e qualidade da água;
- Proteção, conservação e recuperação da biodiversidade;
- Reconhecimento público e conscientização social da amplitude da crise;
- Ações de divulgação e informação de amplo espectro e
- Capacitação de gestores com visão sistêmica e interdisciplinar.

Fonte: Instituto Akatu e site www.akatu.org.br.