quinta-feira, 16 de setembro de 2010

TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO PARA O SERTÃO ALAGOANO

Por Paulo Afonso da Mata Machado

O semi-árido brasileiro, uma região de elevadas temperaturas, abriga uma população de cerca de 20 milhões de habitantes. A precipitação pluviométrica anual oscila entre 400 e 800 mm, mas se concentra nos meses do chamado inverno, tornando necessário o armazenamento da água de chuva. A infra-estrutura de armazenamento de água do semi-árido dispõe de mais de 36 bilhões de metros cúbicos. Contudo, devido ao regime de concentração de chuvas, são grandes as perdas por vertimento e, durante o longo período de escassez pluviométrica, as perdas por evaporação são muito maiores.

Uma opção ao armazenamento de água de chuva têm sido as águas de superfície, já que o semi-árido dispõe de dois grandes rios: o São Francisco e o Parnaíba. São esses rios e seus afluentes que fornecem a maior quantidade de água para as atividades rurais da região.

A maior parte do estado de Alagoas se concentra no semi-árido e se distribui por diversas bacias hidrográficas, entre elas a do Rio São Francisco. É desse rio que parte o maior número de sistemas coletivos de abastecimento de água do estado, visto ser o único com vazão segura em todos os períodos do ano.

Em Alagoas, está sendo construído o canal do sertão, pelo qual o São Francisco vai fornecer até 32 m3/s para 42 municípios, muitos deles na bacia do Rio Coruripe, substituindo os sistemas coletivos de abastecimento de água, numa nova transposição, a terceira do Velho Chico.

A transposição para o sertão alagoano quebrará diversos paradigmas. O primeiro deles se refere a uma deliberação do comitê da bacia do São Francisco proibindo a saída de água da bacia a não ser exclusivamente para consumo humano e dessedentação animal. O canal do sertão fornecerá água aos núcleos urbanos em toda sua extensão, destacando-se uma vazão de 1.500 m3/h (0,42 m3/s) captados pela empresa de saneamento alagoana (CASAL), em que 500 m3/h estão destinados à Mineradora Vale Verde. O canal fornecerá água para diversas atividades como dessedentação do rebanho, irrigação do pasto, desenvolvimento da piscicultura e criação de condições de produção agrícola contínua por meio de seis grandes projetos de irrigação. A água transferida da bacia do Rio São Francisco não será, portanto, exclusivamente para abastecimento humano e dessedentação animal.

Um segundo paradigma a ser quebrado é o de que a retirada de água da bacia do São Francisco, principalmente próximo à foz, poderia aumentar o problema da cunha salina. Da mesma forma que o aumento na vazão de transposição para Aracaju não afetou em nada a cunha salina no Velho Chico (que é motivada principalmente pela precipitação de sólidos na hidrelétrica de Xingó), a captação de água no reservatório da usina Moxotó, no baixo São Francisco, não aumentará a ocorrência da cunha salina.

Um terceiro paradigma se refere aos canais a céu aberto. Quando foi feito o PISF, houve inúmeras críticas de que a água da transposição não chegaria ao seu destino no Nordeste Setentrional, pois evaporaria antes. Isso não acontecerá, porque a intensidade de evaporação na água em movimento é muito inferior à da água parada. Os canais a céu aberto na transposição para o sertão de Alagoas demonstram que o projeto é semelhante ao do PISF.

Outro paradigma que será quebrado será a comparação do São Francisco a um doente na UTI, impossibilitado de doar sangue. O São Francisco, com sua vazão segura definida por deliberações do comitê de sua bacia, continua pujante como sempre e totalmente capaz de abastecer as necessidades hídricas, mesmo de pessoas que não habitam sua bacia.

Finalmente, há outro paradigma que precisa ser quebrado. Os habitantes do sertão alagoano devem parar de atacar o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional (PISF). Afinal, o canal do sertão, com sua capacidade máxima de 32 m3/s, supera a vazão firme conjunta dos dois eixos de transposição para o Nordeste Setentrional. Não fica bem cuspir no prato em que se vai comer.

* Paulo Afonso da Mata Machado: Analista do Banco Central do Brasil; Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG; Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University.

Fonte: EcoDebate

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL

Certificação é a palavra-chave da nova economia globalizada. Todos querem garantia de qualidade nos produtos que compram, garantia de responsabilidade sócio-ambiental ou seja garantia de que a fabricação dos produtos adere a boas práticas correntes e reconhecidas nos diversos setores.

A forma de garantir tudo isto são as certificações. A série ISO 9.000 certifica a qualidade, a série ISO 14.000 certifica o meio ambiente e a série ISO 18.000 certifica as auditorias. As normas OHSAS 18.000 (Occupational Health and Safety Assessment Series – Série de Avaliação de Saúde e Segurança Ocupacional) regulam a saúde e segurança ocupacionais e a série SA 8.000 normatiza a responsabilidade social.

O mundo avança rapidamente nesta área e as empresas que não estiverem atentas com certeza vão perder o trem e a carroça da história.

Um Sistema de Gestão Ambiental, também chamado de SGA, é definido a partir da política ambiental da empresa e responde por uma abordagem sistemática e disciplinada de avaliar, planejar, implementar e medir processos de um sistema produtivo em todos os fatores relevantes que dizem respeito ao relacionamento das atividades da organização com o meio ambiente.

Os principais itens sugeridos para constar da listagem de controle são paisagismo e urbanização, ecodesign, eficiência energética, otimização do uso de recursos hídricos, tratamento de efluentes, gestão de resíduos sólidos, monitoramento de emissões atmosféricas, transparência e responsabilidade sócio ambiental.

A série ISO 14000 exige que a organização elabore sua política ambiental, bem como que os seus objetivos levem em consideração os requisitos legais e as informações referentes aos impactos ambientais significativos.

A organização identifica seus efeitos ambientais de forma que possam ser controlados. Todas as certificações, inclusive a ambiental, são inspiradas pela idéia de processo de melhoria contínua, através do qual a organização deverá estar sempre aperfeiçoando o seu desempenho ambiental, fator importante para a proteção ambiental e minimização de impactos ambientais.

A norma ISO 14001 define com impacto ambiental qualquer modificação do meio ambiente, adversa ou benéfica que resulte, no todo ou em parte, das atividades, produtos ou serviços de uma organização.

A relação entre aspecto e impacto equivale à relação causa-efeito. Aspectos significativos são aqueles que têm ou podem ter impactos ambientais significativos. Depois de identificados os aspectos e impactos, serão propostos procedimentos de maneira a auxiliar no controle e na definição de responsabilidades por este controle.

Toda normatização é rigorosa na atribuição de funções e na execução de registros. Tudo que não é anotado não pode ser provado e portanto não serve para as finalidades da certificação.

Os principais métodos de avaliação de impacto ambiental são as metodologias denominadas “ad hoc”, onde um grupo de especialistas define uma listagem de controle sobre fatores relevantes, a listagem de controle (checklist), as matrizes de interação, as redes de interação, os modelos de simulação e as superposições de cartas (NAIME, R. Diagnóstico Ambiental e Sistemas de Gestão Ambiental. Novo Hamburgo. Editora do Centro Universitário Feevale, 2.005).

Normalmente os métodos são utilizados integradamente, não sendo exclusivos na avaliação de impacto ambiental de determinado empreendimento. Também não é obrigatório o uso de todos os métodos sempre. As combinações decorrem das finalidades a serem atingidas.

Roberto Naime, é Professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo – RS.

Portal EcoDebate

Metais pesados nos sedimentos prejudicam represas da RMSP

Por Valéria Dias, da Agência USP


Represa de Paiva Castro: custo pra tratar água poderá ficar mais caroPesquisas realizadas no Laboratório de Limnologia do Instituto de Biociências (IB) da USP revelam que os sedimentos das represas Guarapiranga e Billings, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), apresentam uma quantidade elevada de metais pesados como cádmio, chumbo, cobre, zinco, níquel e cromo, o que sugere uma alta toxicidade do sedimento. “Os resultados de nossos estudos devem ser encarados como um alerta para os órgãos públicos, pois eles deveriam ficar mais atentos à qualidade dos sedimentos dessas represas”, aponta o professor Marcelo Pompêo, do Departamento de Ecologia do IB, que coordenou uma série de pesquisas sobre a concentração de metais pesados nos sedimentos dessas represas.

Segundo o professor, os metais pesados ficam presos ao sedimento, pois este contém grande quantidade de sulfeto e de matéria orgânica, fato que impede que esses elementos cheguem até a água. “Entretanto, em algumas situações, se houver uma mudança de pH e alterações nos níveis de oxigênio, eles poderão atingir a água por meio da ação dos ventos. Isso pode ser preocupante em virtude dos altos níveis de metais pesados que detectamos em nossas análises”, explica.

Pompêo informa que o monitoramento dos sedimentos já é realizado, mas existe a necessidade de aumentar os pontos de coleta do material e a frequência com que isso é feito, além de ações para ampliar a captação e o tratamento de esgotos. “Trata-se de um problema de gestão de nossos recursos hídricos”, destaca.

No complexo Billings, niveis de cobre e de chumbo estavam acima do recomendadoSegundo Pompêo, os metais pesados são encontrados naturalmente na natureza. “Há um estudo determinando valores de referência para a bacia hidrográfica do rio Tietê sugerindo que seus teores variem de acordo com a formação geológica de cada lugar”, lembra. No entanto, a interferência humana decorrente da construção de casas no entorno de represas, e as atividades de mineração, de agricultura e a presença de indústrias provoca a alteração desses valores. “O esgoto doméstico e industrial e os resíduos sólidos são levados para a represa pelas águas das chuvas. Constatamos que os níveis de alguns metais estão muito superiores, tanto em relação aos valores de referência como também da Agência Canadense do Meio Ambiente (ACMA)”, afirma.

Pesquisas

Em 2006, a pesquisadora Carolina Fiorillo Mariani, com orientação do professor Pompêo, desenvolveu um mestrado em que constatou que os teores de cobre e de chumbo presentes no sedimento do braço Rio Grande (Complexo Billings) foram da ordem de 9 e 8 vezes, respectivamente, acima do valor máximo definidos pela ACMA para indicar toxicidade.

Já a pesquisadora Paula Regina Padial constatou em seu mestrado, apresentado em 2008 ao IB, que na Guarapiranga há forte concentração dos metais no sedimento em alguns locais, e os maiores teores estão próximos à barragem e ao sistema de captação de água bruta da Sabesp. “Nessa porção do reservatório as concentrações médias de alguns metais atingiram valores de 4, 11 e 6 vezes acima da concentração de referência para toxicidade para cádmio, cobre e cromo, respectivamente, sugerindo elevado potencial de toxicidade desse sedimento. Para alguns pontos específicos, as concentrações de cobre atingiram níveis de até 15 vezes o valor de referência para toxicidade”, conta.

Casas próximas a guarapiranga: necessidade de controle do entorno e da coleta adequada de esgotoDe acordo com o professor, esses elevados teores de cobre podem ser atribuídos ao constante uso de algicida a base do agrotóxico sulfato de cobre, que há cerca de 20 anos é utilizado para o controle do crescimento de algas potencialmente tóxicas, as cianobactérias. Segundo Pompêo, ao longo do ano de 2008 foram aplicados cerca de 350 toneladas de sulfato de cobre nas águas da Guarapiranga.

A pesquisadora Carolina Fiorillo Mariani continuou pesquisando o braço Rio Grande e, em 2010, defendeu seu doutorado. O trabalho mostrou que os teores de metais encontrados no sedimento localizado na porção em frente ao Parque Municipal Estoril e a estação de captação de água bruta da Sabesp, em São Bernardo do Campo, atingiram valores acima da concentração de referência para toxicidade até cerca de 30, 9, 5 e 8 vezes para cobre, cádmio, cromo e níquel, respectivamente.

Preservação e custo da água

Pompêo têm realizado vários estudos na represa de Paiva Castro, na região de Mairiporã, na RMSP. Segundo o pesquisador, a qualidade da represa pode ser considerada boa, entretanto, já é necessário realizar aplicações de sulfato de cobre para garantir essa qualidade. “Se não forem tomadas medidas para a sua preservação, a represa de Paiva Castro irá apresentar problemas idênticos aos atualmente encontrados na Billings e na Guarapiranga. Se daqui a dez ou quinze anos a qualidade dos sedimentos for semelhante a dessas duas represas, o custo do tratamento da água da Paiva Castro será de 4 a 5 vezes superior ao que é hoje”, alerta.

Estoque de sulfato de cobre para aplicação na Paiva CastroOutra sugestão do professor é o fortalecimento da legislação e sua real implantação por meio da constituição de zonas de amortecimento para as massas de água. “Esta zona de amortecimento, constituída de uma faixa de vegetação localizada entre a massa de água e a região do entorno, serviria como um filtro, reduzindo o efeito da entrada de fontes dispersas constituídas de inúmeros compostos químicos empregados em diversas atividades, principalmente na agricultura.”


Envolverde/Agência USP de Notícias

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Educação Ambiental no ensino formal e não formal, Lei 9795/1999

Por Antonio Silva Hendges

Educação ambiental no ensino formal é a especificada e desenvolvida nos currículos das instituições públicas e privadas vinculadas aos sistemas federais, estaduais e municipais de ensino. Deve ser desenvolvida como prática educativa integrada, contínua, permanente, inter e transdisciplinar, em todos os níveis e modalidades educacionais. A educação básica (ensinos infantil, fundamental e médio), especial, profissional, EJA e superior devem adotar conteúdos relacionados ao meio ambiente e à formação de hábitos e atitudes pessoais e coletivas que preservem a qualidade de vida e os recursos naturais do país e do planeta. Os conteúdos formais relacionados aos ensinos fundamental e médios estão nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs – tratam dos temas transversais às disciplinas formais), onde estão especificados os objetivos e as metas que a educação ambiental deve atingir para os estudantes destes níveis.

Os cursos de formação e/ou especialização, técnicos e profissionalizantes devem incorporar conteúdos específicos sobre ética ambiental relacionada às atividades a serem desenvolvidas posteriormente. Nos cursos de formação de professores, a dimensão ambiental deve estar presente em todas as disciplinas e atividades desenvolvidas, sendo que os professores em atividade anterior à Lei 9.795/1999 devem receber formação complementar para atender aos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental.

A educação ambiental no ensino formal não está incorporada como uma disciplina específica dos currículos, mas em uma perspectiva de inter, multi e transdisciplinaridade, vinculada ao pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, humanismo, participação e desenvolvimento de atitudes individuais e coletivas que considerem a interdependência entre os meios naturais, sociais, econômicos e culturais, em um enfoque de valorização da sustentabilidade atual e futura. Apenas nos cursos de pós graduação, extensão e em áreas relacionadas com aspectos metodológicos da educação ambiental, está facultada a implantação específica desta disciplina.

2 – ENSINO NÃO FORMAL

A educação ambiental não formal são “as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente” (Lei 9.795/1999, artigo 13). Os poderes públicos federal, estaduais e municipais também devem incentivar a difusão de campanhas educativas e informações relacionadas ao meio ambiente, a participação das empresas públicas e privadas, meios de comunicação, universidades, ONGs, escolas e sociedade na formulação, execução e desenvolvimento de programas e atividades vinculadas com a educação ambiental não formal. As empresas e organizações da sociedade civil podem desenvolver programas de educação ambiental em parceria com as instituições formais de ensino para o treinamento e desenvolvimento de RH e outros programas direcionados aos estudantes ou comunidades escolares.

Também são consideradas ações não formais de educação ambiental a divulgação de conteúdos que estimulem a sensibilização e capacitação da sociedade para a importância das Unidades de Conservação, inclusive de suas populações tradicionais (indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos, pescadores). A sensibilização dos agricultores para as questões ambientais e as atividades de ecoturismo também estão relacionadas como atividades não formais de educação ambiental no ensino brasileiro.

Antonio Silvio Hendges, é Professor de biologia e agente educacional no RS.

Fonte: EcoDebate

Cinzas de cana na construção civil

De um lado, o aquecimento do mercado da construção civil e o aumento da demanda por materiais. De outro, toneladas de cinza de bagaço de cana-de-açúcar que sobram da queima nas caldeiras das usinas sucroalcooleiras em todo o Brasil. Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) conseguiu unir os dois fatores e dar um destino ambientalmente adequado a esses resíduos, utilizando-os como substitutos de parte da areia usada na preparação de argamassa e concreto.

Amplamente empregados na construção civil, a argamassa e o concreto são constituídos por uma mistura de materiais. A argamassa agrega cimento, areia e água e é aplicada no assentamento de tijolos e pisos, no revestimento de paredes e na impermeabilização e acabamento de superfícies. Já o concreto, utilizado em aplicações estruturais, é a combinação da argamassa com pedra britada. No estudo, os pesquisadores da UFSCar verificaram que a substituição de 30% a 50% em massa da areia pelas cinzas de bagaço de cana mantém as propriedades físicas e mecânicas das misturas e ainda traz ganhos de resistência.

Simples e barato - O crescimento da produção de açúcar e, sobretudo, de etanol, nos últimos anos, vem aumentando consideravelmente o volume de bagaço de cana que sobra do processo industrial. Atualmente, muitas usinas já usam o resíduo para gerar energia elétrica nas caldeiras, que servem ao consumo próprio e à venda a terceiros. Mesmo assim, esse procedimento ainda deixa restos. Por ano, são 3,8 milhões de toneladas de cinzas de bagaço de cana-de-açúcar que precisam ser descartados, geralmente em aterros sanitários.

As cinzas também têm origem no modelo agrícola adotado nas plantações. Embora cerca de metade da colheita da cana já seja mecanizada, a prática da queima da palha do vegetal ainda é bastante corrente. Muitas vezes, as cinzas são misturadas à terra como adubo, mas não têm ação eficaz por serem um resíduo inerte.

Há anos estudando formas de substituir os agregados naturais usados na argamassa e no concreto por soluções ecologicamente corretas, o engenheiro civil Almir Sales, coordenador da pesquisa da UFSCar, viu nessas verdadeiras montanhas de resíduos um grande potencial. Uma caracterização física microscópica mostrou que as cinzas do bagaço de cana têm um perfil bastante próximo ao da areia natural, com uma porção cristalina e alto teor de sílica. Sales e sua equipe (composta por uma doutoranda e cinco alunos de iniciação científica) constataram que a troca seria uma boa maneira de ajudar a diminuir o impacto ambiental no leito dos rios, de onde a areia é extraída.

O processo de retirada da areia causa a degradação ambiental de todo o ecossistema presente no curso de água. Por causa disso, algumas licenças para extração já estão sendo cassadas, o que diminui a oferta do agregado no mercado, elevando seu preço - explica o engenheiro civil.

Para tornar as cinzas aptas à substituição, a equipe desenvolveu um método de processamento simples e de baixo custo. Primeiro, foi realizado um peneiramento dos resíduos para separar pedaços de bagaço mal queimados. A etapa, no entanto, é dispensável quando as cinzas provêm de usinas cujos fornos são preparados para a produção eficiente de energia elétrica e queimam o bagaço completamente. Em seguida, foi feita uma pequena moagem para o acerto granulométrico, de forma que os grãos da cinza ficassem com tamanho semelhante aos de areia.

Segundo Sales, o concreto fabricado com as cinzas do bagaço de cana apresentou ganho de resistência de até 15% em relação à mistura com areia.

"A vantagem se deve às propriedades de compactação e empacotamento dos grãos de cinzas que, por serem mais uniformes, têm preenchimento melhor do que os de areia natural", afirma.

Agora, os pesquisadores estão testando a durabilidade do concreto alternativo. Por 12 meses, será observado o desgaste ocorrido em condições naturais e em uma câmara que acelera o intemperismo. Essa fase do estudo será essencial também para concluir se as misturas feitas com cinzas são capazes de evitar a corrosão das estruturas de aço usadas nas construções da mesma forma que o concreto tradicional.

"Os resultados preliminares são animadores", garante Sales.

O objetivo da equipe é introduzir a inovação no mercado da construção civil por meio das prefeituras. A ideia é estimular primeiramente o uso do concreto de cinzas na infraestrutura urbana, na construção de sarjetas, meio-fios e bocas de lobo, por exemplo.

Alternativa à brita - Esse não foi o primeiro projeto desenvolvido por Sales com a meta de encontrar uma alternativa tecnológica aos materiais comumente empregados na construção civil. Em estudo anterior, o engenheiro descobriu um composto que pode substituir a pedra britada no concreto. Trata-se de um agregado artificial feito com serragem de madeira e lodo de estações de tratamento de água (resíduo que se deposita no fundo dos tanques de decantação, onde se separa os sedimentos do líquido por meio da ação do sulfato de alumínio).

A substituição da pedra por esse composto deixou o concreto 30% mais leve e com condutividade térmica mais baixa.

"Por ter menos resistência, esse concreto não pode ser utilizado em estruturas. Mas é ideal para o enchimento de lajes de casas térreas, até mesmo por reduzir o aquecimento, minimizando o uso de aparelhos de ar-condicionado para refrigeração e poupando energia", defende Sales.

Para o professor da UFSCar, é preciso repensar a forma como o homem se relaciona com a natureza atualmente.

"Não adianta termos conforto hoje se isso implica a destruição do meio ambiente e, em consequência, maior escassez de recursos naturais no futuro", argumenta Sales. "Se agora é inusitado usar cinzas de bagaço de cana-de-açúcar ou outro agregado artificial na composição do concreto, meu objetivo é fazer com que, em breve, o diferente seja empregar materiais tradicionais e não sustentáveis", conclui.

Fonte: Diário do Grande ABC