segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Inclusão social via resolução dos problemas estruturais ou via mercado?




A obsessão do governo atende por um nome: crescimento econômico. Dilma Rousseff persegue a continuidade do modelo de “inclusão via mercado” que se revelou um “sucesso” no governo Lula. O foco de Dilma é um só, dar continuidade ao crescimento da economia e dessa forma reeditar a Era Lula – a grande responsável pelo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denomina de “década da inclusão”.
Segundo o economista Marcelo Neri, atual presidente do Ipea, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2011), “o Brasil está hoje no menor nível de desigualdade da história documentada”. Houve um crescimento real na renda per capita das diferentes camadas sociais. Em dez anos (de 2001 a 2011), os 10% mais pobres tiveram 91,2% no crescimento de sua renda, enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6%.
O aumento da renda dos mais pobres está associado a dois movimentos. Aos programas de transferência de renda, particularmente o Bolsa Família, e ao aquecimento do mercado de trabalho como destacado em análise do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e de economistas de várias instituições de ensino e pesquisa.
Os dados do governo são otimistas e mostram que parte dos que vivem em favelas e contingente expressivo de negros, estão entre os que constituem a “nova classe média”.
Os dados, porém, de aumento de renda e de consumo convivem ao lado dos crônicos, históricos e permanentes problemas estruturais, particularmente na área da saúde/saneamento e educação. Problemas que podem ser ampliados com os temas da moradia, transporte coletivo, acesso à água potável e democratização da terra. Uma pequena amostra: Ao mesmo tempo em que cresceu vertiginosamente o acesso à internet, o acesso aos serviços públicos permanece estagnado. A rede de abastecimento de água, por exemplo, que era de 84,2% em 2009, passou para apenas 84,6% em 2011. A coleta de lixo, de 88,4% subiu irrisoriamente para 88,8%.
Essa morosidade na oferta de serviços públicos também se manifesta em outras áreas. Em dois anos, a proporção de domicílios atendidos pela rede coletora de esgoto aumentou de 52, 5% para irrisórios 54,9% e a de domicílios com fossa séptica ligada à rede coletora apenas de 6,6% para 7,7%”. Na educação, constata-se que dos 23% (45 milhões) da população brasileira, que correspondem aos que estão com idade entre 4 e 17 anos, 8% (3,8 milhões) estão fora da escola.
O caso do Nordeste serve como um exemplo do quanto ainda resta a fazer. É a região do Brasil que mais cresceu, contudo, num olhar mais focado verifica-se que ainda concentra mais da metade dos analfabetos e extremamente pobres do país. Na opinião do coordenador de Estudos Regionais do Ipea, Carlos Wagner, “temos dois problemas no Brasil: a distribuição de renda inter-regional – temos regiões ricas (Sul e Sudeste) e regiões pobres – e a distribuição pessoal de renda. Mesmo no Nordeste, que é uma região pobre, há pessoas muito ricas. A região tem uma parcela pequena da produção nacional e essa parcela é concentrada nas mãos de poucos”.
São evidentes os ganhos econômicos e a mobilidade social para cima, mas trata-se de uma inclusão efetivamente social ou de uma inclusão via mercado? De uma inclusão que se faz pelo acesso a saúde e educação de qualidade ou de uma inclusão pelo consumo? O sociólogo Sérgio Costa comenta que “os esforços do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil. As medidas que vêm sendo adotadas têm impacto de curto prazo, mas em longo prazo não permitem uma ascensão das classes mais baixas”.
Segundo ele, “não há investimento em outros tipos de medidas onde a ação do Estado é fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade”. O sociólogo argumenta que, ao frequentar escolas públicas ruins, os mais pobres são “condenados a permanecer na mesma condição de classe” e toma um exemplo na política alemã. “Na Alemanha, a ascensão se dá através de serviços para a população, que criam uma igualdade dentro da sociedade”, afirma. “Por isso, que no país ocorrem frequentes ondas de ascensão social. Por haver escolas gratuitas de qualidade. Nos anos 1960, por exemplo, muitos filhos de operários se tornaram médicos, engenheiros”, lembrou, acrescentando que no Brasil isso é mais difícil de acontecer.
O mesmo pensa a economista Lena Lavinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que lembra que as sociedades modernas promovem a igualdade através de uma infraestrutura social de qualidade, aspecto que tem sido deixado de lado na atual política federal. “O gasto social no Brasil é feito para transferir renda para as famílias e não para promover serviços”, sublinha. “O governo brasileiro é muito preocupado em transferir renda, o que é importante, mas insuficiente. Os mais pobres não precisam só de renda, mas de oportunidades”, destaca. “E os gastos públicos com educação, saúde, transporte e saneamento não crescem na proporção que deveriam”.
O sociólogo José de Souza Martins comentando o estudo da “década includente” do Ipea afirma que os “benefícios [as políticas sociais compensatórias] não deslocam necessariamente o eixo social de referência dos beneficiados, especialmente os pobres do campo, cuja economia pré-moderna é predominantemente baseada na produção direta dos meios de vida”.
Em seu livro Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador, André Singer reconhece os avanços da era Lula em relação aos anos de FHC, considerando a “ativação do mercado interno, aumento do crédito, aumento do consumo, aumento do emprego”, como elementos que vão à contramão do neoliberalismo. Contudo, mesmo sob essa ótica, Singer também aponta que “o Brasil tem um acúmulo de desigualdade tão grande que mesmo esta queda com enorme ritmo de avanço fica aquém”.

Fonte: EcoDebate/IHU on-line

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