domingo, 20 de janeiro de 2013

A repetição de uma tragédia previsível


Por Marília Gonçalves


 
No verão de 2010, o Rio de Janeiro sofreu uma das maiores tragédias decorrentes de chuvas fortes da sua história. Especialmente na região metropolitana e nas cidades de Angra dos Reis e Niterói, onde 47 vidas se perderam no conhecido caso do Morro do Bumba, houve destruição em grandes proporções. Algo como um ano depois foi a vez da região serrana do estado sofrer, também devido a fortes chuvas, uma catástrofe que transformou cidades inteiras em verdadeiros cenários cinematográficos de guerra. Mais de 500 pessoas morreram e algumas regiões ainda não se recuperaram, dois anos depois. Segundo estudo publicado na última semana, hoje o estado do Rio de Janeiro tem áreas de risco em mais de 70% de seus municípios. Mas quem é responsável por tentar evitar a tragédia? O que dificulta esse processo?

A divisão dos papéis

O Brasil está 60 anos atrasado em matéria de gerenciamento de risco, segundo Marcelo Motta, professor e pesquisador do grupo Geotecnia Ambiental, da PUC-Rio. Isto se deve, em geral, à dificuldade de implementação dos planos de risco desenvolvidos por universidades, o que seria de responsabilidade das prefeituras. “O problema é a priorização dos gastos para outras coisas. Às vezes o prefeito acha mais importante fazer uma cidade da música do que investir em política de habitação”, afirma Marcelo.

O professor Emilio Velloso Barroso, do Departamento de Geologia da UFRJ, concorda que o problema da gestão política está, principalmente, no nível municipal, mas nem as prefeituras nem os Estados têm quadros técnicos suficientes para realizar um diagnóstico qualificado das áreas de risco e traçar planos de emergência satisfatórios. No caso do Estado do Rio de Janeiro, a solução procurada depois da situação se mostrar insuportável, com o acontecimento dos seguidos acidentes, foi estabelecer parcerias com universidades e convênios com empresas que poderiam realizar este trabalho técnico – é o que vem fazendo o grupo de pesquisa em Geotecnia Ambiental, um trabalho de levantamento de dados primários, pesquisa aplicada a necessidades do estado, em parceria estabelecida com o serviço geológico e a defesa civil do Rio. Mas a situação não se repete em todas as cidades. Mesmo depois dos graves acidentes, Niterói não possui nenhum geólogo nos seus quadros, e nenhum concurso foi realizado.

Desde 2008, o Rio vem investindo mais na área de gerenciamento de risco e prevenção de desastres. Na opinião de Emílio, no entanto, ainda de forma insatisfatória. As pesquisas desenvolvidas nas universidades não foram apropriadas pelo poder público para construir políticas abrangentes. O investimento foi aplicado a obras pontuais e construção de sistemas de alerta, que tão somente medem a quantidade de chuva, alertando para possível emergência e necessidade de evacuação da área, mas não contribuem para a eliminação do risco. “Como há a percepção de que precipitações cada vez menores podem levar a acidentes sérios, há um enorme risco dos sistemas de alerta falharem também”.

A questão social por trás das catástrofes naturais

Quando o assunto é gerenciamento de risco, é importante ter clareza de que não se trata de um fenômeno exclusivamente natural. Em outras palavras, conceitualmente a natureza não causa risco por si mesma. O risco é um fenômeno social, existe quando há presença e intervenção humana. “É natural que o barranco despenque, não é natural que se construa uma pousada embaixo dele”, comentou Marcelo. Por isso, para o pesquisador, o planejamento urbano é fundamental para avançar no assunto. “A gente planeja a cidade quando ela já está ocupada. Faz sentido permitir que pessoas construam casas em cima de um lixão e ainda cobrar IPTU delas?”, comenta sobre o caso do Morro do Bumba, onde funcionava um lixão antes de se tornar uma favela.

Os especialistas concordam em pelo menos um ponto: é possível construir em encostas, em alguns casos. Essas obras necessitam de maior cuidado e tecnologia mais avançada, o que pode aumentar o custo, mas não a torna impossível. Marcelo alerta para o fato de que, em cidades como o Rio de Janeiro, em que os morros são majoritariamente ocupados por pessoas de baixa renda, a situação de risco é usada muitas vezes para legitimar um processo de remoção de uma área nobre, onde o terreno tem alto valor especulativo. Ele lembra que os custos de obras de prevenção, como a contenção das encostas, são menores do que os de reversão dos danos.

Mas, afinal, como prevenir as catástrofes? Para o professor Tacio Campos, coordenador do grupo Geotecnia Ambiental, o mais importante é investir em informação, em primeiro lugar. Entender o porquê das mudanças geológicas seria ponto fundamental para dimensionar os possíveis riscos e gerenciar episódios de emergência. Emílio concorda, e acrescenta que o planejamento do uso do solo, responsabilidade das prefeituras, precisa ser melhor realizado.

Além disso, não há como tratar das catástrofes naturais sem considerar as questões sociais que estão por trás dela. Assim, não há como apontar soluções que estejam descoladas de ações sociais. “Precisamos de um grande pacto nacional capaz de formular políticas e ações que levem ao enfrentamento integrado da questão em diferentes frentes: conhecimento geológico em escala adequada para identificação das áreas de risco; capacitação instrumental e pessoal do poder público e, principalmente, investimento habitacional, em transporte público e na capacitação profissional da população de baixa renda para geração de emprego e renda”, sugere Emílio.


Fonte: Canal Ibase





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