Por Marcus Eduardo de Oliveira
Na compreensão dos processos econômicos contemporâneos, algo de extrema importância não pode escapar da estratégia envolvida na construção dos caminhos que apontam para uma economia solidária (com justiça social equilibrada) e para um modelo de crescimento econômico centralmente sustentável (também com equilíbrio e respeito ao meio ambiente).
Os termos “equilibrado e sustentável” são aqui empregados de forma adrede. Com isso, desejamos apontar para a necessidade de que todos convivam pacificamente de forma equilibrada e sustentada ao longo do tempo em suas relações com o meio ambiente. A razão disso? É simples! O sistema econômico que aí está, grosso modo, para atender as nossas necessidades opera dentro do meio ambiente. Esse sistema é, ademais, apenas um subsistema de algo maior: o próprio meio ambiente. E, caso a relação economia / natureza não seja ao menos equilibrada, o caos logo se avizinha.
Nunca é desnecessário comentar que há uma intensa interação entre economia e natureza, pois é sabido que do meio ambiente o sistema econômico retira recursos naturais para serem transformados em bens e serviços visando promover, na ponta final, o consumo. Consumo esse que, por sua vez, atenderá necessidades múltiplas de todos nós.
A necessidade do contextualizado “equilíbrio” entre recursos econômicos e recursos naturais decorre, portanto, da conscientização de que essa relação de extração natural feita pela economia é na maior parte do tempo pouco inteligente e muito agressiva, uma vez que envolve geração de resíduos, rejeitos e poluentes (tanto no ato da produção em si, como no descarte dos produtos após o uso). Logo, caso não seja realizado a contento, tal processo de extração tende a se converter e potencializar novos desequilíbrios. Percebe-se assim, contudo, que o sistema econômico produtivo tem então uma capacidade ímpar em desequilibrar e também em poluir: polui e desequilibra na entrada (retirando recursos naturais) e na saída (descartando-os).
Conquanto, foi justamente a partir dessa relação nada amistosa e muito desequilibrada entre esses atores principais – economia / natureza – que em meados da década de 1960 começou a surgir explicações técnicas que davam conta da imprescindível necessidade de mudar o rumo do processo produtivo. Àquela altura já se vislumbrava claramente que as constantes agressões ao ambiente somente poderiam gerar passivos ambientais.
Entrementes, foi dessa constatação que também surgiu outra visão econômica que envolvia tanto a biologia como a física; ambas, por sinal, se “relacionavam” à sua maneira com as teorias econômicas consolidadas até então.
Nesse pormenor, cumpre destacar uma idéia teórica que ganhou certa proeminência, embora ainda hoje continua “apagada”, ao menos dentro da abordagem feita pela tradicional teoria econômica: trata-se do que se convencionou chamar posteriormente de bioeconomia.
O que seria isso? Bioeconomia seria a base científica da economia. Na essência, a bioeconomia pode ser definida como um conceito de desenvolvimento que pressupõe novas relações com o meio ambiente, com o planeta Terra em si e com as pessoas.
Federico Chicchi, sociólogo italiano e um dos mais preparados estudiosos desse assunto, aponta que “a bioeconomia refere-se ao processo de captura da vida e à produção da própria vida no interior das regras do discurso econômico”.
Para René Passet, outro renomado especialista no assunto, a bioeconomia é o “novo paradigma da economia”. Esse pensador francês destaca que o conceito de bioeconomia surgiu como conseqüência do alerta ecológico dos anos 1960/70, que descobriu o processo econômico como uma extensão da evolução biológica. A termodinâmica e a biológica são os seus fundamentos. O seu objetivo, diz Passet, “é integrar as atividades econômicas nos sistemas naturais porque as leis da macroeconomia não se reduzem às da microeconomia”. O interesse geral, aponta Passet, “(…) é muito mais do que a soma das partes. Os mecanismos naturais (como o ar, a água) não têm que ver com as leis de mercado; por sinal, problemas com esses bens comuns e naturais transcendem a lógica das nações e dos mercados”.
Dessa forma, na visão de Passet, com a qual corroboramos, a economia situa-se além de si mesma e vislumbra um novo modelo de desenvolvimento, chamado, pois, de bioeconômico. E esse modelo para se efetivar precisa ser de caráter integrador, caso contrário, malogrará.
Pontua-se, para enfatizar-se a questão, que esse seria um modelo capaz de conciliar os interesses públicos, privados e solidários com o interesse amplo e geral. Uma vez mais se ressoa aqui que o interesse geral é para as pessoas. Na esteira desse comentário, enaltecemos que a economia tem tudo a ver com um projeto de desenvolvimento que envolva as pessoas, caso contrário não se sustenta na linha do tempo tendendo a se desequilibrar mais cedo ou mais tarde. As pessoas e o desenvolvimento precisam andar juntos. Os objetivos econômicos precisam apontar para essa realização. Só há verdadeiro desenvolvimento quando as pessoas são por essa ocorrência contempladas. De nada adianta ocorrer desenvolvimento das instituições, por exemplo, se essas não forem colocadas à disposição das pessoas. São as pessoas, essencialmente, as responsáveis por fazer funcionar a economia, as instituições, e o próprio mercado.
Ademais, uma vez que esse processo macro envolve sensivelmente as pessoas, nada mais natural que abordar então as relações da natureza, tendo em vista que o homem não é dono do meio ambiente (do planeta Terra), mas sim um de seus hóspedes e dele verdadeiramente depende para o prosseguimento de seu próprio viver.
Infelizmente, esse hóspede tem se comportado como aquele inquilino que, descontente com o valor do aluguel, chega a “maltratar” sua moradia.
Aproximação econômica ao vivente e aproximação “vivente” ao econômico
Por esse prisma bem peculiar, em nosso entendimento a bioeconomia não deve ser apenas entendida como uma aproximação econômica ao vivente, mas sim como uma aproximação “vivente” à própria modelagem econômica. E essa simbiose necessita ser bem sincronizada. A economia, é forçoso afirmar, é uma atividade de transformação calculada que tem como finalidade precípua satisfazer, da melhor forma e com o mínimo de meios empregados, as necessidades humanas mais elementares. E onde estão mesmo os elementos indispensáveis para o atendimento a essas necessidades? Ora, é evidente que está na natureza todo e qualquer recurso necessário para a produção dos bens que nos suprirá as necessidades. E a economia, como não poderia deixar de ser, participa ativamente desse processo.
Nunca é demais aduzir, a título de comentários finais, que a economia intervém em três níveis: i) transformação e cálculo; ii) o nível humano; e iii) o nível natural.
Finalizando essa discussão, cabe retomar a linha de raciocínio de Passet para pontuar que esses três níveis citados são interdependentes e a reprodução do econômico implica a das sociedades humanas e a da natureza como um todo. O bioeconômico então, conforme afirmado aqui, se insere no campo das preocupações fundamentais que estão na perspectiva ampla de se discutir a prática daquilo que possa ser considerada uma boa economia. Isso envolve, sobremaneira, respeitar o meio ambiente e, antes disso, tecer de forma equilibrada as relações que moldam a própria vida.
No entanto, constata-se que infelizmente nem sempre esse assunto ganha espaço e alcança mais ouvidos. Todavia, é nosso dever contribuir para aguçar esse debate ainda que seja necessário remar contra a maré; ainda que seja preciso gritar para ouvidos que insistem em permanecer moucos.
Marcus Eduardo de Oliveira é Economista, professor, especialista em Política Internacional com mestrado pela (USP). Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Fonte: EcoDebate
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