terça-feira, 31 de agosto de 2010

Líquido produzido em aterros sanitários pode ser tratado com esgoto

Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP demonstra a viabilidade de tratar o lixiviado, líquido produzido em aterros sanitários, em estações de tratamento de esgotos. O estudo da engenheira Miriam Moreira Bocchiglieri aponta que o tratamento conjunto pode trazer vantagens ambientais, desde que planejado e executado adequadamente, respeitando a capacidade das estações.

O trabalho procurou analisar experiências de tratamento do lixiviado de aterros sanitários (mais conhecido como chorume), em conjunto com o esgoto, em estações do sistema público no Estado de São Paulo. “O tratamento pode ser feito no próprio aterro de maneira integral ou parcial, ou em conjunto com os esgotos sanitários”, relata a pesquisadora. “Em muitos casos, entretanto, ele não é tratado, sendo usual a prática de recirculação do lixiviado pelas células do aterro”.

O estudo foi desenvolvido na Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de Barueri, de grande porte. Também foram analisadas estações menores, em São Sebastião (ETE Boiçucanga), no litoral, e nos municípios de Tupã e Fernandópolis, no interior de São Paulo.

A estação de Barueri emprega o processo de tratamento por lodos ativados convencional.

– A vazão elevada confere flexibilidade ao sistema pela diluição dos lixiviados com os esgotos sanitários.

Em Boiçucanga é usado o método de lodos ativados por batelada. A estação de Tupã emprega o sistema de lagoa aerada, enquanto Fernandópolis utiliza um processo natural, o chamado sistema australiano, composto por lagoa anaeróbia seguida de facultativa.

Todas as estações estudadas podem receber o lixiviado, mas é necessário estabelecer limites de recebimento.

– Para dimensionar o potencial de recebimento, deve-se verificar a capacidade de suporte das estações, na fase líquida e na fase sólida, considerando a proteção aos sistemas biológicos de tratamento(aeróbios e anaeróbios) e o atendimento à legislação quanto ao efluente e lodo gerados nas estações –, observa Miriam.

Segundo a pesquisadora, dentro da tendência mundial de se tratar fontes de poluição “da porta para dentro”, o ideal seria tratar o lixiviado no próprio aterro.

– Porém, em função das características específicas dos lixiviados, como a elevada carga orgânica, a flutuação de vazão em decorrência das chuvas, o tratamento “isolado” pode se tornar complexo e caro –, aponta a engenheira.

O tratamento conjunto, sob condições específicas, pode se configurar numa alternativa sanitária e ambientalmente segura, se os sistemas forem bem projetados, bem concebidos e bem operados, mediante critérios já conhecidos e consagrados tecnicamente.

– Essa integração pode representar avanços importantes nas questões de desenvolvimento urbano e qualidade ambiental –, diz Miriam.

– Para sua viabilização é preciso haver o envolvimento das esferas competentes, nas quais têm início os processos de planejamento das cidades.

O estudo recomenda que os municípios, ao implantarem aterros sanitários e estações de tratamento de esgotos, analisem a possibilidade de operação conjunta.

Fonte:Correio do Brasil/Redação, com Agência USP - de São Paulo

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Saneamento acessível

Por Fábio Reynol, da Agência Fapesp


A grande maioria das cidades brasileiras sofre, em maior ou menor grau, de contaminação por nitrogênio, particularmente de nitrato. As zonas rurais são contaminadas por causa do uso excessivo de fertilizantes e os solos urbanos recebem nitrogênio principalmente de fossas sanitárias ou mesmo de redes de esgoto sem manutenção ou mal projetadas.

Esse problema levou o grupo de pesquisa do Laboratório de Modelos Físicos do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IG-USP) a desenvolver uma fossa séptica que fosse mais eficiente e, ao mesmo tempo, acessível às populações mais pobres, que dependem principalmente desse tipo de saneamento.

O projeto Minimização dos Impactos dos Sistemas de Saneamento (Minisis), apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, analisou o problema de maneira ampla e resultou em uma série de contribuições ao sistema de saneamento por fossas sépticas.

“As fossas convencionais são bastante eficientes em degradar matéria orgânica infiltrada no solo, mas o seu rendimento é limitado para nutrientes, como o nitrogênio”, disse Ricardo Hirata, professor do IG-USP e coordenador do projeto. O resultado é a contaminação do ambiente por microrganismos e por nitrato (NO3), uma das formas que se apresenta o nitrogênio no ambiente e que é muito estável e móvel e pode permanecer por décadas nas águas subterrâneas.

A dificuldade de degradação do nitrato, aliada ao fato de derivar de uma fonte crescente, os dejetos humanos, fazem dele o contaminante mais abundante do planeta nas águas subterrâneas. “O nitrato não é o contaminante mais agressivo, mas com certeza é o mais comum e o que se apresenta em maior volume nos reservatórios de água subterrânea, os aquíferos”, disse.

O problema aumenta com o crescimento das cidades, cujas redes de coleta de esgoto nunca crescem na mesma proporção. O resultado é a permanência de nitrato no ambiente por períodos que podem chegar a centenas de anos.

O nitrato permanece nos lençóis freáticos e volta à população com a captação de água por poços ou nascentes, configurando-se em um grande problema de saúde pública. “Um dos mais sérios casos de contaminação é o da cidade de Natal (RN), cuja população consome água encanada com nitrato”, disse Hirata.

Em São Paulo, a situação também requer atenção, segundo o pesquisador, pois 75% dos municípios paulistas são abastecidos total ou parcialmente pela água que vem de fontes subterrâneas, muitas dessas vulneráveis à contaminação por fossas.

Sem condições financeiras de construir uma estrutura apropriada, muitos moradores cavam buracos simples no solo e que, frequentemente, encontram o nível freático. Esse recurso, chamado de “fossa negra”, é ainda mais nocivo ao ambiente, pois injeta o contaminante diretamente na água subterrânea, sem que nenhuma forma de redução do contaminante possa ocorrer no solo, onde se processa a maior parte da transformação bioquímica dessas substâncias nocivas, segundo o professor.

Desenvolvimento no local

Para desenvolver o novo modelo de fossa, o grupo da USP precisava de uma comunidade que não fosse atendida pela rede de esgoto. O bairro de Santo Antônio, no distrito de Parelheiros, zona sul de São Paulo, foi o escolhido.

Os pesquisadores acompanharam o desempenho de duas fossas pertencentes a moradores vizinhos. Uma delas, a fossa controle, era do tipo negro convencional. A segunda foi construída na casa ao lado segundo a tecnologia desenvolvida pelo grupo.

A fossa projetada pelos pesquisadores tem dois níveis. O primeiro é formado por óxidos de cálcio e de ferro, um rejeito da indústria siderúrgica com propriedades bactericidas. “Por ter um pH muito alto, próximo de 12, esse material consegue degradar vírus e bactérias com alta eficiência”, explicou Hirata.

Para o experimento a equipe conseguiu trazer escória do porto capixaba de Tubarão, que possui grande fluxo de exportações de minério de ferro. Após passar pela camada mineral, o líquido efluente percola para a segunda barreira reativa, composta por areia e serragem da madeira cedrinho. Os cavacos de madeira, que fornecem carbono ao meio por respiração aeróbica, consomem o oxigênio e propiciam que o nitrato seja reduzido bioquimicamente a um gás de nitrogênio.

O projeto foi bem-sucedido e a primeira camada eliminou 95% dos vírus e bactérias presentes. Já a barreira de serragem e areia degradou com eficiência 60% do nitrato encontrado, mas Hirata aponta que o conhecimento alcançado no experimento permite melhorar esse número para 80%.

A degradação do nitrato no novo sistema foi tema da tese de doutorado de Alexandra Vieira Suhogusoff, defendida este ano. A aluna foi orientada por Hirata e teve apoio FAPESP por meio de uma Bolsa de Doutorado Direto.

A redução dos microrganismos obtida na primeira camada da fossa rendeu a tese de doutorado de Jesse Stimson, da Universidade de Waterloo, no Canadá, instituição que colaborou com o projeto de pesquisa.

O trabalho ainda contou com equipamentos de monitoramento para controlar a quantidade de material lançado em cada fossa e permitir a retirada de amostras. Os resultados obtidos foram usados para construir modelos numéricos que indicaram a possibilidade de se repensar a ocupação urbana sem rede de esgoto, permitindo aumentar o número de fossas sem implicar contaminações das águas subterrâneas ou mesmo superficial.

“Como ela é mais eficiente, podemos aumentar em até 60% a densidade de fossas em um bairro, comparativamente à capacidade de suporte com uso de técnicas convencionais”, afirmou Hirata, ressaltando que o custo da obra é bem acessível, embora não tenha estimado o valor exato.

Outra vantagem é que a construção da nova fossa não exige treinamento específico de profissionais. “Qualquer pedreiro familiarizado com obras de poços é capaz de construir o novo modelo”, disse. Isso permite que seja utilizada mão de obra local, mais acessível financeiramente.

Poços mais seguros

Outro resultado do projeto foi o desenvolvimento de uma metodologia para avaliação sanitária de poços de água. Trata-se de um questionário simples com dez perguntas objetivas que exigem respostas simples de “sim” ou “não”, como “há criação de animais próxima ao poço?”, “o poço possui trincas na parede interna?” e “a água que sai da cozinha passa a menos de 10 metros do poço?”

Com ele, um agente de saúde pode fazer um levantamento da qualidade da água consumida em um bairro, uma vez que a qualidade do poço é estimada a partir do número de respostas positivas recebidas.

“É um modo simples de municiar os órgãos de saúde pública na importante questão do consumo de água na área periférica de cidades”, sugeriu Hirata, que alertou para o fato de a população não possuir parâmetros objetivos para avaliar a água de seus poços.

“Para muitos, a água cristalina e fresca é sinônimo de água potável e, como as doenças provocadas pela contaminação aparecem esporadicamente, eles não associam essas doenças à qualidade da água”, apontou. O questionário foi adaptado de uma metodologia desenvolvida na Inglaterra e aplicada com sucesso em alguns países africanos.

Segundo o professor do Instituto de Geociências da USP, a fossa e o questionário desenvolvidos nessa pesquisa são soluções baratas e que podem ajudar especialmente as áreas mais afastadas e carentes enquanto não recebem rede de esgoto.

“O ideal seria que todos tivessem coleta de esgoto, porém, como nossa experiência mostra que a área de saneamento não costuma contar com muitos recursos, essas soluções poderiam amenizar muito a contaminação da água e reduzir os problemas de saúde da população”, disse Hirata.


Envolverde/Agência Fapesp

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um quarto dos municípios brasileiros tem "estrangulamento" em sistema de drenagem

Por Vitor Adbala, da Agência Brasil

As fortes chuvas que caíram recentemente no país fizeram numerosas vítimas e deixaram milhares de desabrigados. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada hoje (20), mostra que 27,4% dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros declararam, em 2008, possuir “estrangulamento” em seu sistema de drenagem e ter sofrido inundações e alagamentos nos últimos cinco anos.

Segundo o IBGE, “estrangulamento” no sistema de drenagem significa que a rede não suporta o volume de água necessário para impedir uma inundação. De acordo com o técnico do IBGE Rodrigo Pereira, os sistemas de drenagem dos municípios brasileiros não acompanharam o crescimento dessas cidades.

“Muitas das cidades são antigas, então os sistemas de drenagem existentes estão dimensionados para aquele universo da época da construção das edificações, da pavimentação. O que ocorre é que há um crescimento grande do número de habitações. Então, esse sistema de drenagem não foi revisto, não foi redimensionado de forma a absorver essa nova estrutura que foi instalada ao longo do tempo”, disse.

A pesquisa também mostra que o fator de maior risco de inundações no perímetro urbano é a inexistência de infraestrutura de drenagem em algumas áreas. Esse problema foi declarado por 62,6% dos 1.933 municípios que disseram ter áreas de risco de inundações. Já as áreas de baixios sujeitas a inundações figuram como a segunda principal área de risco, como destacado por 56,8% das localidades.

Ainda segundo o IBGE, o fator mais agravante para a ocorrência de inundações é a obstrução de bueiros, já que 45,1% dos municípios que sofreram inundações declararam ter esse problema. Outros fatores agravantes são a ocupação desordenada do solo (43,1% dos municípios), obras inadequadas (31,7%), dimensionamento inadequado do projeto de drenagem (30,7%) e lançamento inadequado de resíduos sólidos (30,7%).

Outro dado da pesquisa é que os municípios estão preferindo a drenagem superficial das ruas (por meio de canaletas) do que a drenagem subterrânea (considerada ideal). O número de ruas apenas com drenagem superficial aumentou no país, de 2000 para 2008.

A porcentagem de municípios com drenagem superficial subiu de 80,4% em 2000 para 94% em 2008. Já aqueles com drenagem subterrânea baixou de 85,2% para 76,4% no mesmo período. Além disso, o estudo mostra que apenas 12,7% dos 5.256 municípios que possuem manejo de águas pluviais também possuem dispositivos para amortecer a vazão de águas de chuvas.



(Envolverde/Agência Brasil)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Política de Resíduos Sólidos é um marco abrangente

Por Andre Vivan de Souza e Fernando Botelho Penteado de Castro


Foi sancionada pelo Presidente da República e publicada em 3 de agosto a Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), após tramitar no Senado Federal como 354/89 e na Câmara dos Deputados como 203/91. A Lei traz consigo o nobre propósito de viabilizar uma estrutura normativa federal com vistas a solucionar os graves problemas enfrentados atualmente com a gestão dos resíduos sólidos, especialmente nos grandes centros urbanos; além dar uniformidade às Leis estaduais e municipais que disciplinam o assunto e que vieram sendo editadas ao longo dos anos para suprir a lacuna que havia na legislação federal.

O primeiro capítulo do Título I da Lei determina que o âmbito de aplicação da PNRS é a gestão integrada e o gerenciamento dos resíduos sólidos, de uma forma geral, por meio do estabelecimento de princípios, objetivos, diretrizes de ação, instrumentos econômicos e das obrigações do Poder Público e dos geradores de resíduos. Portanto, trata-se de regulamentação geral e abrangente sobre a forma de gestão dos resíduos sólidos, a qual, por força do artigo 24, VI e VIII, da Constituição Federal, insere-se no âmbito da competência concorrente entre Estados, Distrito Federal e União. O regime da competência concorrente estabelece que a União trace normas gerais que visem à uniformização da política de resíduos em todo o território nacional, deixando aos Estados que suplementem a norma federal.

Grande parte dos Estados já vinha exercendo a competência plena sobre a matéria, ao instituir Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos, razão pela qual um dos principais pontos a ser objeto de atenção pelo Poder Público e por todos aqueles que, de alguma forma, são afetados pela PNRS é identificar quais aspectos das Políticas Estaduais estão em conflito com a norma federal e, dessa forma, perderão validade jurídica, nos termos do artigo 24, parágrafo 4º, da Constituição Federal.

O artigo 24 da Constituição Federal atribui competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar concorrentemente, dentre outros assuntos, sobre proteção do meio ambiente. Os parágrafos do artigo 24, por sua vez, regulamentam o exercício dessa competência concorrente, de forma a que União caiba estabelecer normas gerais, enquanto aos Estados caiba estabelecer normas suplementares, salvo na ausência de lei geral federal, hipótese em que fica o Estado automaticamente autorizado a exercer a competência plena.

O mesmo pode ser dito em relação às normas municipais. Apesar de a Constituição Federal não conferir competência aos Municípios para legislar sobre proteção do meio ambiente, os serviços de coleta e destinação de resíduos domiciliares são, via de regra, de incumbência municipal e afetos ao interesse local. Por essa razão, diversas normas municipais disciplinadoras da coleta e destinação de resíduos estão, assim como as políticas estaduais, sujeitas à regulamentação Federal da PNRS e a ela deverão se conformar.

Aos Municípios, a teor do artigo 30 da Constituição Federal, compete legislar e atuar, entre outras, nas hipóteses em que (a) ficar caracterizado o interesse local; (b) for cabível suplementar a legislação federal e estadual e (c) se referirem à prestação de serviço público de interesse local.

Gerenciamento de resíduos sólidos é matéria que tipicamente enquadra-se tanto nos dispositivos constitucionais referentes a “(...) conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição” (art. 24, VI, ) quanto “assuntos de interesse local” e “serviços públicos de interesse local” (artigo 30 I e V). Diante disso, exercendo os diversos entes federativos sua competência normativa relacionada aos resíduos sólidos, em princípio, é possível que a Lei da PNRS gere incompatibilidade de normas ou mesmo inviabilize o cumprimento de obrigações nelas previstas.

O critério determinado pela Constituição Federal para evitar incompatibilidade de normas de diferentes níveis é o seguinte:

(a) a União tem competência para legislar sobre normas gerais, porém de forma limitada, já que não pode a União extrapolar o caráter geral da norma e usurpar competência suplementar dos Estados;

(b) cabe aos Estados legislar de forma suplementar, observando as normas gerais da União, isto é, sem contrariá-las, detalhando a legislação federal ou preenchendo lacunas e somente nas matérias descritas no artigo 24 da Constituição Federal;

(c) podem os Estados exercer de forma plena (incluindo as normas gerais) a competência legislativa na ausência de norma federal;

(d) aos Municípios compete (i) suplementar as normas federais e estaduais “no que couber”, o que significa estar bastante limitada a competência legislativa municipal acerca de tema já regulamentado nos âmbitos federal e estadual, pois também os Municípios não podem contrariar normas dos demais entes federativos; ou (ii) legislar sobre assuntos de interesse local de forma plena, isto é, sem as limitações de normas gerais federais e estaduais.

Dessa forma, avaliar os efeitos que o advento PNRS pode ter sobre a legislação dos Estados e Municípios depende necessariamente de como se interpretar os limites legislativos de cada ente federativo, os quais estão definidos pelas normas gerais e normas suplementares, de interesse estadual ou local.

Nessa mesma linha, o artigo 9º, parágrafo 2º, da PNRS determina que as políticas de resíduos sólidos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão compatíveis com o disposto na Lei Federal. A Lei também delimitou mais a forma de exercício da competência comum da União, Estados e Municípios na execução da PNRS.

Nos termos do artigo 10, a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios incumbe ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da responsabilidade do gerador e das competências de controle e fiscalização dos órgãos federais e estaduais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa). Aos Estados incumbe I — promover a integração da organização, do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos da lei complementar estadual prevista para ser promulgada no parágrafo 3º do artigo 25 da Constituição Federal; e II – controlar e fiscalizar as atividades dos geradores sujeitos a licenciamento ambiental pelo órgão estadual do Sisnama.

O disposto nas Leis de Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos e nas Leis Municipais de Resíduos Sólidos que contrariar estes e outros preceitos da Lei Federal terá sua eficácia suspensa, nos exatos termos do artigo 24, parágrafo 4º, da Constituição Federal. Daí a primeira e importante tarefa que surge com a promulgação da PNRS: identificar quais os dispositivos de leis estudais e municipais perdem a validade, por não estarem de acordo com a PNRS.

Segundo o texto da Lei (artigo 2º), continuarão em vigor as Leis (específicas) 11.445/2007 (saneamento básico), 9.974/2000 (agrotóxicos[1]) e 9.966/2000 (poluição por óleo), bem como as demais normas emanadas no âmbito do Sisnama, do SNVS, do Suasa e do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO).

Foram excluídos do regime da PNRS os resíduos radioativos, os quais tradicionalmente possuem regime específico.

Princípios e objetivos

Dentre os princípios estabelecidos pela PNRS se encontram aqueles que já têm previsão em outras leis ligadas ao meio e com conteúdo normativo já conhecido e definido, como os princípios da prevenção, precaução, poluidor-pagador, protetor recebedor, desenvolvimento sustentável, acesso à informação pública, razoabilidade e proporcionalidade.

As novidades referem-se aos seguintes princípios (artigo 6º):

“V — a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do Planeta;”

Tal princípio tem contornos muito genéricos e conteúdo normativo ainda indefinido. Apesar de a incorporação aos textos normativos de dispositivos que levem ao consumo sustentável ser uma tendência mundial, em discussão em diversos segmentos e fóruns (tais como ONU, Secretariado da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e perante a Câmara de Comércio Internacional), ainda é prematuro prever se o princípio aqui descrito contribuirá para essa finalidade. A impossibilidade de identificação de uma conduta a partir de tal princípio significa que ainda é preciso desenvolvê-lo por meio de normas legais e infralegais adicionais. Eventualmente os Acordos Setoriais, previstos na PNRS, podem contribuir para uma melhor definição e delimitação de padrões mais sustentáveis de consumo.

“VII — a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;”

O princípio da responsabilidade compartilhada pode ser considerado como uma novidade, pois não é encontrado em leis e normas estaduais e municipais em vigor, que prevêem o princípio da responsabilidade “pós-consumo”. Tanto a responsabilidade compartilhada quanto a responsabilidade pós-consumo não são normas de conduta, mas verdadeiros princípios, o que torna correto o tratamento dado pela PNRS, em contraposição ao entendimento encontrado em alguns outros textos normativos de que a responsabilidade pós-consumo seria norma de conduta imponível ao fabricante do produto que, após o consumo, é descartado. Além disso, a responsabilidade compartilhada, apesar da designação, deve ser entendida não no sentido tradicional de responsabilidade — obrigação decorrente de um descumprimento da lei — mas como obrigação positiva, imponível a todos — agentes públicos e privados — de tomar medidas voltadas às adequada destinação e disposição dos resíduos. As obrigações específicas de cada um dos diversos atores são objeto da própria PNRS e serão tratados mais adiante.

Nos termos propostos na PNRS, a previsão da responsabilidade compartilhada torna mais clara a necessidade de desenvolvimento normativo adicional e enfatiza a mandatoriedade da participação de cada um dos agentes envolvidos de forma conjunta. Esse aspecto talvez seja dos mais importantes, afinal, o ônus (não apenas econômico) da adequada destinação e disposição dos resíduos deve ser repartido entre todos os participantes da cadeia de produção e consumo, de forma a impedir que apenas alguns atores tenham que suportar sozinhos o custo que deveria ser distribuído. Nesses termos, a responsabilidade compartilhada pode dar mais sentido ao princípio do poluidor-pagador, segundo o qual o custo da “poluição” deve ser preferencialmente atribuído àquele que aufere os benefícios da sua geração.

No mais, foram incluídos princípios de utilidade bastante questionável, seja porque de previsão dispensável do ponto de vista legal, porquanto já contidos em outras Leis, seja porque procuram normatizar situações fáticas, valores econômicos e práticas de mercado, os quais além de dinâmica própria não seguem necessariamente uma lógica jurídica:

“III — a visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública;”

“VI — a cooperação entre as diferentes esferas do Poder Público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade;”

“VIII — o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania;”

“IX — o respeito às diversidades locais e regionais;”

“X — o direito da sociedade à informação e ao controle social;”

No que se refere aos objetivos, a Lei (artigo 7º) prevê os seguintes, os quais falam por si só:

“I — proteção da saúde pública e da qualidade ambiental;

II — não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos;

III — estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços;

IV — adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais;

V — redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos;

VI — incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;

VII — gestão integrada de resíduos sólidos;

VIII — articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas na cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos;

IX — capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos;

X — regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007;

XI — prioridade, nas aquisições e contratações governamentais,

para:

a) produtos reciclados e recicláveis;

b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;

XII — integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;

XIII — estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto;

XIV — incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados à melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluída a recuperação e o aproveitamento energético;

XV – estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável.”

Os instrumentos e sua regulamentação

A PNRS prevê um extenso rol de instrumentos (artigo 8º), cuja finalidade é viabilizar o atingimento dos objetivos acima descritos. Alguns desses instrumentos já possuem mecânica de funcionamento e aplicação conhecida e em vigor (ex. licenciamento ambiental, criação de padrões de qualidade ambiental pelo Conama e Termos de Ajustamento de Conduta), devendo ter ampliada a sua aplicação aos resíduos sólidos. Outros ainda dependem de regulamentação específica pelo Poder Público para terem efetividade.

“I — os planos de resíduos sólidos;”

Os planos de resíduos sólidos são talvez os principais instrumentos da PNRS. Eles devem ser preparados e apresentados em todos os níveis federativos do Estado e pelos geradores de resíduos sólidos.

O artigo 15 prevê um Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a ser elaborado pela União, cuja finalidade é estabelecer as metas, programas e ações para os próximos 20 anos, bem como apresentar um diagnóstico dos resíduos sólidos no Brasil. Tal plano deverá ser atualizado a cada 4 anos.

Os Planos Estaduais de Resíduos Sólidos, a teor do artigo 17, têm prazos idênticos e conteúdo semelhante ao Plano Nacional, porém, deverão ter um detalhamento maior quanto aos instrumentos estaduais de licenciamento, controle e fiscalização das atividades poluidoras, bem como procurar a gestão integrada e coordenada de aglomerações urbanas, regiões metropolitanas e microrregiões, incentivando a gestão dos resíduos pelos Municípios em consórcios. Os Estados poderão elaborar, em acréscimo, Planos Microrregionais, com a participação obrigatória dos Municípios envolvidos, observados os termos dos Planos Estaduais.

Já os Planos Municipais de Gestão dos Resíduos Sólidos (artigo 19) têm um escopo muito mais voltado à consecução dos objetivos (e não tanto ao planejamento e integração), metas e diretrizes dos Planos Nacional e Estaduais, assim como à gestão e operação dos serviços de coleta, reciclagem e destinação final dos resíduos. Os Planos Municipais poderão estar contidos no Plano de Saneamento Básico a que se refere a Lei 11.445/2007.

Os Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos são os documentos preparados pelas pessoas jurídicas de direito público ou privado que gerem os resíduos ou exerçam as atividades previstas no artigo 20, quais sejam:

I — os geradores de resíduos dos serviços públicos de saneamento básico exceto os resíduos considerados urbanos, de resíduos industriais, de resíduos de serviços de saúde e de resíduos de mineração;
II — os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que: a) gerem resíduos perigosos, b) gerem resíduos que, mesmo caracterizados como não perigosos, por sua natureza, composição ou volume, não sejam equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal;
III — as empresas de construção civil;
IV — os responsáveis pelos terminais e outras instalações de transporte como portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira;
V — os responsáveis por atividades agrosilvopastoris, se exigido pelo órgão competente do Sisnama, do SNVS ou do Suasa. O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos terá o conteúdo mínimo estabelecido no artigo 21 e deverá partir das premissas de ações estabelecidas no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do respectivo Município.

Nos termos do artigo 24, o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos integrará o processo de licenciamento ambiental e deverá haver uma pessoa responsável por informar ao órgão ambiental licenciador a execução das medidas do Plano periodicamente. Caberá ao órgão ambiental processar tais informações e repassar ao sistema de informações da União (SINIR).

O artigo 39 estabelece igualmente que as pessoas jurídicas referidas que operem, de uma forma geral, com resíduos perigosos (artigo 38) são obrigadas a elaborar Plano de Gerenciamento de Resíduos Perigosos e submetê-lo ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, observado o conteúdo mínimo estabelecido no artigo 21 e demais exigências previstas em regulamento ou em normas técnicas. Tal plano poderá fazer parte do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos da pessoa jurídica.

Os Planos são instrumentos que já vinham sendo utilizados por diversos Estados e Municípios com base nas respectivas legislações. A PNRS padronizou a exigência dos Planos para as atividades que gerem os resíduos acima mencionados, o que não impede que a legislação dos Estados faça exigências para outros setores, em complementação à legislação federal.

“II — os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos”

Os inventários de resíduos e o sistema declaratório anual já vinham sendo aplicados com base na Resolução Conama 313/2002. Passarão a integrar o sistema declaratório anual as informações dos Planos centralizados pelos órgãos ambientais licenciadores.

“III — a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;”

A consecução dos objetivos da PNRS depende necessariamente da participação coordenada de diversos atores da cadeia econômica dos produtos. A participação de cada um dos atores se dá de forma segregada, de modo que, para se atingir o objetivo da adequada destinação e disposição de resíduos sólidos é fundamental que cada etapa seja devidamente gerida por cada um dos atores, possibilitando que os demais façam sua parte na etapa seguinte da cadeia.

Por essa razão, cabe aos produtores fabricar produtos que gerem a menor quantidade de resíduos possível e cujos resíduos possam ser reaproveitados, reciclados ou dispostos com reduzido impacto ambiental. Os pontos de venda podem contribuir com disponibilização de estrutura de coleta e entrega voluntária de resíduos e servir como uma espécie de “entreposto logístico”. Ao consumidor cabe separar os resíduos descartados segundo os critérios estabelecidos, pois é isso que proporcionará a coleta adequada pelo Poder Público e empresas privadas, quando for o caso. A coleta separada e adequada é necessária, por outro lado, para viabilizar atividades de reciclagem ou a implantação de sistemas de reciclagem e logística reversa. Estas atividades proporcionarão um novo ciclo de vida ao produto e agregarão valor à cadeia econômica.

A responsabilidade compartilhada tem fundamento justamente na participação coordenada de cada um desses agentes na cadeia produtiva e ciclo de vida do produto, cada qual assumindo a responsabilidade e os custos relativos à sua atividade. De qualquer forma, a mera inclusão desses instrumentos no rol do artigo 8º não basta, por si só, para criar obrigações objetivas para todos os envolvidos no ciclo de vida dos produtos. O detalhamento e repartição das obrigações que cabe a cada um dos atores da cadeia produtiva é objeto das normas seguintes da Lei, dos acordos setoriais, planos de gerenciamento e das normas estaduais e municipais que tratam do tema.

“IV — o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;”

Diversos Municípios têm baseado seu sistema de coleta e destinação de resíduos sólidos no trabalho de catadores de lixo urbano, os quais coletam, fazem a triagem e vendem os resíduos a empresas recicladoras ou utilizadoras de resíduos como insumo.

Tal tema é bastante polêmico não só pela inadequação da utilização indiscriminada de associações de catadores de lixo como forma de resolver totalmente o problema da coleta municipal, já que diversos tipos de resíduos não têm aproveitamento para reciclagem e outros são perigosos, mas também porque, sob o ângulo social, é questionável o benefício de manter pessoas nas condições precárias e sem a estrutura adequada para lidar com os resíduos.

De toda a forma, a PNRS incluiu o trabalho das associações de catadores de lixo no rol de instrumentos e incentiva a criação e o desenvolvimento de cooperativas com essa finalidade. O trabalho dessas cooperativas, controvérsias à parte, deve ser desenvolvido da mesma forma coordenada com os demais agentes do ciclo de vida dos produtos e não deve ser encarada como uma alternativa de menor custo para o Poder Público, mas antes um instrumento complementar aos demais existentes para viabilizar os objetivos da PNRS.

“V — o monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária;”

Os órgãos de fiscalização deverão incorporar os preceitos da PNRS e passar a aplicar as obrigações ali previstas. Como se vê, a PNRS contém obrigações não apenas de caráter ambiental, mas sanitária e administrativa (em relação às obrigações dos próprios órgãos da administração pública, quanto à gestão do sistema), formando um regime regulatório bastante complexo.

O grande desafio será harmonizar a atuação dos órgãos envolvidos para que não haja sobreposição de atribuições e os já conhecidos conflitos entre órgãos licenciadores e fiscalizatórios, muito comuns na área ambiental.

“VI — a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos;”

VII — a pesquisa científica e tecnológica;

VIII — a educação ambiental;”

Grande parte da solução para a questão dos resíduos sólidos reside na capacidade dos setores privados e públicos em desenvolverem e ampliarem as formas de redução da geração de resíduos, de geração de resíduos menos poluentes e de reutilização desses resíduos, seja por reuso, seja por reciclagem. Todos esses aspectos dependem do domínio de conhecimento específico em relação aos resíduos por parte dos órgãos públicos, indústria, comércio e consumidores.

Em suma, a implementação da PNRS depende (i) da aplicação do atual conhecimento tecnológico para reciclagem ou reuso dos resíduos, (ii) do aperfeiçoamento dos métodos e técnicas para viabilização econômica dos usos pós-consumo, (iii) de aumento de escala na coleta, o que só é possível mediante a conscientização também dos consumidores acerca de suas obrigações relativas à coleta e adequada destinação dos resíduos e (iv) no contínuo desenvolvimento de novas formas de disposição segura dos resíduos que não puderem ser destinados à reutilização ou à reciclagem.

Daí a importância da cooperação técnica e financeira, da pesquisa científica e da educação ambiental, com vistas à geração de conhecimento sobre o tema.

“IX — os incentivos fiscais, financeiros e creditícios;

X — o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico;”

Segundo os artigos 16 e 18, a elaboração de Planos Estaduais e Municipais será condição para que Estados e Municípios tenham acesso a recursos dos Fundos e outros recursos da União. O artigo 15 prevê que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos disporá sobre as condições para acesso a esses recursos. Tais aspectos também deverão ser objeto do regulamento da Lei.

Quantos aos incentivos financeiros e fiscais, a Lei trata da matéria nos artigos 42 e seguintes e prevê o financiamento e a promoção de medidas de “I — prevenção e redução da geração de resíduos sólidos no processo produtivo; II — desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu ciclo de vida; III — implantação de infra-estrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda; IV — desenvolvimento de projetos de gestão dos resíduos sólidos de caráter intermunicipal ou (...) regional; V — estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa; VI – descontaminação de áreas contaminadas, incluindo as áreas órfãs; VII — desenvolvimento de pesquisas voltadas a tecnologias limpas aplicáveis aos resíduos sólidos; VIII — desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados à melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos.”

Em acréscimo, o artigo 44 faculta à União, Estados, Distrito Federal e Municípios criarem normas para ampliar as hipóteses de incentivos fiscais e creditícios para as atividades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional, para projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, e para as empresas dedicadas a limpeza urbana e atividades a ela relacionadas. Os incentivos federais serão concedidos prioritariamente aos consórcios públicos criados nos termos da Lei 11.107/2005.

“XI — o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos - SINIR;

XII — o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA);

XIII — os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde;

XIV — os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços de resíduos sólidos urbanos;

XV — o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos;”

Ainda em meio ao extenso rol de instrumentos da PNRS, a Lei previu os Sistemas de Informação e a participação da sociedade por meio dos conselhos de meio ambiente e órgãos colegiados municipais. Para que tais órgãos sejam efetivos na tomada de decisões, é preciso criar uma rede bastante ampla de informações sobre os Planos de Resíduos Sólidos, sua implementação e a geração de resíduos.

Diante disso, o artigo 12 institui o SINIR, que é o sistema que centralizará as informações prestadas, a serem definidas no regulamento, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e será articulado com o SINISA (Lei 11.445/2007) e o SINIMA (Decreto 6.101/2007).

Complementam as informações do SINIR o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais (Lei 6.938/81, artigos 17 e seguintes) e o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigos, este último que integrará o primeiro e também será coordenado pelo IBAMA. O artigo 38 estabelece que as pessoas jurídicas que operam com resíduos perigosos, em qualquer fase do seu gerenciamento, são obrigadas a cadastrar-se no Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos e manter um responsável técnico pelo gerenciamento desses resíduos e constante atualização dessas informações, nos termos do artigo 23.

Com base nessas informações poderão os conselhos de meio ambiente e órgãos colegiados tomar decisões relacionadas ao licenciamento de atividades e adoção de medidas ligadas aos resíduos sólidos.

“XVI — os Acordos Setoriais;”

Os Acordos Setoriais são, ao lado dos planos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, um dos aspectos cruciais para a implementação da PNRS. Por serem um dos instrumentos de implementação da responsabilidade compartilhada, os acordos setoriais serão tratados em tópico específico abaixo.

“XVII — no que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, entre eles:

a) os padrões de qualidade ambiental;

b) o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais;

c) o Cadastro Técnico Federal de Instrumentos de Defesa Ambiental;

d) a avaliação de impactos ambientais;

e) o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente (SINIMA);

f) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;

XVIII — os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta;

XIX — o incentivo à adoção de consórcios ou outras formas de cooperação entre os entes federados, com vistas na elevação das escalas de aproveitamento e na redução dos custos envolvidos.”

Por fim, integram a PNRS outros instrumentos já previstos e aplicados no âmbito da legislação ambiental, tais como os padrões de qualidade emanados do CONAMA (Resoluções 1A/86, 7/87, 2/91, 6/91, 8/91, 5/93, 23/96, 228/97, 258/99, 269/2000, 275/2001, 307/2002, 313/2002, 314/2002, 316/2002, 348/2004, 358/2005, 359/2005, 362/2005, 375/2006, 401/2008 e 420/2009, afora outras e sem prejuízo dos padrões estabelecidos pelos Estados); o Cadastro Técnico Federal (Lei 6.938/81) e os Termos de Compromisso e de Ajustamento de Conduta (Lei 7.347/85, Lei 9.605/98 e leis estaduais).

As Obrigações dos Geradores e do Poder Público
O Capítulo III da Lei (artigos 25 e seguintes) é dedicado às “Responsabilidades dos Geradores e do Poder Público”. Embora se tenha convencionado utilizar o termo responsabilidade para designar as obrigações das empresas, cidadãos e poder público em relação ao descarte e gestão de resíduos, as “responsabilidades” previstas na Lei são, na verdade, obrigações positivas impostas aos seus destinatários. A responsabilidade compartilhada ou mesmo a responsabilidade pós-consumo (que não tem previsão literal na PNRS, mas em algumas leis estaduais, municipais ou em normas administrativas), por seu turno, podem ser considerados princípios, segundo os quais as obrigações positivas devem ser interpretadas.

Tais aspectos não são meros detalhes jurídicos, mas elementos importantíssimos para se levar em consideração na aplicação da lei. Como se disse anteriormente, a Lei contém diversas normas programáticas, conceitos jurídicos indeterminados e dependentes de regulamentação administrativa e suplementar por Estados e Municípios. Tendo em vista que o sucesso da PNRS só se dará por meio de um grande esforço de coordenação de todos os atores envolvidos, é fundamental que as obrigações de cada um dos atores estejam bem detalhadas e delimitadas, de forma a evitar as diversas iniciativas legislativas locais, que não conferem tratamento uniforme aos atores envolvidos na cadeia de produção, podem gerar distorções com distintos tratamentos regionais e não deixam claras quais as atribuições esperadas – e que devem ser cobradas – do poder público, empresas e sociedades.

Em vista desses breves comentários, a disposição contida no artigo 25 “O poder público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efetividade das ações voltadas a assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos (...)” só pode ser entendida como uma norma principiológica que visa a determinar a interpretação das demais normas no sentido da necessidade de atuação conjunta de todos os setores como condição fundamental para o funcionamento da política proposta, cada qual “responsável” pelas obrigações e funções que lhes são atribuídas por lei.

Por inversão, o não funcionamento da política como um todo pode ser atribuído a uma coletividade de atores (ex.: Municípios, empresas de um determinado setor ou mesmo os consumidores) que não estejam cumprindo adequadamente suas obrigações. Nesse caso, a identificação da obrigação específica que não está sendo cumprida por esses atores (ex.: falta de um serviço municipal capaz de atender à coleta seletiva ou a utilização de substâncias impróprias para reciclagem em embalagens ou produtos sem uma justificativa técnica ou ainda falta de conscientização dos consumidores) tornará mais fácil que se exija de cada ator uma alteração de conduta (ex. nova licitação para adequar o sistema de coleta municipal, alteração da composição das embalagens, se e quando viável, aprimoramento e intensificação de campanhas de conscientização e medidas de educação ambiental). Essa forma de atuação, se efetivamente implementada, evitará que um ou poucos atores de uma cadeia específica de produtos arquem com o ônus ou sejam responsabilizados pela inação dos demais (ex.: ao se exigir das indústrias e redes de comércio que atuem na coleta de resíduos domiciliares, que é função dos Municípios).

Essa delimitação de obrigações fica bem clara nos artigos 26 e 27 da PNRS:

“Artigo 26. O titular dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos é responsável pela organização e prestação direta ou indireta desses serviços, observados o respectivo Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, a Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, e as disposições desta Lei e seu regulamento.

Artigo 27. As pessoas físicas ou jurídicas referidas no artigo 20 são responsáveis pela implementação e operacionalização integral do plano de gerenciamento de resíduos sólidos aprovado pelo órgão competente na forma do artigo 24.

Parágrafo 1º A contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, não isenta as pessoas físicas ou jurídicas referidas no artigo 20 da responsabilidade por danos que vierem a ser provocados pelo gerenciamento inadequado dos respectivos resíduos ou rejeitos.

Parágrafo 2º Nos casos abrangidos pelo artigo 20, as etapas sob responsabilidade do gerador que forem realizadas pelo poder público serão devidamente remuneradas pelas pessoas físicas ou jurídicas responsáveis, observado o disposto no parágrafo 5º do artigo 19.”

As atividades mencionadas no artigo 27 são: I — os geradores de resíduos dos serviços públicos de saneamento básico, exceto os resíduos considerados urbanos; de resíduos industriais, de resíduos de serviços de saúde e de resíduos de mineração; II — os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que: a) gerem resíduos perigosos e b) gerem resíduos que, mesmo caracterizados como não perigosos, por sua natureza, composição ou volume, não sejam equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal; III — as empresas de construção civil; IV — os responsáveis pelos terminais e outras instalações de transporte como portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira; V – os responsáveis por atividades agrosilvopastoris, se exigido pelo órgão competente do Sisnama, do SNVS ou do Suasa.

No que diz respeito ao gerador de resíduos sólidos domiciliares, o artigo 28 limita as etapas pelas quais há responsabilidade daquele que coloca o produto no mercado:

“Artigo 28. O gerador de resíduos sólidos domiciliares, ou de resíduos sólidos equiparados aos domiciliares pelo poder público municipal na forma do parágrafo único do artigo 13, tem cessada sua responsabilidade pelos resíduos com a disponibilização adequada para a coleta ou, nos casos abrangidos pelo artigo 33, com a devolução.”

A novidade da Lei em relação a outras normas estaduais e municipais em vigor é a definição de gerador de resíduos sólidos. Grande parte das normas atualmente em vigor considera o Município como gerador de resíduos domiciliares ou, por substituição, como responsável pela sua gestão. Segundo o artigo 3º da Lei, entretanto, o conceito de gerador foi ampliado, podendo incluir fabricantes, distribuidores, importadores, consumidores, etc.:

“(...)

IX – geradores de resíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo;”

Apesar da ampliação do conceito no artigo 3º, o artigo 28 limita a responsabilidade dos “geradores de resíduos domiciliares” até o momento da adequada disponibilização para a coleta. Resta saber como tal limitação será aplicada na prática, em especial porque, havendo disponibilização inadequada, a tendência é que os resíduos de diversos “geradores” estejam misturados de forma pulverizada. É provável que os órgãos públicos recorram à responsabilidade solidária nesses casos.

A Seção II do Capítulo sobre a responsabilidade dos geradores e do Poder Público é dedicada à responsabilidade compartilhada e ao detalhamento das obrigações de cada um dos atores envolvidos no ciclo de vida dos produtos. O artigo 30 institui a responsabilidade compartilhada dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores, titulares dos serviços de coleta e gestão de resíduos urbanos e de limpeza urbana por todo o ciclo de vida dos produtos.

Como já se adiantou acima, a responsabilidade compartilhada não é um princípio de solidariedade irrestrita entre todos os envolvidos na cadeia econômica dos produtos, mas um princípio que toma corpo por meio de diversas obrigações, “a ser implementad[o] de forma individualizada e encadeada”, conforme a redação dada pela própria Lei. Isto quer dizer que as obrigações que compõem a responsabilidade solidária são individuais em relação a cada ator do ciclo de vida do produto, de modo que não há solidariedade. Reforça esse sentido o encadeamento das obrigações, tendo em vista que o atingimento dos objetivos da lei depende de uma atuação complexa (de diversos agentes em sequência) e coordenada (com coerência de ações e centralizada nos Planos de Gestão do Poder Público).

O Parágrafo Único do artigo 30 define os objetivos da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como: “I — compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; II — promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou outras cadeias produtivas; III — reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais; IV — incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; V — estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; VI — propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; VII — incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.”

Em seguida, a Lei da PNRS passa a especificar as obrigações dos atores envolvidos no ciclo de vida dos produtos. No detalhamento das obrigações dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, o artigo 31 estabelece, afora aquelas constantes dos Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e demais obrigações específicas (constantes dos acordos setoriais, por exemplo) as seguintes obrigações gerais: I — investir no desenvolvimento de produtos aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou à outra forma de destinação ambientalmente adequada e cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; II — divulgar informações sobre as formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus produtos; III — recolher os produtos e os resíduos remanescentes após o uso e dar destinação final adequada aos produtos objeto de sistema de logística reversa na forma do artigo 33; e IV — a participar das ações previstas no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa.

O artigo 33 complementa o artigo 31 ao atribuir obrigações adicionais, ligadas a ações de logística reversa, para os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos e respectivas embalagens, produtos ou resíduos classificados como perigosos, de uma forma geral, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes (resíduos e embalagens), lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e produtos eletrônicos e respectivos componentes. Tais produtos já estão sujeitos a regulamentação específica relativa ao descarte e destinação final adequada, nos termos de leis federais e estaduais, normas do Conama e outras normas estaduais aplicáveis.

A princípio, a obrigação de implementar a logística reversa está restrita aos setores da indústria e comércio desses produtos, porém, tal obrigação pode ser estendida a “produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados”, e verificada, pelo Poder Público, “a viabilidade técnica e econômica da logística reversa, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.”

A forma pela qual o Poder Público avaliará a viabilidade técnica e econômica de se exigir a logística reversa da indústria e o do comércio não está definida. De qualquer forma, a PNRS garante uma certa flexibilidade no trato dessa questão, pois a logística reversa não é uma solução universalmente aplicável a todos os setores e produtos. Os acordos setoriais serão instrumentos importantíssimos na definição das formas de implementação da logística reversa (ou de suas alternativas).

Viabilidade à parte, a PNRS estabelece que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes são responsáveis por “todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo”, podendo, entre outras medidas, implantar procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados, disponibilizar postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis e atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

Os consumidores também têm obrigações no âmbito da logística reversa, devendo devolver aos comerciantes ou distribuidores os produtos e as embalagens sujeitos à logística reversa após o consumo. Os comerciantes e distribuidores, por sua vez, deverão devolver aos fabricantes ou aos importadores os produtos e embalagens. No final da cadeia de logística reversa, cabe aos fabricantes e aos importadores dar destinação ambientalmente adequada aos produtos e às embalagens.

Os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes podem entrar em acordo com os concessionários dos serviços públicos de coleta e destinação de resíduos sólidos, nos termos do parágrafo 7º do artigo 33: “Se o titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, por acordo setorial ou termo de compromisso firmado com o setor empresarial, encarregar-se de atividades de responsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes nos sistemas de logística reversa dos produtos e embalagens a que se refere este artigo, as ações do poder público serão devidamente remuneradas, na forma previamente acordada entre as partes.”

Aos fabricantes de embalagens foram imputadas igualmente obrigações associadas à responsabilidade compartilhada, devendo utilizar materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem. Além disso, as embalagens devem ser restritas em volume e peso às dimensões requeridas à proteção do conteúdo e à comercialização do produto, projetadas de forma a serem reutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com as exigências aplicáveis ao produto que contêm; e recicladas, se a reutilização não for possível. Também nessa hipótese a PNRS confere certa medida de flexibilidade no cumprimento dessas obrigações, ao dispor que o regulamento tratará dos casos em que, por razões de ordem técnica ou econômica, não seja viável a aplicação dessas obrigações. Está sujeito às obrigações do artigo 32 “todo aquele que: I — manufatura embalagens ou forneça materiais para a fabricação de embalagens; II — coloca em circulação embalagens, materiais para a fabricação de embalagens ou produtos embalados, em qualquer fase da cadeia de comércio.”

O artigo 34 da PNRS trata da utilização dos acordos setoriais como um dos instrumentos de concretização da responsabilidade compartilhada. Segundo a definição do artigo 3º da Lei, os acordos setoriais são “ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto”. Nesse instrumento deverão estar previstas a repartição de obrigações entre empresas dos diversos setores e o Poder Público, bem como a forma pela qual os envolvidos implantarão os sistemas de logística reversa ou medidas de reutilização e reciclagem, quando for o caso.

Nos termos do artigo 34, os acordos setoriais ou termos de compromisso podem ter abrangência nacional, regional, estadual ou municipal, sendo que os acordos setoriais e termos de compromisso firmados em âmbito nacional têm prevalência sobre os firmados em âmbito regional ou estadual, e estes sobre os firmados em âmbito municipal. Na aplicação dessas regras os acordos firmados com menor abrangência geográfica podem ampliar, mas não abrandar, as medidas de proteção ambiental constantes nos acordos setoriais e termos de compromisso firmados com maior abrangência geográfica.

A responsabilidade compartilhada abrange também as obrigações do Poder Público e dos consumidores, além daquelas até aqui já descritas. A teor do artigo 35 da PNRS, o estabelecimento do sistema de coleta seletiva pelo Poder Público obriga o consumidor a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

Já ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, observado, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, cabe, de acordo com o artigo 36: “I — adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; II — estabelecer sistema de coleta seletiva; III — articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; IV — realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso na forma do parágrafo 7º do artigo 33, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; V — implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; VI — dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.”

O mesmo dispositivo prevê ainda dois aspectos que podem suscitar controvérsias, quais sejam, priorização das cooperativas ou associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda e a dispensa de licitação para o estabelecimento de um sistema de coleta seletiva.

Resíduos Perigosos

A PNRS prevê normas específicas para as atividades que gerem ou que, de alguma forma, lidem com resíduos perigosos. Estabelece o artigo 37 que a instalação e o funcionamento dessas atividades deverão ser precedidos, no âmbito do processo de licenciamento ambiental, de comprovação de capacidade técnica e econômica e de condições para prover os cuidados necessários ao gerenciamento desses resíduos. Não ficou claro, com essa redação, o que pretendeu a Lei em termos práticos. Se além de dispositivos de segurança e controle de poluição o órgão ambiental precisará analisar capacidade econômica, será preciso definir critérios para tal avaliação, já que a lei não traz elementos para tanto.

As demais obrigações relativas a essas atividades, nos termos dos artigos 38, 39 e 40, são: (a) inscrever-se no Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos, (b) manter, como funcionário, responsável técnico pelo gerenciamento dos resíduos perigosos, (c) elaborar plano de gerenciamento de resíduos perigosos e submetê-lo ao órgão competente do Sisnama, e se couber, do SNVS, (d) manter registro atualizado e facilmente acessível de todos os procedimentos relacionados à implementação e à operacionalização do plano do plano de gerenciamento de resíduos, (e) informar anualmente ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, sobre a quantidade, a natureza e a destinação temporária ou final dos resíduos sob sua responsabilidade, (f) adotar medidas destinadas a reduzir o volume e a periculosidade dos resíduos sob sua responsabilidade, bem como a aperfeiçoar seu gerenciamento, (g) informar imediatamente aos órgãos competentes sobre a ocorrência de acidentes ou outros sinistros relacionados aos resíduos perigosos e (h) a contratação de seguro de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública, se assim exigido pelo órgão ambiental.

O artigo 41 trata da obrigação da União de estruturar e manter instrumentos e atividades voltados à descontaminação de áreas órfãs. Complementa tal obrigação a de os responsáveis pela contaminação ressarcirem o Poder Público. Tal disposição não está adequadamente inserida no capítulo referente aos resíduos perigosos, primeiro porque tal assunto merece um tratamento mais detalhado, preciso e, portanto, segregado, segundo porque contaminações não decorrem necessariamente da disposição inadequada de resíduos perigosos, pois podem ter como causa outros resíduos ou substâncias e produtos que não necessariamente são resíduos perigosos.

Proibições

A Lei da PNRS contém um capítulo dedicado à proibição de determinadas práticas de “gestão” de resíduos sólidos. Muitas dessas proibições já vinham sendo aplicadas com base em leis esparsas, estaduais e municipais, ou pela imposição de medidas de controle de poluição pelos órgãos ambientais. A grande questão é saber em que medida terá o Poder Público condições de cumprir e fazer cumprir essas proibições, em especial os Municípios. Nos termos do artigo 47, estão proibidas as práticas com resíduos de: “I — lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos; II — lançamento in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração; III — queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para esta finalidade; IV — outras formas vedadas pelo poder público.” Em situações de emergência sanitária e mediante prévia autorização e acompanhamento do órgão competente, a proibição de queima de resíduos pode ser excepcionada.

O artigo 48 do Projeto de Lei foi retirado da PNRS e proibia a disposição final de rejeitos e a instalação de aterros sanitários ou industriais em Unidades de Conservação e em áreas de preservação permanente ou de proteção de mananciais, salvo se houver compatibilidade com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação.

Estão igualmente proibidas pelo atual artigo 48 da PNRS (artigo 49 do Projeto de Lei), nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos: “I — utilização dos rejeitos dispostos como alimentação; II — catação, observado o disposto no inciso V do artigo 17; III — criação de animais domésticos; IV — fixação de habitações temporárias ou permanentes; V — outras atividades vedadas pelo poder público.”

O artigo 49 proíbe a “importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente e à saúde pública, animal e sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação.” Este dispositivo, contudo, tende a trazer ainda mais problemas a um tema que já é objeto de muitas controvérsias atualmente. Já existem, entre outras, normas do Conama e internacionais, tais como a Convenção de Basiléia sobre o Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e sua Disposição (1989), que procuram dar um tratamento mais abrangente e detalhado sobre o assunto e, mesmo assim, a questão da importação de resíduos permanece sendo constantemente discutida.

Se por um lado há uma legítima preocupação de que o Brasil e outros países em desenvolvimento não recebam resíduos como forma de baratear os custos de disposição adequada nos países em que foram gerados, por outro lado há uma tendência crescente inegável de que os resíduos sejam uma das principais fontes de insumos, principalmente, industriais. É preciso rever determinados conceitos estabelecidos pela legislação no passado se a intenção é implementar um sistema em que a reciclagem, reuso e outras formas de reutilização sejam efetivas e tenham viabilidade técnica e econômica. A proibição simples e categórica do artigo 49 não considera toda a complexidade do assunto, tampouco cria norma relevante que já não esteja contemplada em outras normas.

Disposições Finais e Transitórias

A Lei trata de temas bastante relevantes em suas disposições finais e transitórias.

Com vistas ao estabelecimento de efeitos criminais ao descumprimento das obrigações relativas à atualização de informações sobre a implementação e a operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos sólidos pelos geradores (artigo 23) e das obrigações das pessoas que lidem com resíduos perigosos (artigo 39, parágrafo 2º), o artigo 52 estabelece que tais obrigações são consideradas de relevante interesse ambiental para efeitos do artigo 68 da Lei 9.605/98, sem exclusão de outras sanções cabíveis nas esferas penal e administrativa. Portanto, o descumprimento dessas obrigações pode ter implicações criminais, apesar de já se poder vislumbrar questionamentos quanto à constitucionalidade dessa forma de criminalização de obrigações da PNRS.

O parágrafo 1º do artigo 55 da Lei 9.605/98 foi alterado para acrescentar outros fatos típicos ao caput (“Artigo 56 Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa”). A nova redação do parágrafo 1º é a seguinte: “Parágrafo 1º Nas mesmas penas incorre quem: I — abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; II — manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento.”

Por fim, são estabelecidos os seguintes prazos para cumprimento de obrigações: (a) a disposição final adequada dos rejeitos deverá ser implantada em até 4 anos após a data de publicação da Lei, salvo disposição em contrário dos planos estaduais e municipais de resíduos sólidos com o objetivo de adequá-lo às condições e necessidades de cada região (artigo 54); (b) o disposto nos artigos 16 e 18 (elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Resíduos Sólidos) entrará em vigor 2 anos após a publicação da Lei (artigo 55); e (c) a logística reversa relativa aos produtos de que tratam os incisos V e VI do caput do artigo 33 (lâmpadas e produtos eletroeletrônicos) será implementada progressivamente, segundo cronograma estabelecido em regulamento (artigo 56).

Conclusões

A PNRS é um marco regulatório abrangente, pois lida com questões bastante complexas e uma diversidade de interesses sociais, ambientais e econômicos em praticamente todas as atividades. O principal objetivo a ser atingido com essa Lei é a uniformização dos princípios e linhas gerais da gestão dos resíduos sólidos em todo o território nacional, face ao tratamento nos âmbitos estadual e municipal que vinha sendo dado justamente pela lacuna na legislação federal.

O atual cenário de proliferação de leis locais esparsas, conferindo tratamento isolado e, sobretudo, sem um rigor de coerência com as normas gerais não tem sido suficiente para a resolução dos problemas enfrentados com a destinação inadequada dos resíduos domiciliares. O aspecto positivo da PNRS é justamente buscar a integração e coordenação de ações dos diversos atores envolvidos por meio de um grande número de instrumentos legais, alguns já existentes, outros novos.

A despeito de alguns pontos suscitarem dúvidas jurídicas acerca de sua constitucionalidade, pode-se antever que o sucesso da PNRS na consecução de seus objetivos dependerá, sobretudo, da capacidade de atração de todos os atores para assumirem e cumprirem suas respectivas obrigações, bem assim de incentivos e mecanismos econômicos que permitam a execução da PNRS.


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[1] Acredita-se que a menção deveria ter sido feita à Lei 7.802/89, que trata dos agrotóxicos e foi alterada pela Lei 9.774/2000.

Fonte: Portal Consultor Jurídico

Menos da metade dos domicílios têm rede de esgoto, aponta IBGE

Mais da metade das famílias brasileiras ainda vivem sem sistema de esgoto. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 44% dos domicílios do país têm acesso à rede geral de esgoto e 55,2% dos municípios do Brasil oferecem à população serviços de coleta de esgoto.

Os números, referentes a 2008, mostram que, em oito anos, pouco foi feito no que se refere a coleta e tratamento de esgoto no país. Em 2000, as cidades que ofereciam estas redes somavam 52,2%, atendendo a 33,5% das residências do país.
A principal alternativa encontrada pelos municípios que não possuíam a coleta foi a construção de fossas sépticas. O aumento, em relação ao levantamento realizado em 2000, foi de 7,4%.

Somente o Sudeste apresentava, em 2008, ampla rede coletora de esgoto, atingindo 95,1% dos municípios. Em todas as outras regiões do país, menos da metade das cidades ofereciam o serviço. O pior cenário foi verificado no Norte do país, onde havia esgoto apenas em 13,4% dos municípios.

Dentre as cidades que realizavam coleta de esgoto, apenas 28,5% o tratavam. O IBGE ressalta, entretanto, que "apesar de menos de um terço dos municípios terem tratamento de esgoto, o volume tratado representava 68,8% do total coletado no país".

Já a maior parte dos resíduos sólidos continua sendo jogada em "lixões". Em 2008, os vazadouros a céu aberto eram o destino final do lixo produzido em 50,8% das cidades brasileiras.

Em 2008, quase todo o Brasil (99,4%) apresentava rede de água encanada, ainda que muitas vezes apenas em parte da cidade. Dos 5.531 municípios atendidos por redes de abastecimento, entretanto, apenas 12,8% realizavam o tratamento da água. Nos outros 87,2%, a água era distribuída sem qualquer tipo de cuidado.

Ao todo, 45,3 milhões de domicílios eram atendidos, em 2008, pelo sistema de fornecimento de água encanada, o que representa 78,6% do total.

(Francine De Lorenzo | Valor)


Fonte: Uol/Valor

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Dois pesos, duas medidas.

Por Martin Khor*

A empresa petrolífera BP foi obrigada a pagar pelo dano que causou no Golfo do México. Os países em desenvolvimento deveriam realizar ações similares e exigir que “quem contamina paga”, afirma Martin Khor neste artigo.


Em uma ação muito divulgada, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, conseguiu que a empresa de petróleo BP pagasse US$ 20 bilhões para compensar as enormes perdas que provocou o vazamento de petróleo no Golfo do México. Piores catástrofes ecológicas, provocadas por empresas frequentemente norte-americanas em países em desenvolvimento, causaram a perda de muito mais vidas e tiveram custos ambientais e sociais mais altos do que os da BP.

O caso mais extraordinário foi o da cidade indiana de Bhopal, onde a emissão de gases venenosos de uma fábrica de pesticidas, da empresa norte-americana Union Carbide, afetou, em 1984, mais de meio milhão de pessoas, matou imediatamente 2.300 e mais 15 mil a 30 mil posteriormente. A fábrica foi vendida em 1992, para uma firma local e, em 2001, passou para as mãos da Dow Chemical. Porém, nem esta nem a Union Carbide aceitaram a responsabilidade pelo desastre.

A Índia emitiu uma ordem de prisão contra o presidente da Union Carbide na época do desastre, Warren Anderson, mas este nunca foi a julgamento. A empresa pagou US$ 470 milhões em 1989, quantia muito pequena diante da enorme quantidade de mortos e afetados que continuam sofrendo as consequências dessa catástrofe. No dia 7 de junho deste ano, um tribunal indiano determinou que sete ex-executivos da empresa indiana subsidiária da Union Carbide eram culpados de negligência e os condenou a dois anos de prisão.

Os moradores de Bhopal ficaram descontentes diante da leveza da pena. Contudo, o processo e o exemplo de Obama deram força a novas ações em defesa do meio ambiente na Índia.

Outro caso é do Equador, cuja região amazônica foi contaminada por petróleo em quantidade muito maior do que a vazada no Golfo do México, quando a Texaco operou nessa área, entre 1964 e 1990. Em 2001, a empresa foi comprada pela Chevron. Os indígenas da área denunciaram à justiça que o lixo tóxico da exploração de petróleo se infiltrou no solo, nas camadas subterrâneas e nas correntes de água, e que muitas crianças morreram pelo envenenamento do meio ambiente.

O informe de um especialista – questionado pela empresa – estima que 1.400 pessoas morreram de câncer devido à contaminação por petróleo nessa área do nordeste equatoriano. Os grupos indígenas abriram um processo judicial contra a Chevron de US$ 27 bilhões e acusam a multinacional de ter derramado mais de 345 milhões de galões de petróleo e de ter enterrado 18,5 bilhões de galões de lixo tóxico em fossos cavados em plena selva.

O terceiro caso acontece no delta do Rio Níger, na Nigéria, onde a anglo-holandesa Shell, a norte-americana ExxonMobil e outras empresas extraem petróleo. Em um artigo do jornal The Observer, John Vidal descreveu como o petróleo derramado contaminou pântanos, rios, selvas e terras de cultivo na região. “A cada ano vaza mais petróleo da rede de terminais do delta, das tubulações, das estações de bombeamento e das plataformas de extração do que o derramado no Golfo do México”, escreveu.

Segundo um relatório de 2006, no delta do Níger foram dispersadas mais de 1,5 milhão de toneladas de petróleo no último meio século, 50 vezes mais do que a contaminação causada no Alasca pelo navio-tanque Exxon Valdez, em 1989. Em 1º de maio, o rompimento de um oleoduto da ExxonMobil lançou mais de um milhão de galões no delta durante sete dias. Grossas bolas de alcatrão foram recolhidas ao longo da costa em uma enorme tarefa de limpeza. As pessoas do lugar culpam a contaminação pela queda da expectativa de vida das comunidades rurais para pouco mais de 40 anos.

Estes casos ilustram o grande contraste entre o que o governo dos Estados Unidos faz para que uma empresa pague pelo desastre ambiental e o modo como empresas similares à BP conseguem evitar as compensações ou desembolsam somas insignificantes. O que Washington fez merece elogios. Os países em desenvolvimento deveriam aprender esta lição e realizar ações semelhantes, em linha com o princípio de que “quem contamina paga”.

Os governos dos países de origem das multinacionais deveriam agir para que estas compensem devidamente se causarem danos ambientais quando operam em outras nações. Deveria ser alcançado um acordo internacional para que as empresas paguem indenizações apropriadas pelos danos ambientais que causam.

* Martin Khor é diretor-executivo do South Centre, com sede em Genebra.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.



(Envolverde/Terramérica)

MCidades apresenta Programa de Resíduos Sólidos Urbanos em BH.

Investimento em 128 galpões beneficiam 4,2 mil catadores.

O Ministério das Cidades investe R$ 50 milhões do Orçamento Geral da União (OGU) por meio do Programa de Resíduos Sólidos Urbanos, na construção de 128 galpões para 4,2 mil catadores. O programa atende regiões metropolitanas, Distrito Federal e entorno e municípios com mais de 50 mil habitantes. Os dados foram divulgados pela gerente de projetos da Secretaria Nacional de saneamento Ambiental (SNSA), Nadja Limeira Araújo, que representou o Ministério das Cidades no 9º Festival Lixo e Cidadania, em Belo Horizonte, onde apresentou ações voltadas à inclusão de catadores.

Nadja Araújo apresentou o Programa de Resíduos Sólidos Urbanos, lançado no âmbito da primeira etapa do Programa de Aceleração do Crescimento, que tem como objetivo construir e equipar galpões de triagem para a coleta seletiva e promover inclusão de catadores de lixo. ”O MCidades está empenhado em apoiar a demanda de catadores contribuindo para criação de condições dignas, como o processo de inclusão social e emancipação de catadores”, afirma.

Com o tema “Participar, agir, transformar. Está em nossas mãos”, o evento conta com palestras e debates sobre temas como resíduos sólidos, desenvolvimento sustentável, reciclagem, lixo e cidadania. O 9º Festival Lixo e Cidadania reúne catadores de todo o Brasil e de outros países da América do Sul, além de instituições públicas, municípios, estados e o Governo Federal. Entidades governamentais ligadas à área de resíduos sólidos e organizações apoiadoras dos catadores também participam do festival. Programação cultural, feira de produtos reciclados, oficinas e exposições fazem parte do evento que termina sábado (21).



(Envolverde/Ministério das Cidades )

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

MMA entrega ao Governo primeira proposta para regulamentar política de resíduos .

O Grupo de Trabalho (GT) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), responsável pela regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), recentemente aprovada no Congresso Nacional, entrega, no próximo dia 20, ao Governo Federal, uma minuta de proposta sobre o assunto.

As propostas apresentadas estarão focadas em cinco temas que constam da PNRS. São eles: Logística Reversa; Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos; Instrumentos Econômicos e Financeiros da nova política; os planos de resíduos sólidos; e os resíduos perigosos.

No passo seguinte, o Governo iniciará diálogo com outras áreas para, num prazo de 90 dias, conforme solicitado pelo presidente Lula, finalizar a proposta de regulamentação da nova lei. Estão previstas discussões com a sociedade e com governantes estaduais e municipais.

De acordo com a PNRS, logística reversa é o instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. Aqui entram os resíduos eletroeletrônicos.

Pela nova política, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão e manterão, de forma conjunta, o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Senir), articulado com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (Sinisa) e o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente (Sinima).

Os estados, municípios e o DF ficam incumbidos de fornecer ao órgão federal responsável pelo sistema todas as informações necessárias sobre os resíduos sob sua esfera de competência, na forma e na periodicidade estabelecidas em regulamento.

Instrumentos econômicos - Um outro tema a ser trabalhado pelo GT é quanto aos instrumentos econômicos para dar suporte à nova política. Segundo o texto aprovado pelo Congresso, caberá ao Poder Público instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para as seguintes iniciativas: prevenção e redução da geração de resíduos sólidos no processo produtivo; desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu ciclo de vida; implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda.

Também definirá financiamento para o desenvolvimento de projetos de gestão dos resíduos sólidos de caráter intermunicipal; para estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa; descontaminação de áreas contaminadas; desenvolvimento de pesquisa voltadas a tecnologias limpas aplicáveis aos resíduos sólidos; e ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados à melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos.

No que se refere aos resíduos perigosos, a lei diz que a instalação e o funcionamento de empreendimento ou atividade que gere ou opere com resíduos perigosos somente podem ser autorizados ou licenciados pela autoridades competentes se o responsável comprovar, no mínimo, capacidade técnica e econômica, além de condições para prover os cuidados necessários ao gerenciamento destes resíduos.

Em suas disposições gerais, a nova política prevê a a instituição de um Plano Nacional de Resíduos Sólidos; dos planos estaduais de resíduos sólidos; de planos microrregionais de resíduos sólidos e os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; os planos intermunicipais; os planos municipais de gestão integrada e os planos de gerenciamento.

A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos foi aprovada no Senado Federal no dia 2 de agosto, após quase 20 anos de tramitação no Congresso Nacional. Seu texto representa um amplo consenso envolvendo todos os atores que fazem parte dos mais diversos ciclos da produção de resíduos sólidos no Brasil. Ela trata de temas amplos e variados que já fazem parte do dia-a-dia das pessoas, envolvendo conceitos como área contaminada, ciclo de vida do produto, coleta seletiva, controle social, destinação final ambientalmente adequada, gestão integrada, reciclagem, rejeitos, responsabilidade compartilhada, reutilização e serviço público de limpeza urbana.

Fonte: Ministério do Meio Ambiente

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Os municípios e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010.

Por Antonio Silvio Hendges

Atualmente, 63,6% dos municípios brasileiros encaminham seus resíduos sólidos para lixões, 18,4% para aterros controlados, 13,8% para aterros sanitários e 4,2% utilizam queima controlada e mecanismos de triagem e reciclagem. A gestão dos resíduos sólidos é um dos grandes desafios da sustentabilidade e do desenvolvimento: somente os EUA descartam mais de 217 milhões de toneladas anuais de resíduos sólidos (594.520 mil toneladas/dia); no Brasil são 87,6 milhões de toneladas/ano ou 240 mil toneladas/dia.


A maioria dos municípios brasileiros tem dificuldades de gerenciar seus resíduos principalmente pela falta de recursos e pouca capacidade técnica na gestão de seus serviços de limpeza pública, coleta seletiva, organização e tratamento adequados. A formação de consórcios municipais ou inter federativos facilitará a sustentabilidade ambiental e econômica, financiamento adequado e capacitação técnica e gerencial dos recursos humanos envolvidos, possibilitando a inclusão social em nível regional através da formação de cooperativas e associações de trabalhadores em reciclagem, indispensáveis na implantação da logística reversa e da responsabilidade compartilhada prevista pela Lei 12.305/2010. Podem ser feitos acordos setoriais entre as esferas de governos e os setores empresariais para facilitar a gestão, principalmente da logística reversa. O Ministério do Meio Ambiente através da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano é o principal articulador institucional da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A grande dimensão territorial do Brasil com realidades distintas e problemas diferenciados de acordo com o desenvolvimento econômico das regiões e municípios, torna indispensável elaborarem-se planos regionais e municipais integrados de gestão dos resíduos sólidos, inclusive como condição básica para acesso aos recursos disponibilizados pela União e Estados ou por estes gerenciados e/ou financiados. A garantia de participação, informação e controle social também são grandes contribuições que os municípios poderão realizar, organizando os cidadãos para a responsabilidade compartilhada e incentivando a inserção econômica e produtiva dos trabalhadores cooperativados, dinamizando as economias locais através da geração de renda e melhoria da qualidade de vida dos munícipes.

Certamente a lei 12.305/2010 vai incentivar as pessoas a se envolverem mais na questão da destinação dos resíduos, aumentando a necessidade de atenção que os municípios deverão ter nesta atividade, sendo indispensáveis departamentos e secretarias capacitadas, com recursos humanos, logística, equipamentos e financiamento adequados, integradas com o conjunto de serviços municipais e com as atividades econômicas desenvolvidas em suas áreas de ação.

Antonio Silvio Hendges, articulista do EcoDebate, é Professor de biologia e agente educacional no RS.

Portal EcoDebate

Agenda 21 influencia na melhor gestão de resíduos sólidos

Por Luiz Motta


Pesquisa realizada pela Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental (Saic/MMA) mostrou que, dos fóruns locais de Agenda 21 ativos, 63% obtiveram alguma ação concreta na gestão de resíduos sólidos.

A pesquisa, realizada em 2009, recebeu informações de 177 processos de agenda 21, que envolveram diretamente 1.111 pessoas de todo o Brasil, sendo 45% representantes da sociedade civil, 43% do poder público e 11% de pessoas ligadas a área de educação e conselhos.

Outro dado importante: que a adoção dos princípios da Agenda 21 conseguiu, em 53% das experiências, obter também resultados na recuperação de áreas degradadas.

A pesquisa mostrou ainda que, em 70% das experiências, a mobilização conseguiu fortalecer ou mesmo criar Secretarias Municipais de Meio Ambiente e em 59% influenciaram na criação dos Conselhos Municipais de Meio Ambiente.

O objetivo da pesquisa foi fornecer elementos para que gestores do MMA atualizassem o Programa Agenda 21 com base nos temas ambientais emergenciais (como o tema das mudanças climáticas) que devem ser incorporados às políticas públicas municipais.

"A ideia era levantar onde a adoção das estratégias da Agenda 21 tiveram mais sucesso, para podermos reaplicá-los, e também mais dificuldades, para que se possa corrigir o rumo", afirma Geraldo Abreu, coordenador da Saic.



(Envolverde/MMA)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Os impactos ambientais dos reservatórios artificiais

Por Altair Sales Barbosa

As principais bacias hidrográficas do Brasil estão sendo reguladas pela construção de reservatórios, os quais isoladamente ou em cascata causam importantes impactos qualitativos e quantitativos nos principais ecossistemas das águas interioranas.

Os reservatórios de grande porte são utilizados para diversas finalidade: hidroeletricidade, reserva de água para irrigação, reserva de água potável, produção de biomassa (cultivo de peixes e pesca intensiva, transporte (hidrovias), recreação e turismo.

Inicialmente, a construção de hidrelétricas e a reserva de água para diversos fins foi o principal propósito. Nos últimos vinte anos, os usos múltiplos desses sistemas diversificaram-se, ampliando a importância econômica e social desses ecossistemas artificiais e, ao mesmo tempo, produzindo e introduzindo novas complexidades no seu funcionamento e impactos. (Tundisi, 1994).


Esta grande cadeia de reservatórios tem, portanto, um enorme significado econômico, ecológico, hidrológico e social; em muitas regiões do país esses ecossistemas foram utilizados como base para o desenvolvimento regional. Em alguns projetos houve planejamento inicial e uma preocupação com a inserção regional; em outros casos, este planejamento foi pouco desenvolvido. Entretanto, devido às pressões por usos múltiplos, estudos intensivos foram realizados com a finalidade de ampliar as informações existentes e promover uma base de dados adequada que sirva como plataforma para futuros desenvolvimentos (Arcifa et alii, 1981; Paiva et alii, 1994; Barrow, 1987; Garzon, 1984, Tundisi, 1990, 1993; Tundisi et alii, 1991; Braga et alii, 1998).

Em todas as regiões do Brasil há, portanto, um grande número de reservatórios: os menores com 1,5 milhões de metros cúbicos de água, e os maiores com 100-200 bilhões. A morfometria dos reservatórios varia, mas, de um modo geral, o padrão dendrítico predomina, com muitos compartimentos o que complica o estudo, a amostragem e o manejo desses reservatórios. Baixa declividade e inundação de grandes áreas são, portanto, características da maioria dos reservatórios hidrelétricos no Brasil. Áreas alagadas associadas a esses reservatórios, são fatores de heterogeneidade espacial e são importantes compartimentos a considerar. Estas áreas alagadas podem ser utilizadas como região de reprodução para peixes, podem funcionar como sistemas tampão para a eliminação de Nitrogênio (por denitrificação) e Fósforo (por incorporação na biomassa). Nestes grandes sistemas, tal como naqueles do Amazonas, São Francisco, Goiás, Tocantins ou do Estado de São Paulo, a variabilidade horizontal pode ser considerada em uma escala macrogeográfica. Os principais tributários contribuem com muitas fontes de material dissolvido e particulado, produzindo grande variabilidade espacial.

A esta variabilidade espacial sobrepõe-se uma variabilidade temporal produzida por alterações climatológicas principalmente precipitação e ventos e o sistema operacional das represas, o que depende de seu uso. A descarga do reservatório, é também uma função de força fundamental que atua, tanto a jusante quanto a montante. Precipitação e vento estabelecem padrões climatológicos fundamentais. Durante intensa precipitação, a matéria inorgânica em suspensão aumenta em grande quantidade reduzindo a transparência, a produção primária fitoplanctônica, e a sobrevivência das macrofitas. A concentração de oxigênio dissolvido na água pode reduzir-se em até 70%.

As diferenças em tempo de retenção introduzem novos mecanismos de alteração dos reservatórios, principalmente composição das comunidades zooplanctônicas e fitoplanctônicas (composição de espécies, sucessão, biomassa, produtividade e colonização).

Os impactos da construção de represas são relativamente bem documentados para muitas bacias hidrográficas. Estes impactos estão relacionados ao tamanho, volume, tempo de retenção do reservatório, localização geográfica e localização no continuum do rio. Os principais impactos detectados são:

• inundação de áreas agricultáveis;

• perda de vegetação nativa e da fauna nativa terrestres;

• interferência na migração dos peixes;

• mudanças hidrológicas a jusante da represa;

• alterações na fauna do rio;

• interferência no transporte de sedimentos;

• aumento da distribuição geográfica de doenças de veiculação hídrica;

• perdas de heranças históricas e culturais, alterações em atividades econômicas e usos tradicionais da terra;

• problemas de saúde pública, devido à deterioração ambiental;

• problemas geofísicos devido a acumulação de água foram detectados em alguns reservatórios com grandes volumes.

• perda da biodiversidade, terrestre e aquática;

• efeitos sociais por relocação.

Todas estas alterações podem resultar de efeitos diretos ou indiretos.

Reservatórios em cascata como os construídos nos rios Tietê, Grande, Paranapanema, São Francisco, Tocantins, etc., produzem efeitos e impactos cumulativos, transformando inteiramente as condições biogeofísicas, econômicas e sociais de todo o rio.

A construção de barragens em cascata, produz extensas modificações gerais nos seguintes processos nos rios:

• Alteração do regime hidrológico devido à regulação do fluxo e do nível, e conseqüentemente, modificações na altura das variações hidrométricas. Com isto modificam-se regimes de inundação e áreas alagadas.

• Modificações nos ciclos biogeoquímicos. As represas retém fósforo e exportam nitrogênio a jusante. A retenção de fósforo é realizada em função da precipitação de fosfato férrico no sedimento devido à anulação e reoxigenação. Devido a estas alterações, o sistema e o acúmulo de nutrientes modificam-se produzindo um método de eutrofização nos sistemas a jusante. Neste caso, a entrada de nutrientes de montante é reduzida (para o caso do Fósforo).

• Alterações no sistema de reprodução de peixes e na fauna e flora das áreas de inundação. As modificações no regime hidrológico e na vazão, com as barragens, interferindo nos ciclos de reprodução dos peixes, impedindo a migração.

• Retenção de sedimentos nos reservatórios a montante, com isto acentua a capacidade de erosão da água a jusante. A retenção de sedimentos interfere com os ciclos biogeoquímicos e a qualidade da água.

Deve-se ressaltar o efeito conjunto das represas em cascata e seus impactos cumulativos.

A construção de represas é capaz de produzir grandes alterações na biota de águas interiores do Brasil. As grandes alterações ocorrem principalmente com a fauna de peixes, uma vez que as espécies sul americanas estão adaptadas a rios com correntes rápidas, migrando para a reprodução. A zona pelágica dos reservatórios é muito pouco utilizada pelos peixes. Além da alteração produzida pela construção de barragens, muitas represas foram repovoadas com espécies exóticas, tornando a rede alimentar a composição das comunidades e a exploração comercial extremamente complexas.

O impacto na biodiversidade também é grande, pois a biota das águas interiores está submetida a uma série de variados impactos decorrentes das atividades humanas nas diferentes bacias hidrográficas tais como:

• Poluição, contaminação e introdução de substâncias tóxicas;

• Introdução de espécies exóticas predadoras;

• Remoção da vegetação ciliar em rios, represas e lagos;

• Atividades excessivas de pesca;

• Aumento do material em suspensão na água devido a atividades agrícolas;

• Uso excessivo de equipamentos de recreação;

• Deterioração da margem de rios, represas e lagos;

• Remoção e destruição de áreas alagadas;

• Eutrofização excessiva;

• Alteração na flutuação do nível da água e interferência no sistema hidrológico;

• Remoção de espécies de grande importância na rede alimentar;

• Aumento de navegação e transporte;

• Desmatamento em geral e perda da vegetação inundável;

• Intensificação das atividades de mineração;

• Alterações nas condições químicas e físicas das águas (qualidade da água) – temperatura, oxigênio dissolvido, pH (por acidificação), nutrientes (por eutrofização).

Qualquer programa de conservação da biota deve ser baseado no conhecimento das interações entre o reservatório e a bacia hidrográfica. A manutenção da diversidade regional da biota e da qualidade da água são um desafio importante para o desenvolvimento sustentado dos recursos hídricos e do seu componente biológico. A preservação de áreas de sistemas naturais com alta biodiversidade e espécies endêmicas é fundamental para a recuperação de ecossistemas e para o conhecimento mais profundo de processos de interação entre os componentes abiótico e biótico do sistema.

Verdesio (1990) assinala que a formação de reservatórios tem sido outro elemento deturpador do meio ambiente, afetando este de diversas maneiras:

• modifica o ambiente lótico que passa a ser béntico, com mudanças drásticas da fauna aquática;

• inunda extensas áreas, destruindo ambientes e terras, às vezes de alto valor agrícola, ecológico, ou arqueológico;

• serve de barreira ecológica para a migração de fauna;

• provoca ocupação descontrolada na sua bacia, favorecendo a erosão dos solos e afetando o próprio reservatório;

• favorece a proliferação de doenças transmitidas por vetores aquáticos.

Estudos realizados pela Universidade de Nagoya no Japão, tem demonstrado que a grande quantidade de água retida artificialmente no interior, tem provocado pequenas mudanças no movimento de rotação da Terra, fato que com o passar do tempo inevitavelmente afetará o magnetismo do Planeta, com modificações na Magnetosfera. Esse fator se concretizado afetará a camada de ozônio e a atmosfera baixa da Terra como conseqüência da irradiação dos gases cósmicos cuja vida no planeta será colocada em estado de risco.

O preenchimento rápido dos reservatórios, ainda impede a retirada da madeira e esta, a medida que entra em decomposição libera na atmosfera grande concentração de metano. Além do que, a vegetação inundada que abrange uma grande área, deixa de sequestrar carbono, aumentando dessa forma as concentrações deste elemento na atmosfera, contribuindo para aumentar o efeito estufa.

Portanto, se pretendemos ainda vislumbrar algum futuro, não é possível mais brincar com questões tão serias pensando somente na premissa falsa de um bem-estar momentâneo.

Altair Sales Barbosa é professor titular da PUC Goiás, doutor em Antropologia/Arqueologia pela Smithsonian Institution de Washington D.C. Estados Unidos.

Fonte: EcoDebate