quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O que será dos catadores com o fim dos lixões?

Eles são os maiores responsáveis pela inserção dos materiais na cadeia produtiva da reciclagem de resíduos, mas continuam como o elo mais frágil e penalizado.

Por Rafaela Francisconi Guiterrez*


Nas últimas décadas, houve um acelerado crescimento do consumo de produtos industrializados e descartáveis. Em 2010, o País produziu 195 mil toneladas de resíduos sólidos por dia, um aumento de 6,8% em relação a 2009, quando foram geradas 182.728 toneladas (ABRELPE, 2010). No Brasil, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 18% dos 5.565 municípios possuem programas de coleta seletiva de resíduos. No entanto, esses resíduos descartados de maneira seletiva ou recolhidos diretamente dos lixões e aterros são cada vez mais utilizados como fonte de renda para milhares de pessoas, já que os brasileiros descartam todo ano cifras que equivalem a bilhões de reais em resíduos recicláveis.

No cenário brasileiro, um dos aspectos mais relevantes dessa questão é o papel que milhares de catadoras e catadores de resíduos desempenham diariamente. Coletam, separam por categorias, compactam, acondicionam e comercializam os resíduos que são descartados por nós. Ao exercerem estas atividades, são os maiores responsáveis pela inserção dos materiais recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem de resíduos, pois coletam aproximadamente 90% dos resíduos que alimentam estas indústrias brasileiras (MNCR, 2009).

No entanto, estes catadores e catadoras, que trabalham de maneira individual nas ruas, lixões, aterros ou organizados em cooperativas e associações, são ainda o elo mais frágil e penalizado dessa cadeia produtiva. Presentes no cenário dos resíduos há diversas décadas, estes profissionais vêm ampliando suas atividades na tentativa de se fortalecerem e avançarem na cadeia produtiva da reciclagem, principalmente por meio de organizações coletivas, quer seja no campo da produção (trabalho associado, formação de redes de comercialização e beneficiamento dos resíduos) ou enquanto movimento social.

Estima-se que exista no Brasil aproximadamente um milhão de catadores de materiais recicláveis (CEMPRE, 2010), sendo que mais de 13 mil estão organizados em cooperativas, associações ou grupos informais (BRASIL, 2007). Isto significa que a grande maioria dos catadores trabalha individualmente nas ruas, lixões e aterros. Em 2010 foi aprovada a PNRS – a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305; veja reportagem) – com diversos objetivos, dentre eles a eliminação e recuperação dos lixões. Nesse contexto, o que acontecerá com esses trabalhadores e trabalhadoras?

A PNRS prevê a eliminação dos lixões associada à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Estes trabalhadores não poderão simplesmente ser tolhidos de suas atividades e expulsos dos lixões. O governo deverá incentivar a criação e o desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de organização coletiva de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, como previsto na Lei.

Nesse momento, outros atores importantes, que já atuam na luta por melhores condições de trabalho e para o fortalecimento dos empreendimentos coletivos de catadores, deverão ser envolvidos nesse processo, como é o caso de muitas universidades, incubadoras universitárias de empreendimentos coletivos populares e organizações não governamentais (ONGs). O governo terá o importante papel de articular e contratar estas instituições para realizarem todas as atividades pertinentes para a inserção desses catadores em empreendimentos coletivos já existentes e/ou para a criação de novos empreendimentos.

No entanto, não basta que estes catadores autônomos estejam inseridos em empreendimentos coletivos. É necessário e urgente que estes empreendimentos se fortaleçam para deixarem de ser explorados e que avancem na cadeia produtiva da reciclagem pois, como apresentado em estudo com cooperativas de catadores do Estado de São Paulo (GUTIERREZ & ZANIN, 2011), o acesso à infraestrutura e a conhecimentos adequados possibilita agregar valor ao produto, traz melhores condições de venda e, consequentemente, melhoria na qualidade de vida e do trabalho. Isso porque ainda hoje a maioria dos catadores realiza suas atividades na ponta da cadeia de valor da reciclagem de resíduos e geralmente são subordinados aos atravessadores, que efetuam a intermediação comercial e controlam a logística para armazenagem e transporte do material até as indústrias de processamento e transformação (FÉ & FARIA, 2011).

Essa situação mantém os catadores vulneráveis às variações no preço do material e dependentes dos atravessadores para o escoamento da produção. Por isso, é preciso auxiliar o acesso desses empreendimentos de catadores tanto à infraestrutura mínima (por exemplo, barracão com espaço adequado para triagem e armazenamento dos resíduos, caminhão para coleta seletiva e transporte dos resíduos, computadores, prensas, mesas, carrinhos etc.) quanto aos conhecimentos necessários para a gestão coletiva do empreendimento (trabalho coletivo, autogestão, economia solidária, capacitação técnica e gerencial, planejamento estratégico, assessoria na comercialização, administração, busca por recursos e outros). Dessa forma, esses empreendimentos terão melhores condições de sair da situação de precariedade que a maioria se encontra atualmente.

A PNRS também prioriza a implantação da coleta seletiva com a participação de empreendimentos coletivos de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formada por pessoas físicas de baixa renda. Essa é uma alternativa para a humanização e formalização do trabalho realizado pelos empreendimentos de catadores que poderão ser contratados para realizarem a coleta seletiva nas cidades, como já acontece em alguns municípios brasileiros.

Mas, para que isso seja alcançado, outras atividades devem ser realizadas de maneira articulada ao processo de sensibilização e inserção dos catadores. Será fundamental um trabalho de conscientização e inclusão da população na responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos e na participação da coleta seletiva implementada nos municípios brasileiros, já que o descarte correto dos resíduos trará o aumento da quantidade e uma melhora na qualidade da matéria-prima a ser reciclada.

Há ainda muito o que fazer para que esses catadores, que movem a reciclagem de resíduos no Brasil, e exercem uma função inestimável para a minimização dos impactos ambientais causados pela quantidade de resíduos descartados, deixem de viver na precariedade a que estão submetidos e possam avançar na cadeia produtiva da reciclagem. É preciso um esforço articulado entre governos (municipal, estadual e federal), população, empresas e outros atores envolvidos (universidades, incubadoras, ONGs, Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos e outras instituições).

*Rafaela Francisconi Guiterrez é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/UNICAMP) e colaboradora da Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos (INCOOP/UFSCar).

Fonte:Pré-Univesp

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