Especialistas sugerem que condições externas influenciam mais o ensino do que estrutura da escola.
Em outubro de 2011, o economista e filósofo Eduardo Giannetti apontava como um dos principais problemas da educação básica brasileira a má formação neurológica de crianças por causa de doenças nos primeiros anos de vida. Entre os motivos, o saneamento básico precário de várias cidades brasileiras. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades, 53,8% da população brasileira não possui serviço de coleta de esgoto.
Os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (Ipea) Paulo Roberto Corbucci e Eduardo Luis Zen publicaram,
recentemente, estudo que relaciona fatores externos – entre eles o
saneamento básico – com os números do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), citado por eles no material como principal
indicador de desempenho do sistema educacional brasileiro.
O estudo considerou os índices de abastecimento de água,
esgotamento sanitário e coleta de lixo na comparação com os resultados
no Ideb. Nos três casos, observou-se redução nos índices de educação
baixos (menos de quatro pontos) de acordo com o aumento da presença dos
serviços nos municípios. Na tabela de esgotamento sanitário, por
exemplo, a proporção de Idebs baixos e médio-inferiores (entre quatro e
cinco pontos) atinge 73% do total quando a incidência do serviço foi
menor que 50%.
Para Corbucci, o estudo sugere que as condições sociais
têm impacto maior que a estrutura interna das escolas analisadas pela
pesquisa, como presença de bibliotecas, laboratórios de informática e
ciências e infraestrutura pedagógica. “Mostra que é um equívoco investir
só na escola. O segredo é a agregação de políticas públicas, de forma
matricial e sistêmica. Na verdade, as políticas afetam umas às outras”, diz.
A pesquisadora Anne Jardim Botelho, em sua tese de
mestrado, abordou o tema utilizando dados sociais, cognitivos e de saúde
de 210 crianças, com idades entre 7 e 11 anos, residentes em
Americaninhas, comunidade rural de Minas Gerais. Segundo o estudo,
crianças afetadas por doenças como a ascaridíase e “amarelão”,
decorrentes de problemas de saneamento básico da região, apresentaram
piores resultados em testes aplicados. “Essas doenças são de fácil
prevenção. São contraídas pela ingestão ou penetração na pele, através
do solo ou de alimentos contaminados”.
Anne explica que as doenças podem afetar a formação
escolar por dois mecanismos básicos. “Há prejuízo nutricional, alguns
vermes se apropriam de nutrientes, principalmente calorias, vitaminas e
minerais. Pode causar, inclusive, anemia. Isso afeta a boa formação do
sistema nervoso e o desempenho cognitivo”. O segundo ponto negativo
seria a dificuldade de aprendizado gerada pelos sintomas. “Crianças com
alta carga parasitária se sentem cansadas, apáticas, indispostas e
sonolentas. Elas acabam perdendo o interesse nos processos escolares,
faltam mais à aula”.
Quanto mais cedo pior
Em artigo publicado em seu site, o médico Dráuzio
Varella afirma que quadros de diarreia (sintoma comum relacionado a
essas doenças) frequente durante os cinco primeiros anos de vida podem
privar o cérebro das calorias necessárias para o desenvolvimento pleno e
comprometer para sempre o quociente intelectual (QI). De acordo com
ele, 87% das calorias ingeridas por recém nascidos são utilizadas na
construção do cérebro. O número decai conforme a idade: 44% aos cinco
anos e 34% aos dez, por exemplo.
Citando os mesmos 87% para crianças de zero a dois anos,
Giannetti afirma que essa informação deveria estar no centro do projeto
de futuro do Brasil: o País não estaria sabendo resolver um problema de
agenda social do século XIX e, assim, condenando parte da população
brasileira ao fracasso intelectual. Anne defende investimentos na área
de saneamento como uma das necessidades básicas para melhorar a educação
básica, juntamente com a nutrição adequada de crianças.
Até o final de 2014, o Instituto Trata Brasil promete
lançar “estudo aprofundado que relaciona problemas de saneamento básico e
educação”, conforme o presidente executivo da instituição, Édison
Carlos. O projeto é desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio
Vargas (FGV).
Fonte: Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário