quarta-feira, 27 de maio de 2009

Com prazo contando, setor de pilhas ainda não organizou sistema de coleta de usadas

Fernanda Dalla Costa

A cerca de 18 meses do prazo legal para coletar todas as pilhas usadas vendidas no Brasil, os principais fabricantes ainda não montaram sistemas para atender à lei e não decidiram se o destino final será a reciclagem das pilhas, criando entraves para o desenvolvimento de tecnologias nacionais de processamento e a consolidação do ciclo do produto, apurou a Revista Sustentabilidade.

"A tecnologia para tratar as pilhas usadas nós temos, o que não temos são grandes quantidades necessárias de matéria prima [pilhas usadas]", informou Marcelo Mansur, professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (DEMET) da Universidade Federal de Minas Gerais.

A Revista Sustentabilidade apurou que existem novas tecnologias de extração e reaproveitamento dos elementos químicos das pilhas em desenvolvimento, mas falta material para testar a viabilidade econômica, o que limita o escopo das pesquisas.

Além de reduzir o potencial de desenvolvimento tecnológico, deixar a organização da coleta para o último momento, pode resultar num acúmulo do material, reduzindo a capacidade de processá-lo adequadamente após o início da coleta obrigatória das pilhas gastas.

"A questão das pilhas e baterias no Brasil exige um tratamento mais sofisticado do que jogar fora em um lixo qualquer", explicou Júlio Carlos Afonso, professor do Departamento de Química Analítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Não adianta termos tecnologias viáveis, se não tivermos a participação humana na aplicação da tecnologia".

Mesmo assim, os donos das principais marcas de pilhas comercializadas no país – Duracell, Rayovac e Panasonic –, que juntas detêm mais de 50% do mercado de pilhas, orientam os consumidores a jogar as pilhas no lixo doméstico. O volume não é pequeno, pois estima-se que um bilhão de pilhas são vendidas por ano no Brasil.

Apesar do descarte no lixo doméstico não ser ilegal enquanto as pilhas atendem os limites máximos de metais pesados – cadmio, zinco, chumbo, manganês e mercúrio -, o perigo se dá porque apenas 35% das cerca de 5000 mil cidades brasileiras tem aterros sanitários. A maioria dos municípios ainda usam lixões que carecem de controle de qualidade embiental.

Além disso, estima-se que 40% das pilhas vendidas são contrabandeadas ao país e estão fora dos padrões de segurança ambiental. Estas pilhas são em geral fabricadas na Ásia, especialmente na China, contêm concentrações de cádmio e chumbo cerca de 10 vezes superiores que a permitida pela resolução Conama 257/1998. Enquanto isso, os teores de zinco e manganês, que são os elementos ativos das pilhas, têm concentrações mais baixas que o mínimo exigido pela mesma legislação, o que reduz a vida útil do produto e aumenta o descarte e, conseqüentemente, a poluição.

Mesmo que o Conama tenha considerado seguro o descarte de pilhas nos aterros sanitários, pesquisas realizadas pelo Departamento de Química Analítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) demonstraram a corrosão e exposição da pasta eletrolítica de pilhas nacionais em apenas um dia quando a pilha foi imersa em água do mar, 30 dias quando imersa em chorume e 60 dias quando exposta à água da chuva.

"Se considerarmos que o material nem sempre é corretamente descartado, temos um problema enorme, que nem sempre é do conhecimento da sociedade", explicou Afonso da UFRJ.

COLETA

O fato de que a maioria das empresas que fabrica ou importa pilhas não coleta o produto descartado resulta num índice de coleta baixo de cerca de 0,5% de todas a pilhas comercializadas, pois dependendem de ações voluntárias de empresas privadas, que encontram dificuldade em processá-las pois existem poucas empresas que fazem a reciclagem do material.

Ao primeiro olhar, a lei brasileira parece ser mais avançada.

Diferentemente da lei européia, a legislação brasileira exigirá a coleta de todas as pilhas comercializadas, índice maior que a exigência no velho mundo de coletar 25% de todas as pilhas e baterias consumidas até 2012 e, até 2016, 45% de todas as pilhas devem ser coletadas.

No entanto, na Europa, a nova legislação determina que pelo menos a metade das pilhas coletadas deve ser reciclada. A lei brasileira omite menção à reciclagem mesmo que compartilhe a responsabilidade da coleta com a rede de assistência técnica dos fabricantes e o varejo.

De qualquer maneira, a Europa começa de um nível mais alto de reciclagem, pois mesmo sem a obrigação continental, dados de 2006 mostraram que a Bélgica coletava 59% das pilhas; a Suíça – 55%; a Austria – 44%; a Alemanha 39%; a Holanda – 32% e a França – 16%. Um total de 10% de todas as pilhas consumidas na Eurozona.

Mas o exemplo para o Brasil são os Estados Unidos que reciclam 90% das 3 bilhões de pilhas consumidas anualmente.

ANTENADAS

Com o relógio ticando no Brasil, as empresas parecem estar atentas às mudanças.

A Panasonic do Brasil declarou estar preparando um programa baseado na criação de um "pool" de empresas fabricantes e importadoras de pilhas, para dividir os custos de recolhimento e destinação.

A empresa ainda não tem uma expectativa do volume que será recolhido e não decidiu se o destino do material será a reciclagem ou a destinação final, já que considera ambos os processos onerosos.

"A Panasonic está se preparando para iniciar, no prazo previsto, o recolhimento e destinação de todas as pilhas usadas de sua marca que forem devolvidas pelo consumidor nos pontos de vendas deste produto", disse José Mariano Filho, gerente de Relações Externas da Panasonic do Brasil. "Se trata de um processo demorado, uma vez que envolve a criação de toda uma logística de retorno deste material para um ou vários lugares específicos, a empresa vem trabalhando na formulação deste projeto, para que no prazo devido esteja adequada ao cumprimento da legislação.”

A Microlite S/A, fabricante das pilhas e baterias das marcas Rayovac e Varta, informou que iniciaria as discussões para a implantação do plano de gerenciamento de pilhas após a publicação pelo IBAMA da Instrução Normativa prevista na Resolução 401.

A Duracell, importadora de pilhas comuns, e a Philips, que produz pilhas recarregáveis, não responderam às solicitações de informações da Revista Sustentabilidade. Enquanto a Sony informou que realiza a coleta junto às assistências técnicas da marca mas não informou o volume coletado nem o destino dos produtos.

De acordo com Marcia Ribeiro, advogada da Energyzer, a empresa está se preparando nos termos da lei, em conjunto com as outras empresas participantes do grupo temático de pilhas e baterias da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica [Abinee].

Já Aurélio Barbato, assessor de coordenação da Abinee, reconheceu a importância da Resolução 401 do Conama e está aguardando a sua regulamentação.

"Enquanto isso estamos nos adequando", informou sem dar mais detalhes "O importante é que a resolução foi acolhida [pelo setor]".

Para o Conselho de Logística Reversa do Brasil a inação das empresas pode ser resultado de falhas na legislação, pois a recém-criada lei não considera todos os elos da cadeia de consumo das pilhas e baterias, desde o consumidor até as entidades e empresas que eventualmente vão receber este material.

"O consumidor precisa ter um estímulo para devolver as pilhas, o que não está previsto na lei", considerou Paulo Roberto Leite, presidente do conselho.

Leite explicou que a implementação de um sistema de logística reversa para pilhas é complexo, pois o fato das pilhas serem pequenas e fáceis de serem transportadas resulta numa dispersão geográfica grande. Além disso o sistema de coleta é potencialmente caro, pois nos pontos de coleta pode ocorrer mistura com outros produtos, requerendo uma separação seletiva do material, enquanto a lei determina, sem dar instrumentos, que os produtores e importadores são responsáveis por recolher os produtos que vendem.

"É um custo muito alto para um produto com valor intrínseco muito baixo", informou. "Pergunto: qual empresa vai gastar com coleta e destinação adequada para pilhas que não foram produzidas por ela?".

Com todos estes problemas, Leite concluiu que o prazo de novembro 2010 para que o sistema comece a funcionar é curto e que as empresas já deveriam ter tomado algumas decisões.

"Essa questão é agravada pela baixa presença do setor nas reuniões do Conselho de Logística Reserva do Brasil, no qual procuramos mapear e resolver os entraves da logística reversa para diversos materiais.", lembrou.

PROBLEMAS

Apesar do baixo índice de coleta e reciclagem, segundo Afonso, que pesquisa o produto há mais de uma década, os estudos nacionais se destacam mundialmente.

Jorge Alberto Soares Tenório, professor de engenharia metalúrgica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Paulo (USP) concordou.

"Nesse sentido, o Brasil está adiantado, principalmente em termos de hemisfério sul, onde os outros países não têm nenhuma legislação sobre o tema, muito menos coleta ou estudos sobre reciclagem desses materiais", disse. "Esse é um problema mundial".

Grandes centros de pesquisas brasileiros, entre eles a Escola Politécnica da USP, o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (DEMET) da Universidade Federal de Minas Gerais e o Departamento de Química Analítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já pesquisam a reciclagem de pilhas e baterias.

"Todos estudam coisas bem aplicadas, com estratégias muito parecidas", disse Tenório, professor da USP e um dos pioneiros desse tipo de estudos no Brasil.

A falta de coleta seletiva e a pequena escala com que os pesquisadores conseguem desenvolver suas pesquisas, acaba interferindo no desenvolvimento da própria tecnologia de reciclagem das pilhas e baterias, já que a demanda não atende de forma contínua os pesquisadores.

"Não existem patentes [sobre reciclagem de pilhas] no Brasil por uma questão de escala", afirma Tenório.

Por enquanto os controladores das três principais marcas de pilhas – Duracell, Rayovac e Panasonic – que juntas detêm mais de 50% do mercado de pilhas, orientam os consumidores a jogar as pilhas no lixo doméstico.

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