A implantação de 267 mil cisternas em domicílios situados no semiárido brasileiro vem modificando não apenas a paisagem do lugar como a qualidade de vida e a saúde da população beneficiada. Um estudo desenvolvido pela Fiocruz Pernambuco, como parte integrante do Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), investigou o impacto das cisternas no número e na duração dos episódios de diarreia em membros de 417 famílias residentes em 21 municípios do semiárido pernambucano. O trabalho concluiu que o risco de ocorrência de diarreia nos moradores que não utilizam cisternas foi duas vezes maior do que naqueles que fazem uso deste tipo de reservatório.
No que se refere ao número de ocorrências da diarreia, a diferença foi ainda mais significativa: os moradores sem cisternas tiveram cinco vezes mais diarreia do que aqueles que a utilizavam. “Verificamos também que a duração da doença nas pessoas que não fazem uso da cisterna foi mais prolongada. Enquanto entre os moradores que tem cisternas o maior período registrado foi de dez dias, entre as pessoas que não tinham cisternas encontramos casos que chegaram a durar até 20 dias”, explicou o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Carlos Luna.
Segundo os pesquisadores, o acesso e a qualidade da água são fatores determinantes no processo de ocorrência de doenças. A pesquisa também mostrou que o indivíduo que não usa hipoclorito de sódio na água da cisterna tem risco cerca 80% maior de ter diarreia. “Não basta ter as cisternas. É preciso usar de maneira adequada a água de chuva captada pelo telhado e armazenada nesses reservatórios, evitando possíveis contaminações. É comum alguns moradores utilizarem água de carros-pipa na cisterna e essa água nem sempre é de qualidade, o que já compromete a saúde de quem a utiliza”, explicou o pesquisador da Fiocruz Pernambuco e um dos coordenadores do estudo André Monteiro.
A diarreia ainda hoje figura no mundo como uma das principais causas de adoecimento e morte de crianças com idade entre 1 e 4 anos. Em Pernambuco, embora as taxas de mortalidade venham diminuindo ao longo dos anos – com uma redução de 181,3%, no período entre 1996 a 2006 – ainda são registrados cerca de 3,9 episódios por criança/ano. No universo estudado pela Fiocruz, 245 crianças menores de 5 anos dispunham de cisternas em suas casas e 244, com a mesma idade, não contavam com as cisternas. Entre elas, o número de casos de diarréia foi três vezes maior naquelas que não tinha reservatório em suas casas.
Realizada em 2003, a pesquisa contou com duas etapas. Na primeira, os pesquisadores investigaram hábitos sanitários, características dos moradores e dos domicílios em residências que possuem cisternas construídas pelo P1MC, comparando com moradores de domicílios sem cisternas, estratificando sexo e grupos etários, além de avaliar o risco de ocorrência de diarréia. Nessa fase, a ocorrência de casos de diarréia era auto-referida.
Numa segunda etapa, durante dois meses, os investigadores estimaram o risco e avaliaram o número de casos novos de diarreia, o número e a duração dos episódios, nos moradores residentes em 219 domicílios que têm cisternas construídas pelo P1MC. Esses dados foram comparados com as informações colhidas entre moradores de 198 domicílios sem cisternas, num total de 1.985 pessoas entrevistadas. Divididos por sexo e grupos etários, o estudo teve como um dos critérios de inclusão na amostra pelo menos um dos moradores do domicílio ter menos de cinco anos de idade.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1 bilhão de pessoas ainda não tem acesso à água potável e 2,2 bilhões de pessoas sofrem com doenças transmitidas pela água todos os anos. O Programa 1 Milhão de Cisternas é coordenado pela Articulação do Semiárido (ASA), que reúne 700 ONGs para desenvolver ações de convivência do semiárido. O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores da Fiocruz Pernambuco em parceria com a Agência de Saúde Pública do Canadá.
Reportagem de Rita Vasconcelos, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 05/02/2010
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