quarta-feira, 7 de agosto de 2013

América Latina vai conseguir cumprir os ODMs para água e esgoto?



As deficiências na prestação dos serviços de água potável e esgotamento sanitário afetam negativamente não somente a saúde e a dignidade das pessoas mas dificultam a luta contra a pobreza e indigência, limitam oportunidades de desenvolvimento socioeconômico e causam dano ao meio ambiente. A preocupação dos governos de todo o mundo por melhorar a provisão destes serviços se expressa de forma visível no compromisso de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), onde se comprometeram para o ano 2015, a reduzir à metade o percentual de pessoas que não contavam em 1990 com acesso sustentável à água potável e a serviços básicos de esgotamento sanitário.

Os dados mais recentes do Programa Conjunto de Monitoramento para o Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (JMP) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostram que, ainda que a situação varie muito entre os países, a região da América Latina e Caribe já superou o ODM de acesso a fontes melhoradas de água potável, e é possível que alcance a meta em acesso a instalações melhoradas de esgotamento sanitário.

Quanto à situação em nível nacional, a maioria dos países da região (77%), alcançou ou é provável que atinja a meta em água potável. Ao mesmo tempo, ainda que mais de 1/3 (36%) tenha logrado a meta de acesso ao esgotamento sanitário, é pouco provável que a maioria (54%) alcance este ODM.

Apesar do aparente êxito na expansão de acesso a serviços melhorados entre os anos 1990 e 2011 — de 85% a 94% em água potável e de 68% a 82% em esgotamento sanitário —, há razões para crer que a metodologia utilizada para calcular os níveis de cobertura, assim como a exclusão das dimensões qualitativas do acesso aos serviços, fazem com que os ganhos reais sejam muito mais modestos. Estas seriam, na opinião de especialistas da Comissão Econômica da América Latina (Cepal) algumas destas dimensões:

Soluções tecnológicas

De acordo com as definições de cobertura utilizadas, se contabiliza como acesso melhorado à água inclusive bicas públicas, poços tubulares ou fontes protegidas, e no caso de esgotamento sanitário, latrinas e banheiros de compostagem. Mas se for adotada uma definição mais restritiva de cobertura — em sintonia com as preferências da população —, a situação muda consideravelmente. Por exemplo, só 88% da população contam com acesso a água encanada dentro da casa, pátio ou pequeno pedaço de terreno, e provavelmente menos de 60% estão conectados a sistemas convencionais de rede de esgoto.

Cabe observar que, pelo menos nas cidades, as conexões domiciliares constituem a solução de maior demanda da população, questão que é, em geral, compatível com sua capacidade de pagamento.

É preocupante que vários governos da região venham sistematicamente excluindo da agenda pública o tema dos serviços de água potável e esgotamento sanitário. Isto pode ser constatado pela sistemática desaceleração na expansão de cobertura destes serviços desde o ano 2000, precisamente a data em que foram aprovados os ODMs, decênio economicamente mais favorável que os anos 90 assim como um debilitamento das entidades de regulação, e até em alguns casos, aberto questionamento da necessidade de sua existência. Este último fato é especialmente preocupante já que em setores de serviços públicos, a eficiência — com prestação tanto pública (estatal ou municipal) como privada — depende de maneira crítica do marco regulatório adotado.

A eficiência é importante porque reduz os custos tanto da prestação como da expansão e contribui para a sustentabilidade. Custos mais baixos implicam maior equilíbrio financeiro, junto com maiores e melhores possibilidades de uso. Ao contrário, ao elevar artificialmente os custos da prestação, a ineficiência fere a equidade e põe em risco a sustentabilidade.
Equilíbrio financeiro

Muitos países da região realizaram reajustes tarifários para um nível que permita o autofinanciamento mas poucos criaram sistemas efetivos de subsídios para grupos de baixa renda. Como resultado disto, em várias das grandes cidades, o peso da conta básica mensal no salário das camadas mais pobres alcança entre 5% e até 10% em alguns casos.

Diferenças sociais e geográficas

As deficiências dos serviços afetam majoritariamente aos grupos de baixos salários. Isto significa que 70% das pessoas que não têm acesso à água potável e mais de 80% das que carecem de serviços de esgotamento sanitário, corresponde a dos que recebem menos salários.
Adicionalmente, nas áreas rurais as coberturas são sistematicamente mais baixas: 15% no caso da água potável e 24% para os serviços de esgotamento sanitário.
 
Qualidade do serviço
 
Lamentavelmente, é muito frequente que a qualidade dos serviços, inclusive em áreas importantes das principais cidades da região, não seja boa. Por exemplo, muitos sistemas de abastecimento de água potável têm problemas de intermitência, com serviço efetivamente disponível por algumas horas ao dia ou alguns dias na semana.

Além disso, a população coberta com sistemas adequados de vigilância e controle da qualidade da água é muito limitada inclusive nas áreas urbanas. Em alguns casos, a água não é desinfectada de forma efetiva, tendo como resultado um alto risco de exposição a diversas enfermidades para as pessoas que consomem água diretamente da torneira.

Se for adotada a definição de acesso “seguro e adequado”, a cobertura de água potável poderia ser entre 15% e 20% menor em comparação com as estimativas da JMP, e entre 20% e 40% menor no caso do esgotamento sanitário.
 
Sustentabilidade
 
Ainda é pouco frequente que a prestação dos serviços se autofinancie através das tarifas, as concessões de empréstimos e financiamentos dependem de prioridades políticas que mudam com o tempo e é comum que sejam cortadas em tempos de crises. Além disso, há indícios de que com frequência não são feitos nem mesmo os investimentos necessários na reposição dos ativos existentes. Deve-se acrescentar também que uma parte importante da infraestrutura se encontra deteriorada.

Muitas fontes de captação estão em perigo frente à pressão da crescente competição pela água, enquanto mais de 2/3 das águas servidas são despejadas sem tratamento prévio nos corpos d'água mais próximos causando graves problemas de contaminação. Tudo isto ameaça a sustentabilidade, tanto econômica como ambiental, na prestação do serviço a médio e longo prazo. Isto sem falar nos enormes desafios que vêm se apresentando para o setor as mudanças climáticas.
 
Direitos Humanos
 
Diferente do que ocorre com os ODM, o reconhecimento do direito humano à água e ao esgotamento sanitário demanda — mediante a noção de progressividade — a adoção de medidas deliberadas e concretas para chegar gradualmente à meta de acesso universal a serviços de qualidade, financeiramente equilibrados e prestados de forma digna e aceitável.


Fonte: ÁguaOnline
 

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