quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Transposições entre bacias no Brasil




Transposição entre bacias hidrográficas é a retirada de água de uma bacia hidrográfica para ser usada em outra. As transposições vêm sendo usadas desde a Antiguidade e, na atualidade, são cada vez mais frequentes. Têm sido frequentes, também, as disputas entre os habitantes das bacias doadoras e das bacias receptoras, à medida que a água doce passou a ficar mais escassa.
No Brasil, pela primeira vez uma transposição de águas tem causado tanta polêmica entre os habitantes dos estados receptores (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) e os habitantes dos estados por onde passa o Rio São Francisco (Minas Gerais e Bahia) e dos estados em que ele serve como marco fronteiriço (Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Como o Brasil dispõe de 12% de toda a água doce superficial do planeta, as transposições entre bacias hidrográficas já realizadas – e são diversas – não foram objeto de disputa.
São Paulo, que se situa na bacia do Rio Tietê, tem o Sistema Cantareira, pelo qual importa uma vazão de 31 m3/s do rio Piracicaba, superior, portanto, à vazão firme de 26,4 m3/s do Projeto São Francisco.
Rio de Janeiro, importa água do Rio Paraíba do Sul para fortalecer o sistema de captação de água do rio Guandu e complementar a vazão necessária ao abastecimento dos cariocas.
Fortaleza dispõe de quatro pequenas bacias hidrográficas: a bacia do rio Cocó; a bacia do Ceará/Maranguapinho; a bacia da Vertente Marítima e a bacia do rio Pacoti. No entanto, o município importa água do Castanhão, que é um reservatório de acumulação do Rio Jaguaribe. Salvador possui sete bacias, sendo a maior a do rio Camurujipe. A capital da Bahia é autossuficiente em abastecimento de água, contudo, o sertão baiano sofreu bastante com a seca deste ano. Por isso, o Projeto São Francisco terá o Eixo Sul, uma trasposição de águas para abastecer o sertão da Bahia.

Em Belo Horizonte, a única capital brasileira na bacia do Rio São Francisco, a transposição é feita entre sub-bacias, visto que a metrópole se situa na sub-bacia do rio das Velhas e recebe complemento de água da sub-bacia do Rio Paraopeba. Ambos – o Velhas e o Paraopeba – são afluentes do São Francisco.
Quando o Ministério Público de Sergipe entrou na Justiça pedindo a interrupção das obras do Projeto São Francisco e recebeu o apoio de ministérios públicos de outros estados, muitos procuradores e promotores não sabiam que Aracaju não se situa na bacia do rio São Francisco e que 60% do volume de água consumido pela capital sergipana é garantido por uma transposição de águas do Velho Chico. À época, escrevi um artigo no Jornal dos Lagos de Alfenas-MG, comparando tal atitude com a de alguém que cospe no prato em que comeu. Fiz um comentário a artigo de jurista Ives Gandra comparando os sergipanos que assim procediam com o macaco da fábula, que se senta no próprio rabo para criticar o rabo dos outros bichos (http://revistalusofonia.wordpress.com/2010/03/01/transposicao-do-rio-sao-francisco/).
As transposições vêm ocorrendo não somente para abastecer grandes cidades. No mês de julho deste 2013, foi inaugurada uma transposição de águas do rio São Francisco para a bacia do rio Coruripe, beneficiando 42 municípios do sertão e do agreste do estado de Alagoas, obra esta que recebeu o nome de Canal do Sertão.
As transposições não são novas no Brasil. Há, até mesmo, um caso atípico. Entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1960, estava sendo construída a represa de Furnas sobre o rio Grande, afluente do rio Paraná. Quando as comportas da usina hidrelétrica fossem fechadas, o nível da água da represa ultrapassaria o topo do divisor de águas com a bacia do rio São Francisco, conectando as duas bacias hidrográficas e jamais enchendo o reservatório de Furnas. Para solucionar esses problemas, foi projetada a construção de um dique para conter as águas de Furnas, dique esse que passaria a funcionar como divisor de águas entre as duas bacias.
Ocorre que as cabeceiras do rio Piumhi ficariam a montante desse dique. Impedidas de continuar seu trajeto em direção ao Rio Grande, as águas do Rio Piumhi formariam uma represa, alagando uma enorme área, inundando a cidade de Capitólio-MG. Para solucionar esse novo problema, foi construído um canal com aproximadamente 18 km de extensão até alcançar o córrego Água Limpa, que desemboca no ribeirão Sujo, afluente da margem direita do rio São Francisco. Dessa forma, o rio Piumhi, com todos os seus 22 afluentes perenes, passou a pertencer à bacia do rio São Francisco.
Portanto, ao contrário do que muitos pensam, a transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional não será a primeira e nem a maior transposição entre bacias hidrográficas no Brasil.
* Paulo Afonso da Mata Machado – Analista do Banco Central do Brasil – Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG – Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University.

Fonte: EcoDebate

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