Novos métodos de gerenciamento, como o Plano de Segurança da Água, priorizam a prevenção
A urbanização acelerada, os altos índices de poluição dos mananciais, a crescente diversidade dos poluentes, entre outros fatores, colocam o tema da segurança da água servida à população no centro das preocupações dos especialistas, atualmente. A água é considerada um dos mais importantes fatores de transmissão de doenças. Especialistas em saúde alertam que as novas condições ambientais podem influir diretamente no comportamento de agentes causadores de doenças, fazendo emergir algumas já extintas, ou surgir novas.Além disso, há a ameaça dos produtos químicos emergentes, como os resíduos farmacêuticos, oriundos de xampus e sabonetes, pesticidas, toxinas algais e outros, que podem estar presentes na água que consumimos. O agravante, nesse caso, é que não existem ainda informações sobre os efeitos desses novos poluentes no organismo do homem ou na natureza, nem como eles se comportam no processo de tratamento da água.Não existem informações sobre os efeitos dos novos poluentes no organismo humanoFalando recentemente no Brasil em mesa-redonda organizada pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), o professor da Universidade do Minho, Portugal, José Manuel Vieira, explicou que os métodos tradicionais de gerenciamento da qualidade são limitados para garantir a segurança da água. Eles são focados nos testes sobre o produto final, onde existem problemas, também, pelo vasto espectro de parâmetros a serem observados e outras deficiências técnicas.A preocupação faz parte das recomendações da Organização Mundial da Saúde e levou os especialistas a desenvolverem uma nova abordagem para o problema da segurança da água. Um processo de gerenciamento, batizado de Plano de Segurança da Água (PSA), que identifica e prioriza os riscos plausíveis de um sistema de abastecimento, desde a origem da água bruta até a torneira do consumidor. “O principal objetivo do PSA é garantir a qualidade da água para consumo humano por meio da aplicação e utilização de um sistema operacional de boas práticas de gestão no sistema de abastecimento, minimização da contaminação na origem das águas e controle das fontes de abastecimento”, explica Maria Aparecida Faustino Pires, gerente do Centro de Química e Meio Ambiente, do Ipen.A legislação brasileira em termos de segurança, está mais alinhada às mais modernas do mundoÉ uma abordagem de segurança preventiva, em detrimento da metodologia de monitorização de ‘fim-de-linha’, por meio de uma efetiva gestão e operação dos processos envolvidos no tratamento da água. Roseane Maria Garcia Lopes de Souza, coordenadora da Câmara Técnica de Resíduos Sólidos, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), ressalta que “o enfoque na avaliação de riscos é uma forma de estruturar os processos produtivos. É o ponto de partida para se estabelecer procedimentos preventivos que garantam a segurança”.Pelo processo atual, a garantia da qualidade da água para abastecimento público tem sido baseada na análise de conformidade dos resultados com os valores paramétricos estipulados nas normas vigentes São detectados nessa análise constituintes indesejáveis, sejam físicos, químicos, microbiológicos ou radioativos.“Isso tem garantido um padrão de qualidade adequado e com elevado nível de confiança dos consumidores”, destaca Maria Aparecida. Mas, segundo a gerente, a metodologia de controle de qualidade baseada no programa de amostragem do produto final consumido é lenta, complexa e dispendiosa. E, no final das contas, apresenta uma série de limitações de conformidade que não garante a confiança necessária para a água fornecida.“O controle de qualidade em muitos casos se confunde erroneamente com a avaliação do risco de exposição à saúde de uma certa comunidade consumidora de um sistema de abastecimento. Verifica-se que tanto o produtor como o fiscalizador tomam as providências de forma corretiva, criando um modelo incompatível com uma avaliação de risco com enfoque preventivo”, reforça Roseane.A coordenadora da Abes destaca ainda as limitações do modelo existente. “As análises microbiológicas buscam a detecção dos organismos obrigatórios na legislação, ou seja, os coliformes termotolerantes (encontrados nas fezes humanas). Os indicadores microbiológicos não fazem correlação com vírus e protozoários patogênicos, ficando extremamente complexa a associação de surtos de doenças de transmissão hídrica com possível água contaminada com esses agentes.”Roseane contesta também as amostras: “O volume amostrado, a freqüência, horários e pontos de coleta não são suficientemente representativos e dificilmente garantem a certificação da água distribuída. Assim, a informação da qualidade da água ao consumidor, considerando apenas as análises, não garante de forma categórica a sua potabilidade”.“É importante melhorar ainda mais o controle, inferindo processos de gerenciamento da qualidade e gerenciamento de risco. Não se trata de mudar o plano. O plano de segurança da qualidade da água é um processo focalizado na prevenção da contaminação microbiológica e química da água destinada ao abastecimento publico, é uma evolução, uma mudança de orientação, sugerida pela OMS sob o ponto de vista de saúde publica”, finaliza Maria Aparecida.O volume, a frequência, horários e pontos de coleta da amostra não garantem a certificação da águaA legislação brasileira referente à qualidade da água distribuída para consumo humano (a portaria 518, de 2004, do Ministério da Saúde, estabelece procedimentos e responsabilidades ao controle e vigilância da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade) está alinhada às mais modernas legislações internacionais, segundo Maria Aparecida.A legislação mostra uma preocupação quanto à qualidade do manancial, estabelece um plano mínimo de freqüência de amostragem em função da população atendida, define deveres e responsabilidades do nível federal, estadual e municipal da qualidade da água para consumo humano. Aborda, também, uma grande quantidade de parâmetros e substâncias químicas que representam riscos à saúde.Na opinião de Roseane de Souza, essa portaria traz uma perspectiva mais ampla de controle e vigilância da água, avançando para além do simples controle laboratorial, ao incorporar a permanente avaliação de riscos aplicada aos componentes dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano. “E o mais importante é que responsabiliza, pela primeira vez, os operadores dos serviços de saneamento pela qualidade da água captada nas fontes de abastecimento”, destaca ela.
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