domingo, 21 de dezembro de 2008

E o CONAMA legitimou o lixão...

Por Ana Echevenguá*


Há tempos, bato na mesma tecla: o SISNAMA faliu; não cumpre seus propósitos e precisa ser extinto. Por quê? Porque ele vem legislando em prol da destruição contínua do meio ambiente, com danos incalculáveis aos atingidos por este flagelo. Será que só eu enxergo isso, leitor???

Os órgãos do SISNAMA (CONAMA e os demais conselhos do meio ambiente) possuem um único objetivo: flexibilizar a nossa legislação, inflados pelo lobby das empresas que geram lucros faraônicos com nossos recursos naturais. ‘Flexibilizar’ é o termo que eles usam: eu digo que eles destroem um arcabouço jurídico que foi construído ao longo de décadas, amparado em confiáveis laudos técnico-jurídicos.

Antigamente, um projeto de lei era feito por jurisconsultos e técnicos ligados ao tema em estudo. Hoje, ele é feito pelo lobista de algum segmento empresarial e se transforma em lei com o amém do político da hora. E todos os órgãos inferiores ao Poder Legislativo, com algum poder de criar regras, viraram uma indústria de resoluções, normas, instruções e outras bombas que passam para o mundo jurídico com mais força do que a nossa Constituição Federal (o livro que ainda dita a regra máxima que garante a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”).

Esquecendo a Constituição Federal para respeitar os ventos da legitimação dos crimes ambientais, o CONAMA deu à lua a famigerada Resolução 404; e estabeleceu as novas regras para o licenciamento ambiental de aterro sanitário. Segundo o órgão, ela se fez necessária por causa da proliferação dos lixões que ameaçam a saúde pública e agravam a degradação ambiental, “comprometendo a qualidade de vida das populações” e devido às “dificuldades que os municípios de pequeno porte enfrentam na implantação e operação de aterro sanitário de resíduos sólidos, para atendimento às exigências do processo de licenciamento ambiental”.

Imagino a conversa nos corredores do órgão: - Puxa, a Máfia do Lixo está nos pressionando; temos que admitir que existe lixão em tudo que é canto; temos que fazer o povo entender que as empresas de aterro sanitário querem cuidar do lixo mas o licenciamento oferece sérios problemas ao desenvolvimento sustentável... Alardeando isso, fica mais fácil passar por cima das leis que emperram a vida dessa gente. Vamos mudar as regras do jogo, facilitando as coisas; assim a máfia do lixo não vai mais gastar tempo e dinheiro com esse tal de EIA/RIMA. Mas a gente não diz que vai acabar com isso: usaremos inicialmente o termo ‘simplificação’; mais adiante, a gente fala disso. Ah! E vamos falar que essa regra é para ‘aterros de pequeno porte’.

Daí em diante, foi criado o suporte para o texto ficar convincente:

- “aterro sanitário de pequeno porte é aquele com disposição diária de até 20 t (vinte toneladas) de resíduos sólidos urbanos”;

- se o órgão ambiental competente souber “que o aterro proposto é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, exigirá o EIA/RIMA”.

Ora, no Brasil da fiscalização zero, quem vai ficar na porta do aterro pra saber a quantidade e o tipo de lixo que ele recebe??? O dono do empreendimento, que ganha por tonelada de lixo que recebe??

Pra Máfia do Lixo não exagerar, eles limitaram um lixão desses por “sede municipal ou distrital”.

Gente, com a benção do CONAMA, esses ‘aterros sanitários de pequeno porte’ vão receber lixo domiciliar, lixo de limpeza urbana, lixo de serviços de saúde, lixo de pequenos estabelecimentos comerciais, industriais e de prestação de serviços... E mais, se o órgão ambiental competente disser ok, o aterro vai receber lodo do tratamento de água e esgoto sanitário.

Claro que a resolução aventa também os ‘não pode’... mas é conversa pra boi dormir! Afinal, quem vai fiscalizar tudo isso??? O dono do lixão??? Alguém conhece, no Brasil, um aterro de lixo que funcione corretamente?? Ou um órgão fiscalizador que fiscalize como deveria?

Bom, desde novembro de 2008, esta é a nova regra do jogo: “O (...) CONAMA, no uso das atribuições que lhe são conferidas (...) Considerando que a implantação de aterro sanitário de resíduos sólidos urbanos deve ser precedida de Licenciamento Ambiental por órgão ambiental competente, (...) Art. 2º - Para os aterros tratados nesta resolução será dispensada a apresentação de EIA/RIMA...”.

E a corrida dos lixões já começou. Ceará já anunciou que vai construir 12 aterros sanitários. E prevê que mais outros 74 municípios serão beneficiados com a medida em 2009.

Viva o poder da Máfia do Lixo! Prepare-se para o lixão aí na sua cidade, no seu bairro, na porta da sua casa... quando começar o vai-e-vem dos caminhões cheios de lixo, poeira, mal-cheiro, circulação livre de urubus, ratos, moscas, baratas, água e solo poluído... você vai reclamar pra quem?

Agora, por força do CONAMA, lixão é legal! Precisamos de mais provas para implodi-lo?

* Ana Echevenguá é advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios e da Academia Livre das Águas, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website: www.ecoeacao.com.br



(Envolverde/Portal do Meio Ambiente)

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