O Brasil enfrenta um problema sanitário que parece estar longe de ser resolvido. Os medicamentos vendidos nas farmácias, em caixa lacrada, vêm geralmente em quantidade superior ao indicado para o tratamento, o que leva o paciente a acumular uma “farmacinha” em casa.
Porém, os produtos logo perdem a validade, e são descartados na pia, no vaso sanitário e no lixo orgânico. Quase ninguém sabe que ao serem despejados ralo a baixo, os remédios vão parar nos sistemas de tratamento de esgoto doméstico.
Lá, as substâncias que compõem o medicamento podem interagir e matar as bactérias usadas para tratar o esgoto. Ou seja, a água que chega até nós pode conter fragmentos dos remédios, e apresentar qualidade duvidosa.
Esse problema é um consenso entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Conselho Federal de Farmácias (CFF).
Porém, até o momento não existe uma legislação que regulamente o descarte de resíduos doméstico, e a privada continua sendo a lixeira dos produtos.
– A Anvisa instrui as pessoas a descartarem o material em vasos sanitários, mas não concordo. As substâncias dos remédios vão parar nas águas dos rios que acabam sendo mananciais de água potável. Como nosso sistema de saneamento não é 100% eficiente, esses medicamentos acabam sendo distribuídos nas águas e as pessoas ficam, cronicamente, expostas a substâncias como, por exemplo, antibióticos e hormônios – afirma Wilson Jardim, professor do Instituto de Química da Unicamp.
Calcula-se que 20% dos medicamentos adquiridos são descartados de alguma forma no meio doméstico, informa Antonio Barbosa, coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum).
– O descarte de medicamentos é uma das maiores causas de envenenamento e intoxicação em comparação ao contato com produtos químicos – alertou Barbosa.
No entanto, as normas existentes que legislam sobre resíduos se limitam aos dos serviços de saúde – como hospitais e farmácias – que têm a incineração como destino.
– Embora a Anvisa esteja ciente dos riscos do descarte doméstico, não existe uma lei que discorra sobre o assunto. É competência da Anvisa cuidar dos resíduos gerados nos serviços de saúde – justifica Luiz Carlos da Fonseca, técnico da agência.
Segundo Fonseca, estima-se que 1% dos lixos sólidos sejam resíduos dos serviços de hospital, sendo 3% desses medicamentos. De acordo com a Anvisa, fica a cargo de cada Estado desenvolver sua própria legislação sobre lixo doméstico.
O Conama também não dispõe de norma que regulamente o lixo doméstico.
– Nós do Ibama executamos o que o Conama manda. Por mais que haja o impacto ambiental, ainda não houve uma preocupação em termos legislativos. Esperamos uma manifestação da sociedade ou do Conama para agirmos – explica Reinaldo Vasconcelos, coordenador geral de Substâncias Químicas do Ibama.
Esses medicamentos, principalmente o antibiótico, podem fortalecer as bactérias com as quais interagem na água. Essas, ao serem ingeridas pelo homem, o tornam resistente ao remédio. Hormônios podem ser danosos a homens, principalmente, e pessoas com pré-disposição genética para o câncer em contato com água contaminada por substâncias derivadas da vitamina A estão em grande risco. Além disso, o descarte dos produtos em lixo comum, que vão para aterros sanitários, muitas vezes são catados e usados de forma incorreta por pessoas mal instruídas.
Para o assessor técnico do CFF, José Luis Maldonado, os restos de remédios não devem ser jogados em casa, “o ideal seria devolver à farmácia” pois, segundo ele, o farmacêutico é responsável pelo plano de gerenciamento de resíduos.
– O Conselho Federal de Farmácias regulamenta a atividade do farmacêutico, a questão sanitária é competência da Anvisa – explica Maldonado.
– Na minha opinião, como o farmacêutico está em contato com o paciente, ele deveria informa-lo sobre o que fazer.
Numa ligação do JB a uma farmácia do Rio, o gerente da loja informou que a prefeitura passa semanalmente para pegar os resíduos. O funcionário afirmou estar disposto a receber o lixo dos clientes.
(Fonte: Cecilia Minner e Carla Knoplech / Jornal do Brasil)
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