Danielle Santos
O Brasil poderia investir o equivalente a R$ 17,8 bilhões todos os anos em saúde e educação, por exemplo, se tivesse uma política adequada de tratamento de resíduos sólidos. Essa é a quantia que vai, de fato, para o lixo devido à falta de gestão do Estado para o setor. A avaliação é do especialista, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), Sabetai Calderoni, que realizou uma pesquisa sobre o destino do lixo produzido no país e o quanto ele pode ser valioso se tomado como política de prioridade.
Calderoni explica que o lixo produzido no Brasil se concentra na construção civil (52%), nas residências (34%) e em poda de árvores (14%), mas menos de 10% dele é reaproveitado. "Ainda estamos muito aquém das iniciativas de outros países como Estados Unidos e alguns da Europa que já têm essa consciência há algum tempo", explica. O especialista, que também preside o Instituto Brasil Ambiente, desenvolveu um modelo de central de reciclagem integrada que possibilita a gestão responsável e já funciona em cerca de 120 municípios, mas acredita que ainda falta mais interesse público para ganhar força. "A mudança de hábito depende de uma ação de governo generalizada para que se possa ter um resultado homogêneo e esse interesse ainda não existe", critica.
O modelo defendido por Calderoni prevê um local diferenciado para o recebimento da coleta seletiva com várias estações de tratamento que inclui unidade de reciclagem para o material orgânico, para o entulho da construção civil, para fração seca (não orgânica) dos resíduos, para poda e para o tratamento de rejeitos, além de espaço para triagem.
Um modelo como o desenvolvido por ele poderia transformar a rotina de uma cidade de 200 mil habitantes, onde se descarta em média cerca de 30% de todo esse material. "A realidade seria bem diferente, pois a reciclagem e comercialização desses resíduos garantiriam uma renda anual de R$ 15,6 milhões e a geração de 400 empregos", salienta.
A unidade de tratamento de resíduos orgânicos pode proporcionar, por exemplo, que cerca de 60% da produção doméstica vire adubo e até 95% de economia no consumo de energia na reutilização do metal, se comparado ao mesmo processo realizado com a matéria-prima virgem.
Além da vantagem econômica e social, há o aspecto ambiental, observa o especialista. "Seria uma alternativa aos aterros sanitários, que hoje são onerosos para as cidades manterem, além de exigirem mais espaço."
Em Brasília
Se no Brasil as políticas de reaproveitamento de resíduos é insuficiente, o Distrito Federal segue o mau exemplo. Com cerca de 2,5 milhões de habitantes, apenas 0,01% do lixo é reaproveitado. Um desperdício que poderia render cerca de R$ 200 milhões por ano e gerar mais de 5 mil postos de trabalho, segundo Sabetai Calderoni.
Ineficácia comprovada também pela pesquisadora em resíduos sólidos, da Universidade de Brasília (UnB), Valéria Gentil. Em sua tese de doutorado, ela construiu a pirâmide que alimenta o setor da reciclagem na região e se surpreendeu com a descoberta. "Hoje, temos 20 mil catadores que conseguem comercializar só 0,065% de papel e 0,015% de materiais plásticos, ou seja, uma política capenga, que não dá conta da grandeza do que tem nas mãos", avalia. É o caso de Luzineide de Moraes, 45 anos, e da filha Adriana Luna, 25, catadoras de material nas proximidades da UnB. Há 11 anos elas trabalham recolhendo papel branco e latinha de alúminio para alimentar cerca de nove pessoas, entre elas sete crianças. O resultado de um mês de trabalho rende aproximadamente R$ 70 para cada uma delas. "A gente trabalha, tira suor do rosto, mas é o que a gente consegue no fim das contas", conta Luzineide.
Outra de suas descobertas diz respeito à falta de estrutura para comercializar os resíduos coletados na região. Praticamente todos os materiais recolhidos pelos catadores têm como destino empresas de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás. "A gente deixa de incrementar o Produto Interno Bruto (PIB) daqui para incrementar o PIB de outros estados mais organizados."
Correio Braziliense
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