terça-feira, 20 de outubro de 2009

Transposição vai gerar R$ 50 milhões anuais em taxas.

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitava as obras – orçadas em mais de R$ 4,5 bilhões – para a transposição de parte das águas do rio São Francisco, no Nordeste, a população do entorno da Bacia, que abrange seis estados e o Distrito Federal, ainda se mantém longe dos benefícios da cobrança pelo uso das águas – um valor que poderá render mais de R$ 50 milhões anuais. Na próxima semana o Comitê da Bacia de São Francisco, responsável por implementar a política de recursos hídricos e por definir a futura cobrança pelo uso da água, se reunirá novamente com a Agência Nacional das Águas (ANA) para tentar avançar em algumas questões, como o repasse de 7,5% da arrecadação para a agência – ainda a ser criada – que vai cuidar da gestão desses recursos. A ANA, por sua vez, lembra que primeiro é “preciso criar a agência de bacia”, para a qual ela “está dando todo o apoio técnico e financeiro”.

– Desde 2007 se discute isso (a cobrança no uso das águas das Bacia). Esse desfecho deve sair em novembro, quando vamos deliberar sobre a cobrança. Depois vamos ver se é aprovado no Conselho Nacional de Recursos Hídricos – diz o presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, o sanitarista Thomás Mata Machado.

Giordano Bruno de Carvalho, especialista em recursos hídricos da Agência Nacional das Águas (ANA), lembra que em julho de 2006 o Comitê aprovou uma deliberação para instituir a cobrança pelo uso do recurso hídrico a partir de 2007.

A arrecadação a partir da transposição das águas do São Francisco também é motivo para o embate que atrasou a utilização dos recursos na revitalização do Velho Chico. O Comitê defende um modelo já utilizado na transposição para a cidade de Aracaju, capital do Sergipe.

– A transposição do governo Lula não vai beneficiar somente o abastecimento humano. Se fosse assim até admitiríamos a cobrança nessa fórmula atual. Mas muitos dos locais que vão receber as águas das obras não têm escassez hídrica. Assim teríamos que cobrar mais caro por esse uso – defende o presidente do Comitê da Bacia do São Francisco.

Aplicação

Outra questão que encontra diversidade de opiniões é a aplicação dos recursos arrecadados. Representantes do setor agrícola questionam a excessiva utilização do dinheiro levantado em saneamento.

– Promover saneamento básico é um dever do governo e não cabe aos produtores rurais financiar estes projetos – afirma Octavio Mello Alvarenga, presidente da SNA. Para ele, essa utilização pode atrapalhar o desenvolvimento econômico dos ruralistas. – Somos um país essencialmente agrícola e o governo deveria estimular este trabalho, não taxar os seus ganhos.

Já a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), depois de uma série de reivindicações, acredita estar entrando em um consenso com o Comitê do São Francisco. Cisino Lopes, diretor de meio ambiente da Aiba, diz que a verba deve ser arrecadada de “maneira racional”:

– A utilização da água no Brasil não é feita de maneira igual. Não se pode cobrar o uso em Minas Gerais da mesma forma que será cobrada em Pernambuco, por exemplo. No Nordeste a água sofre mais com a evaporação. A quantidade é muito diferente.

Segundo a Aiba, foi criado um “índice de aridez” que irá calcular o valor que deve ser pago, em cada região, levando em consideração as características locais. Além disso, a associação acredita já ter conseguido a total isenção para ribeirinhos e pequenos agricultores que captem até 280 mil litros de água por dia e a diminuição da cobrança para quem precisa de muita irrigação para produzir.

Contradição

Apesar da reconhecida necessidade de ser iniciada a cobrança na bacia do São Francisco, especialistas dizem que os valores arrecadados são pequenos para mudanças mais significativas e de médio a longo prazo. Ao longo de quase seis anos, o comitê da bacia do rio Paraíba do Sul, primeira a implementar o modelo de cobrança, aprovou 81 ações num investimento de R$ 66,2 milhões (complementos de gastos governamentais), enquanto na bacia Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que passou a arrecadar em 2006, foram 48 ações com recursos de R$ 58 milhões.

– Um investimento de R$ 15 milhões por ano não dá nem para uma estação de tratamento. É pouco – afirma Francisco Lopes Viana, superintendente de Outorga e Fiscalização da ANA.

O presidente do Comitê do Rio São Francisco concorda e defende que a bacia “incorpore os afluentes” para arrecadar mais.

– Nessa proposta, teríamos um contrato único de gestão com os estados dos afluentes, todos recebendo cerca de R$ 5 milhões. Seria um recurso que viabilizaria algumas necessidades.

Para o engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, a maior questão a ser considerada na bacia do Velho Chico é o custo do “PAC da transposição”:

– A ANA fez um estudo em 2006 com alternativas mais interessantes a custo de R$ 3,6 bilhões. Isso beneficiaria 34 milhões, ante os 12 milhões pretendidos. É uma dificuldade matemática.


AquiAcontece/Jornal do Brasil

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