Daniela Almeida
Os índices divulgados pelo Ministério das Cidades assustam. A coleta de esgoto chega a apenas 42% da população brasileira. E, do baixo percentual coletado, apenas 32,5% é tratado. O restante é despejado in natura em rios, mares e lagos. Se ainda assim fica difícil visualizar a gravidade da situação sanitária do país, um estudo sobre a diarreia divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em outubro do ano passado é bem ilustrativo. Há, no Brasil, pelo menos 18 milhões de pessoas sem banheiros ou fossas. Ainda assim, os números parecem não ser suficientes para mobilizar as prefeituras do país. E, diante da incapacidade dos municípios em elaborar planos de saneamento básico, o projeto de universalização do serviço no Brasil será adiado pelo governo federal.
Lei publicada em 2007 estabeleceu as diretrizes para ampliar o prestação de saneamento básico no país. Na tentativa de pressionar as prefeituras a abraçar a causa, a norma previu que todos os municípios deveriam apresentar um plano de saneamento para nortear os trabalhos até o fim deste ano. Quem não cumprisse a ordem ficaria impedido de receber recursos federais destinados à área. Mesmo com a promessa de restrição, de lá para cá pouco foi feito.
Alegando falta de capacidade técnica e financeira, os municípios pediram mais tempo. E a prece deverá ser atendida pelo governo. A regulamentação da lei que está em fase final de análise deverá ser publicada pelo Palácio do Planalto até fevereiro prevendo a ampliação de prazo para a elaboração de planos de saneamento municipais até o ano de 2012.
Alguns estados até iniciaram uma corrida para conseguir finalizar planos municipais de saneamento até o fim deste ano. Caso de Santa Catarina, onde o governo estadual decidiu pagar pela elaboração dos planos de municípios com menos de 50 mil habitantes. “Noventa e cinco por cento dos municípios não têm condições, nem técnicas nem financeiras, de elaborar os estudos”, explicou o secretário de Desenvolvimento Sustentável do estado, Onofre Agostine. Na avaliação de especialistas, são apenas movimentos isolados. “Não tinha a menor dúvida de que o prazo iria ser prorrogado. A lei é de 2007 e ninguém fez nada. Mas o governo vai ter que estudar uma forma de fazer a lei ser cumprida. Não adianta prorrogar o prazo, para, em 2012, descobrir que a política de saneamento não saiu do lugar”, criticou o presidente do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho.
Os tais planos municipais devem abordar o saneamento em quatro pontos principais: abastecimento de água, coleta de esgoto, drenagem de águas pluviais e tratamento dos resíduos sólidos. Entre esses, o Brasil pode declarar algum sucesso apenas no que diz respeito ao abastecimento, já que a cobertura de água encanada chega a 80,9% da população. Nos outros quesitos, o país ainda patina. “Nos anos 1960 e 1970, quando o Brasil começou a tratar dessa questão, a prioridade foi levar água encanada à população. Hoje, nós vemos que isso foi um erro. Estamos correndo para elevar os patamares da coleta e do tratamento do esgoto”, explicou o diretor de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, Sérgio Gonçalves.
Nos últimos anos, o governo federal elevou os investimentos no setor. De 1998 a 2002, segundo Gonçalves, cerca de R$ 1 bilhão era investido por ano em saneamento. De 2002 a 2007, a média dos investimentos triplicou, chegando a R$ 3,3 bilhões ao ano. Com o PAC, elevou a previsão para os anos de 2007 a 2010 ao patamar de R$ 10 bilhões anuais. Ainda assim, é pouco. A fim de universalizar o serviço no país seria preciso investir pelo menos, nos cálculos do Ministério das Cidades, R$ 180 bilhões. Se o nível dos investimentos for mantido, é um trabalho para pelo menos 18 anos.
Acontece que as estimativas do governo ainda são muito otimistas. Segundo o Instituto Trata Brasil, apenas 18% dos recursos do PAC para saneamento — o equivalente a R$ 4,5 bilhões — foram executados até dezembro. Nesse ritmo, o caminho para a universalização poderia demorar até 40 anos, levando em conta os R$ 180 bilhões que o governo calcula — nas contas do instituto, os investimentos teriam de ser ainda maiores: R$ 270 bilhões.
Futuro melhor
Segundo dados do Sistema Nacional de Informação do Saneamento — utilizado pelo Ministério das Cidades — a cobertura de água encanada no país atinge 80,9% da população. Nas áreas urbanas, esse número sobe para 94,2%. Já a coleta de esgoto chega a 42% da população total do país, sendo que nas áreas urbanas o índice sobe para 49,1%
Do total de esgoto coletado, apenas 32,5% é tratado. Nas áreas urbanas, o índice de tratamento de esgoto coletado está em 75%
As estatais dominam 93% da prestação de serviços de saneamento básico, o restante, 7%, está nas mãos de empresas privadas
Além de prever o corte de recursos para os municípios que não apresentarem planos de saneamento, a lei que estabelece diretrizes para o setor também determina a revisão dos planos de quatro em quatro anos, no máximo
O Ministério das Cidades prepara uma cartilha para auxiliar municípios na elaboração dos planos, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vai apresentar no segundo semestre deste ano a Pesquisa Nacional do Saneamento Básico. A pesquisa vai subsidiar a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico, que o governo federal espera entregar até o fim do ano. Um consórcio formado por três universidades federais — a de Minas Gerais (UFMG), a da Bahia (UFBA) e a do Rio de Janeiro (UFRJ) — trabalha na elaboração das peças técnicas que serão utilizadas para elaborar o plano nacional
Falta vontade política
Além das barreiras técnicas e financeiras, a universalização do saneamento ainda tem que vencer barreiras políticas. A mística de que investimentos no setor não rendem votos ainda é uma realidade no Brasil. “Aquela coisa de que saneamento é obra enterrada, que ninguém vê que melhorou, mas ainda existe. O político na hora de escolher entre fazer uma avenida ou uma rede de esgoto, vai fazer a avenida”, aposta o presidente do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho.
E, se por um lado, falta vontade do poder público, o setor de saneamento é um dos que as empresas privadas mais têm dificuldade para penetrar. Para se ter uma ideia, em 2009, nenhum contrato de concessão foi fechado no país. “Há essa crença de que a água é um bem público, e que não pode gerar lucro. Eu até concordo, mas pergunto: A água do Tietê é um bem público? Não é, e precisa ser tratada”, pondera Pinho.
A prova de que o saneamento ainda não emplacou entre as empresas privadas é o testemunho do diretor de Articulação Institucional do Ministério das Cidades, Sérgio Gonçalves. “No PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), o único lugar em que sobram recursos é no dinheiro de saneamento destinado a financiar empresas privadas”, afirma. Segundo ele, estavam previstos no plano a liberação de R$ 8 bilhões para financiar o setor privado — com as mesmas condições de benefícios oferecidos às estatais. Desse total, apenas R$ 2,2 bilhões foram usados. “Outros R$ 2,4 bilhões nós repassamos para o financiamento das empresas públicas, porque não haviam sido usados”, completou.
No entanto, é consenso que, sozinho, o setor público não conseguirá arcar com a universalização do saneamento básico. “A empresa privada quer lucro, e via de regra falta saneamento em locais pobres, onde eles não vão. Portanto, essas empresas também não resolvem o problema. Sabemos que é preciso um esforço conjunto: governos federal, estadual, municipal, estatais e empresas privadas. Sozinho, ninguém vai dar conta”, finalizou. (DL)
Correio Braziliense
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