Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um estudo epidemiológico realizado durante dois anos por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com crianças de João Pessoa (PB) sugere que os patógenos causadores da diarreia no Brasil estão mudando. A pesquisa mostrou que o mais prevalente dos agentes associados à doença é a bactéria Escherichia coli e não mais a Salmonella, que causava a maior parte dos casos há algumas décadas.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, foi coordenada pela professora Marina Baquerizo Martinez, do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas (FBC) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
Segundo Marina, autora principal do artigo, o estudo analisou amostras de soro extraídas de 290 crianças com diarreia e 290 crianças saudáveis (grupo de controle). A Escherichia coli foi o patógeno mais prevalente associado à diarreia aguda, correspondendo a 47,4% dos microrganismos isolados. A variedade enteroagregativa foi a mais comum: 25%. Apenas 7,9% dos patógenos isolados eram Salmonella.
“Temos estudos feitos nas décadas de 1980, 1990 sobre a etiologia – ou fatores causais – da diarreia. Comparando o estudo feito na Paraíba com essa série histórica, podemos observar que na década de 2000 houve uma diferença acentuada em relação ao microrganismo que mais incide na população. Até agora, a Escherichia coli enteroagregativa não havia sido identificada no Brasil como agente principal”, disse Marina à Agência FAPESP.
Realizada entre 2004 e 2006, a pesquisa teve seus resultados aceitos para publicação em 2008, mas veiculados apenas em janeiro de 2010. Marina explica que, para estudos epidemiológicos, os dados podem ser considerados atuais.
“É importante fazer esse tipo de pesquisa porque, quando a criança com diarreia é atendida por um médico, o exame para identificação do agente causador da doença não faz parte da rotina. O estudo epidemiológico permite saber quais são os patógenos em circulação no país. Isso é relevante, pois o fator de virulência pode mudar muito”, disse a pesquisadora, que atualmente coordena três projetos de Auxílio à Pesquisa – Regular apoiados pela FAPESP.
De acordo com a professora, vários agentes emergentes têm sido identificados nos últimos anos, como o rotavírus. “Nas décadas de 1970 e 1980 o agente mais importante era a Salmonella. Mais tarde o rotavírus passou a ser um agente causador importante – tanto que a vacinação para esse microrganismo passou a ser oferecida na rede pública. Agora temos a prevalência da Escherichia coli”, explicou.
Os estudos epidemiológicos visando a identificar a virulência dos patógenos em circulação e as pesquisas sobre a etiologia mudaram, gradualmente, o tratamento da doença.
“Na década de 1980 muitas crianças eram internadas com diarreia causada por Salmonella. Hoje, graças a estudos sobre a etiologia da doença, foi possível tratá-la de forma mais global e passou-se a divulgar a necessidade de hidratar a criança o mais cedo possível. O resultado disso é que hoje as crianças não são mais internadas nesse caso”, explicou.
A pesquisadora afirma que o grupo se surpreendeu com a prevalência da Escherichia coli. “Achávamos que no Nordeste brasileiro a etiologia da diarreia permanecia a mesma, com predominância da Salmonella. Foi uma surpresa ver que a região tinha esses agentes atípicos como causa da diarreia aguda”, disse.
Questão de pobreza
O grupo liderado por Marina atualmente realiza um estudo da etiologia da diarreia no Hospital Universitário (HU) da USP, também com apoio da FAPESP.
“Estamos colhendo material para o projeto, que tem término previsto para março de 2011. A ideia é analisar a etiologia da diarreia em São Paulo para comparar com os dados dos estudos feitos na região nas décadas de 1980 e 1990”, disse.
A professora explica que a diarreia é uma doença infecciosa autolimitante – isto é, os sintomas desaparecem espontaneamente com o tempo. “Apenas em alguns casos muito graves há necessidade de tratamento e internação, por exemplo, quando as diarreias causadas por Salmonella geram febres muito altas e infecções no sangue”, afirmou.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a diarreia está entre as principais causas de mortalidade infantil, matando cerca de 2 milhões de crianças a cada ano em todo o mundo – especialmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, a doença também é uma das maiores causas de mortes de crianças.
“Em São Paulo o quadro é parecido com o dos países desenvolvidos. Mas temos incidência e mortalidade bastante altas tanto no Norte como no Nordeste. A diarreia é, principalmente, uma questão de pobreza”, disse Marina.
O artigo Etiology of childhood diarrhea in the northeast of Brazil: significant emergent diarrheal pathogens, de Marina Baquerizo Martinez e outros, pode ser lido por assinantes da Diagnostic Microbiology and Infectious Disease em www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18508227.
Agência FAPESP
Nenhum comentário:
Postar um comentário