quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sucata eletrônica: o mal do século gera negócios .

Dar destinação correta à montanha de lixo eletrônico produzida pela vida moderna é um problema complexo e de difícil solução. O Greenpeace calcula que o volume de descarte mundial gire em torno de 50 milhões de toneladas por ano. Mas esse problemão também pode gerar oportunidades de negócio para quem resolve encarar o desafio. Uma das empresas habilitadas a tratar desse assunto é a recém-criada Descarte Certo, que presta serviços para fabricantes e consumidores de eletroeletrônicos. Além de recolher os aparelhos fora de uso em escritórios e residências, a Descarte Certo gerencia toda a logística reversa do novo ciclo de vida do produto, processo altamente sofisticado e que inclui o desmonte e a venda dos componentes reaproveitáveis – feito por empresas credenciadas por eles.

Encaminhado para um armazém, onde passa por triagem de acordo com sua categoria, o aparelho segue depois para a linha de desmontagem. Lá, é decomposto por tipos de material, visando o reaproveitamento de seus componentes. Assim, o plástico é destinado para empresas que reciclam plástico, o ferro, para empresas que reciclam ferro e assim por diante.

O serviço não é barato. Pagam-se R$ 152 pela retirada de uma geladeira, por exemplo. Mas o custo se dilui, se for levado em conta o tempo de vida útil do aparelho. E também pela garantia de que os restos daquele monitor de vídeo, completamente fora de moda e recheado de substâncias tóxicas, não vai parar num aterro a céu aberto. Ou seja, não vai poluir o lençol freático nem contaminar o catador de lixo.

“Fizemos uma pesquisa perguntando às pessoas se estariam dispostas a arcar com os custos desse tipo de reciclagem. Uma em cada dez respondeu que sim. O número subiu para seis propúnhamos retirar o aparelho na casa delas”, conta Lucio Di Domenico, especialista em marketing, tecnologia e administração e um dos sócios fundadores da Descarte Certo.

Desde novembro, os clientes da rede de supermercados Carrefour, com quem a empresa fechou parceria, podem optar pelo serviço. A exemplo de uma garantia estendida, o consumidor paga uma taxa extra pelo descarte correto no ato da compra. E assim consegue se livrar daquela máquina de lavar plantada na área de serviço antes de receber a nova. A empresa fornece um certificado para que o cliente acompanhe pelo site o estágio em que se encontra a reciclagem do seu aparelho.

Componentes perigosos

Os resíduos de equipamentos elétricos e eletroeletrônicos (REEE), aparelhos maravilhosos que tornam nossa vida mais confortável, contêm elementos tóxicos e cancerígenos. Daí a importância de serem manipulados corretamente. “As substâncias mais problemáticas, do ponto de vista ambiental, são os metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio e cromo), os gases de efeito estufa, as substâncias halogenadas, como os clorofluorcarbonetos (CFC), as bifenilas policloradas (PCBs), o cloreto de polivinila (PVC) e retardadores de chama bromados, assim como o amianto e o arsênio 8”, afirma a pesquisadora Ângela Cássia Rodrigues, doutoranda no assunto pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Ainda não existe um consenso sobre a quantidade média de REEE gerada no Brasil. De acordo com o Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), os brasileiros produzem cerca de 500 mil toneladas anuais de sucata eletrônica. Só em 2008 foram vendidos no país 12 milhões de computadores. A base instalada de PCs, incluindo as vendas projetadas para 2009 (também de 12 milhões), é de cerca de 55 milhões, informa a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). “A vida útil deles é, em média, de três a quatro anos. Calculamos que mais de 5 milhões sejam descartados anualmente”, diz Domenico, para quem a produção nacional de REEE gira em torno de 100 milhões de unidades por ano.

Ele também calcula em 170 milhões de aparelhos a base instalada de celulares no país – praticamente um por habitante. Número semelhante ao de televisores, presentes em 92% dos lares brasileiros. “Somos 180 milhões de pessoas e as vendas anuais de TV chegam a 10 milhões de unidades”, afirma. Imagine quantas delas serão trocadas pelas de tela plana ou LCD nos próximos anos, agravando o risco de danos ambientais? Os televisores e monitores de computadores antigos são verdadeiras bombas-relógio: seus tubos de raios catódicos contêm entre 2 e 4 quilos de chumbo, além de fósforo, bário e cromo.

Coletor de pilhas

Trata-se de um mercado promissor para empreendedores de visão. Um dos pioneiros em soluções de logística é o administrador de transportes Adalberto Panzan, que em 1998 fundou em São Paulo a ADS. O grande salto da empresa aconteceu em julho de 2006, quando ajudou a conceber e estruturar um projeto de recolhimento de pilhas destinadas ao reprocessamento – o Papa-Pilhas. Programa do Banco Real, ele foi tão bem sucedido que acabou encampado pelo Grupo Santander.

“Começamos com 31 pontos, em agências do banco localizadas em João Pessoa (PB), Campinas (SP) e Porto Alegre (RS)”, recorda Panzan. Hoje há 2.067 pontos ativos de coleta de pilhas, baterias, carregadores e aparelhos celulares em 24 estados brasileiros. Em 2007, o programa coletou 34 toneladas. Em 2008 foram 127 toneladas e a estimativa para 2009 é de 167 toneladas.

Márcio Barela, especialista em sustentabilidade e responsável pelo Papa-Pilhas no Grupo Santander, elogia a eficiência do processo. “A ADS é uma parceira muito importante e o sistema que construímos juntos permite um monitoramento integral do processo. É fundamental ter uma gestão perfeita, porque constantemente somos questionados em relação à segurança e temos também de prestar contas aos órgãos ambientais”, explica Barela.

A ADS desenvolveu o display onde os consumidores depositam o material – os coletores são certificados – e se encarrega do transporte seguro até a sede da Suzaquim Indústrias Químicas, em Suzano (Grande São Paulo), responsável pela reciclagem. Na Suzaquim, as pilhas e baterias são desencapadas e os metais queimados em fornos industriais – todos dotados de filtros que impedem a emissão de gases poluentes. No processo, são obtidos sais e óxidos metálicos, que servem de matéria-prima para a indústria de refratários, vidros, tintas e cerâmica, entre outros.

A cada lote que retira, a ADS emite para o banco um certificado de reprocessamento e, do computador do escritório, Panzan acompanha em detalhes essa sofisticada operação de logística reversa. Na tela do computador, o sistema registra os locais onde as coletas foram feitas, os volumes coletados e o destino de cada lote. As pilhas são transportadas em cilindros de papelão rijo, homologados pelo Inmetro.

De todo o Brasil, quilos e quilos de pilhas aterrissam no galpão da ADS, que depois as envia para a Suzaquim. “Contratamos uma empresa especializada em cargas perigosas para fazer o transporte”, explica Panzan, acrescentando que a operação tem 100% de rastreabilidade.

Alto custo

Enquanto a Política Nacional de Resíduos espera pela aprovação do Congresso, a demanda por logística reversa aumenta, uma vez que alguns Estados, como São Paulo, exigem que a destinação dos resíduos eletroeletrônicos fique a cargo dos fabricantes. Para pilhas, no entanto, já existe regulamentação, embora funcione pouco, porque o consumidor é mal-informado. Apenas uma minoria se preocupa em devolvê-las ao fabricante. Portanto, a maior parte das pilhas velhas é jogada nos lixões, contaminando o meio ambiente com seus altos índices de cádmio e mercúrio.

Para complicar o cenário, a Abinee calcula que 40% do 1,2 bilhão de pilhas consumidas todos os anos no país sejam produtos falsificados – e esses têm maior teor de metais prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Fabricantes não se mexem porque a logística para o recolhimento é cara e complicada e porque falta educação ao consumidor. “O brasileiro não lê nem manual de instrução. Vai ler embalagem recomendando lugar de descarte?”, argumenta a engenheira ambiental Fátima Santos, gerente técnica e comercial da Suzaquim. Licenciada desde 1997 para reprocessar sucata eletrônica – de computadores a pilhas –, a empresa cresceu nos últimos quatro anos, mas opera abaixo de sua capacidade. Poderia processar até 700 toneladas de REEE por mês, mas só recebe 250 toneladas (30 toneladas só de pilhas).

Por Denise Ribeiro (Envolverde) / Edição de Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)

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