Cleveland M. Jones
Recentemente escrevi ao Prof. Luiz Pinguelli Rosa, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE-RJ), sobre um artigo dele no Jornal dos Economistas (N. 257, dezembro 2010), sobre os desafios do Brasil na área energética, de saneamento e outras.
Como referência que ele é em diversos assuntos, e como físico (como também sou, por formação), apreciei seu artigo e seus comentários sobre a situação do saneamento no Brasil. De qualquer ângulo, seus comentários são racionais, e seria bom se aqueles que de fato planejam e implementam nossas políticas energéticas e de desenvolvimento, o ouvissem mais e seguissem suas sugestões.
Mas precisei fazer um esclarecimento, com base na minha atuação de longa data na área do saneamento básico e de tratamento de esgotos sanitários, sobre o comentário do Prof. Luiz Pinguelli a respeito de fossas. Comentando as metas do governo federal para a expansão da rede de esgotamento sanitário, mas não de tratamento do esgoto gerado por essa rede, ele respondeu: “Acho que as duas coisas têm que ser feitas, e se fizer uma delas é melhor do que não fazer nenhuma. Eu não sou da teoria do “quanto pior melhor”, não. Acho que se poderia fazer a expansão da rede, que é melhor do que ter vala negra nas casas das pessoas pobres. É melhor do que fossas.” (ênfase original).
Ocorre que, como muitos dos que atuam no segmento de saneamento básico bem sabem, as fossas representam um verdadeiro e eficiente sistema de tratamento de esgotos sanitários, com eficácia de remoção de carga orgânica (DBO) comparável às grandes estações de tratamento de esgotos (ETEs) geralmente existentes.
Essa eficácia pode chegar a 80% ou mais de redução da carga poluidora dos esgotos das residências, e não requer sequer um sistema de coleta de esgotos, que é justamente a parte mais onerosa de um sistema de coleta e tratamento de esgotos.
Por ser um sistema que às vezes é mal concebido, construído, instalado e operado (pois também requer uma manutenção, se bem que simples e infrequente), acaba sendo tido como mau exemplo de um sistema de saneamento básico, quando o oposto é verdade.
Fossas individuais podem muito bem tratar os esgotos sanitários de residências, utilizando pouco espaço, e com baixíssimo custo, se comparado com o custo proporcional de grandes sistemas saneamento, envolvendo sistemas de coleta e ETEs.
Fossas comunitárias e biorreatores podem atender a grande número de residências próximas, e até simultaneamente fornecer gás para cozinhas de creches do bairro ou escolas. Temos bons exemplos em Petrópolis e diversas outras cidades no Brasil e em todo o mundo.
Os problemas das fossas, de construção ou manutenção, também ocorrem em grandes ETEs, muitas das quais operam muito abaixo das especificações originais para seu desempenho, e muitas vezes com desempenho bem abaixo do de um simples, porém eficaz, sistema de fossa residencial ou comunitária.
Por outro lado, a mera remoção dos esgotos sanitários, através de sistemas de coleta, se bem que melhor do que ter valas negras a céu aberto, ainda fica longe de resolver o problema dos esgotos sanitários e da consequente poluição nos eventuais locais de descarte, como rios, lagos ou áreas costeiras.
Muito infrequentemente, fossas podem precisar de esvaziamento por caminhões próprios, mas hoje em dia já existem muitos produtos biológicos naturais (remediadores biológicos, na definição das normas do CONAMA), que, se adicionados regularmente às fossas, garantem seu bom funcionamento, mantendo uma biota mais eficaz e resistente, e reduzindo o acúmulo de lodo no fundo.
Apesar do natural interesse da engenharia por grandes obras e projetos, é importante reconhecer que as fossas representam uma alternativa viável, para um sistema de saneamento básico, e que em muitas situações elas podem ser uma solução muito mais adequada, de rápida implementação, de baixo custo, e de comprovada eficácia, no tratamento de esgotos sanitários de residências e comunidades.
É uma injustiça tachar as fossas como sistemas indesejáveis, especialmente considerando a realidade do Brasil, onde, em média, apenas 36% do esgoto gerado nos municípios recebe algum tipo de tratamento.
Cleveland M. Jones é professor e pesquisador do INOG – Instituto Nacional de Óleo e Gás/CNPq FGEL - Faculdade de Geologia/UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro Campus de Maracanã, Sala 2028A Rio de Janeiro, RJ 20550-013
Fonte: Água Online.
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