domingo, 2 de janeiro de 2011

Tratando o esgoto pela raiz

Coletar e tratar o esgoto de áreas rurais ou de pequenos municípios mais afastados dos grandes centros é hoje um dos maiores entraves à universalização do saneamento básico no Brasil. Só no Paraná, segundo o IBGE, mais da metade das cidades (57,9%) não possui rede de coleta de efluentes. No entanto, existem técnicas simples, relativamente baratas e ecologicamente corretas que ajudam a minimizar o impacto ambiental e reduzir o risco de doenças provocadas pelos dejetos lançados in natura nos rios.

As estações de tratamento de esgoto (ETEs) por zona de raízes são um exemplo disso. Neste caso, plantas fazem a filtragem do efluente antes de lançá-lo na natureza. Em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, a Chácara Harmonia adotou há um ano e meio esse sistema. Na frente da propriedade – que é toda autossustentável – não passa rede coletora. O esgoto, anteriormente jogado em um poço morto, agora vai para uma pequena ETE. “Qualquer um que tenha um terreno pequenininho pode fazer. E você não precisa construir a casa assim, pode adaptar o sistema que já existe”, explica Alessandra Seccon Grando, que mora na chácara com a mãe, Salete Seccon.

Fossas

No sistema adotado na residência, o efluente passa por duas fossas fechadas, que decantam a parte sólida e possibilitam sua decomposição. Em seguida, o esgoto vai para um tanque impermeabilizado que contém – de baixo para cima – camadas de pedra brita e areia. Em cima dessas camadas são inseridas macrófitas (plantas de áreas alagadas), que trabalham em simbiose com bactérias aeróbicas. Estas, por sua vez, decompõem as partículas orgânicas junto às raízes. Para isso, utilizam o oxigênio captado do ar pelas próprias plantas. Depois de tratada, a água que sobra cai no terreno e infiltra. “Dá para fazer um laguinho com peixes aqui”, planeja Salete.

“Basicamente, as fezes se transformam em plantas e em um lindo jardim, com bananáceas, juncos, papirus e aguapés”, resume o técnico em meio ambiente Thomás Moutinho, que construiu a ETE da chácara. Adepto da permacultura – ciência que valoriza práticas sustentáveis, inclusive em construções –, ele explica que a obra levou apenas dois dias para ser concluída e custou cerca de R$ 500. A ETE tem capacidade para tratar o esgoto produzido por 4 pessoas/dia. Em um sistema maior (para 12 casas), construído no interior de São Paulo, o custo foi de R$ 1 mil por casa, segundo Moutinho.

De acordo com a bióloga Tamara Van Kaick, professora adjunta do departamento de Química e Biologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a eficiência das ETEs por zona de raízes depende da combinação de fatores como o tipo de planta, a granulometria (tamanho) da brita e da areia e do tipo e volume de esgoto, entre outros. Ainda assim, na média, os resultados são muito bons. “Algumas avaliações identificam uma excelente redução em todos os parâmetros. Alguns, como coliformes fecais, chegam a ter redução de 99%”, destaca.

Além de não ter problemas com o mau cheiro e incrementar o jardim, a ETE praticamente não dá manutenção. “O que a gente tem de fazer, às vezes, é tirar o excesso de raízes”, explica Alessandra. Salete, por sua vez, toma alguns cuidados prévios. “Água sanitária não pode, então usamos somente sabão. Eu me preocupo em não colocar nada que vá matar as plantas”, justifica.

COMO FUNCIONA:

A ETE por zona de raízes tem um sistema simples, mas eficiente.
* O efluente que sai da residência vai para uma fossa séptica comum, impermeabilizada. Ali, o esgoto bruto decanta por ação da gravidade. As partículas mais pesadas vão para o fundo; as leves sobem. Neste estágio, ocorre a decomposição anaeróbica (sem oxigênio) do material orgânico.

* Ainda nesta etapa, pode-se acrescentar opcionalmente um tanque com carvão para absorver produtos químicos como sabões e água sanitária, que agem como biocidas, matando as bactérias nas raízes das plantas e comprometendo a eficiência do sistema.

* Na sequência, o efluente entra pela parte mais baixa de um tanque construído normalmente em ferro e cimento e impermeabilizado. No fundo desse tanque, acrescentam-se camadas de pedra britada – mais grossa no fundo e mais fina em cima. Quanto menor o espaço entre as camadas, mais eficiente será o tratamento. Depois, coloca-se areia, onde as plantas macrófitas são inseridas.

* A região onde as raízes avançam torna-se uma área aeróbica. As plantas têm capacidade de injetar o oxigênio em suas raízes, onde vivem microrganismos – zona conhecida como biofilme –, que decompõem as partículas orgânicas, liberando-as para as plantas.

* Finalmente, pode-se construir um pequeno lago para oxigenação do efluente que sai pela parte superior do tanque. Este lago pode ser habitado por sapos e até por pequenos peixes.

Fonte: Thomás Moutinho.

Preocupação socioambiental

A ETE do patronato ocupa uma área de 80 m2, entre a mata e a plantação.

Além de oferecer apoio a cerca de 600 jovens em situação de risco, o Patronato Santo Antonio, em São José dos Pinhais, também virou um exemplo de responsabilidade ecológica. Como não há rede coletora de esgoto na região, a entidade investiu em uma ETE por zona de raízes. O sistema, que inclui uma cisterna de cimento de três metros de diâmetro para a decantação prévia do esgoto bruto e um canteiro de plantas de mais ou menos 80 m2 para filtragem do efluente oriundo da cisterna, foi inaugurado em maio deste ano e tem capacidade para servir a aproximadamente 700 pessoas.

“Tivemos como motivação para essa obra a preocupação com o meio ambiente, algo que o patronato sempre teve, e não simplesmente ficar esperando que isso seja imposto pela legislação. É o correto a ser feito”, justifica Euclides Nora, assessor do patronato. “E a gente sabe que essa água que sai não está poluindo nada mais para a frente, o que é muito positivo”, acrescenta Luiza Deon, administradora da entidade. O patronato ocupa uma vasta área, localizada dentro da bacia do Rio Miringuava.

Antes de adotar o sistema, tanto a água da chuva quanto o esgoto iam para fossas comuns, situadas junto às edificações. Agora, a água pluvial é direcionada diretamente para cavas que ficam no terreno ao fundo do patronato. Já o esgoto, vai para a ETE e, só depois de tratado, é que é lançado nas cavas. “Fizeram um exame na água e deu teor de pureza de 90%”, orgulha-se Euclides. “A nossa intenção agora é fazer uma cisterna para captação de água da chuva”, revela Luiza, que notou a diminuição do número de pernilongos depois da implantação da ETE. Além disso, a única manutenção que precisam fazer é esgotar, de cinco em cinco anos, a cisterna de cimento.

Orientação

A bióloga Tamara Van Kaick explica que, apesar de simples, as estações de tratamento por zona de raízes devem ser construídas sob supervisão. “A orientação técnica é fundamental, porque qualquer alteração no projeto pode trazer problemas e o transbordo do esgoto bruto causa mau cheiro”, argumenta. Segundo Kaick, infelizmente no Brasil ainda há poucos profissionais capacitados na área. Além disso, é preciso definir também algumas padronizações e estudos sobre os materiais e as técnicas empregados na construção das ETEs. Mesmo assim, as vantagens do sistema são grandes. “Ele assimila os nutrientes (fósforo e nitrogênio), que se lançados em excesso nos corpos hídricos tiram oxigênio da água, um dos maiores problemas que os sistemas convencionais não conseguem reduzir”, esclarece. Já Thomás Moutinho, aponta a descentralização do tratamento de efluentes como outra vantagem. “Os sistemas convencionais (centralizados) recolhem quantidades imensas de materiais orgânicos e os carregam a quilômetros para tratá-los. Há um alto custo de construção e de manutenção, além de um elevado gasto energético”, conclui.

Fonte: Ambiente Brasil/RPC

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