Nem petróleo, nem gás natural, nafta ou outros insumos químicos nobres. Dezessete quilômetros de tubulações estão sendo construídos próximo à Avenida do Estado, no município de Santo André, Região Metropolitana de São Paulo, para bombear até o Polo Petroquímico de Capuava uma matéria-prima cada vez mais rara e cara: água.
Neste caso, não a captada dos rios ou poços artesianos, mas a obtida a partir de filtragens refinadas do esgoto doméstico na Estação de Tratamento do ABC. Com investimento de R$ 253 milhões, a empresa Aquapolo Ambiental, operadora do sistema, estima uma receita de R$ 40 milhões por ano em contratos para fornecimento da chamada "água industrial de reúso" em quantidade inicial equivalente ao consumo médio de uma cidade com 400 mil habitantes.
Esse volume possibilita reduzir o efluente despejado no Córrego dos Meninos, após tratamento. Ao substituir o uso de água potável pelas indústrias, o projeto também permite maior segurança na oferta para a população - o que significa menor risco de racionamento quando o nível das represas está baixo na estiagem. "Além de aliviar a pressão sobre fontes hídricas naturais, a vantagem está na perpetuidade no consumo de água para sustentar o crescimento industrial, sem barreiras como outorga e licenciamento ambiental", justifica Guilherme Paschoal, diretor da empresa, formada pela Cetesb (49%) e Foz do Brasil (51%), do Grupo Odebrecht. As sete indústrias instaladas no polo, entre as quais Petrobras, Oxiteno e Solvey, consomem 620 litros por segundo de água. Parte é captada diretamente no rio Tamanduateí e parte na rede de abastecimento público, a um custo que pesa nas planilhas.
"Por conta da escassez, a água tornou-se uma questão estratégica, com reflexo na competitividade", diz Paschoal. A poluição é uma barreira. "Frequentemente somos obrigados a interromper a operação de equipamentos por conta da péssima qualidade da água captada no rio", diz Fadlo Hadad, gerente de processos da petroquímica Quattor, adquirida pela Braskem. Ele adverte: "o problema está se agravando com a maior demanda industrial, diante do crescimento econômico". Em sua análise, "o abastecimento pela nova adutora dará maior confiabilidade operacional."
Iniciada em outubro, foram executados em 2,5 Km de adutora, prevista para estar concluída em abril de 2012. Também está sendo construída uma estação de tratamento terciário para conferir à água padrão mínimo para uso industrial, como produção de vapor em caldeiras, lavagens de gases e limpeza de máquinas. Foram investidos R$ 12 milhões na aquisição de know how no exterior. "Nos últimos dois anos, a competição global pelo mercado reduziu pela metade o custo da tecnologia, que só agora começa a ser empregada no Brasil", analisa Paschoal.
Há planos para ampliação do fornecimento em 50% a partir do esgoto tratado no ABC paulista, incrementando o negócio mediante a venda de água de reúso para indústrias de grande porte localizadas fora do polo no percurso da adutora, a exemplo da Rhodia e GM. De acordo com ele, três outros projetos de adutoras estão em estudo no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, nos setores petroquímico, mineração e siderurgia. "É um mercado com alto potencial de crescimento."
A nova obra em São Paulo mudará a escala da água purificada a partir do esgoto. "Até meados de 2012, o consumo aumentará dez vezes", afirma Eliane Florio, analista de planejamento da Sabesp. Hoje, a produção é 1,7 milhão de litros por mês, distribuídos por duas linhas de adutoras e caminhões-pipa que atendem cerca de 55 empresas, com faturamento anual de R$ 1 milhão. As estações de tratamento da Sabesp que produzem água de reúso vendem hoje apenas 30% do que poderiam fornecer. Marcelo Morgado, assessor de meio ambiente da companhia, ressalta que o produto é carro-chefe no portifólio de soluções ambientais para grandes clientes.
Há nichos a serem explorados, como a lavagem de caminhões de lixo pelas empresas de limpeza urbana, responsáveis por um consumo de 20 milhões de litros mensais, metade do que a prefeitura gasta para lavar ruas. Na construção civil, a água de reúso pode ser utilizada para compactar solos, resfriar máquinas de asfalto e fazer concretagem. Shoppings e redes hoteleiras utilizam água não potável para fins sanitários. Além do benefício para a imagem, o produto tem vantagem econômica. Custa R$ 1 a R$ 3 por 1 mil litros, enquanto o preço da água tratada convencional gira em torno de R$ 10. "O aproveitamento só não é maior devido à resistência cultural em torno da água vinda do esgoto, mesmo refinada para atingir padrão de qualidade seguro."
O desafio é mundial. Em Israel, 80% da água consumida pela população provém do esgoto. Na Espanha, o índice é de 12%. No Brasil, o mercado é ainda inexplorado. A Região Metropolitana de São Paulo consome por segundo 80 mil litros de água dos rios e lençóis subterrâneos, sendo que 80% - ou seja, 64 mil litros - viram esgoto após o uso. Do total, só 13 mil litros são tratados. O restante é lançado diretamente nos rios. "Os investimentos na rede pública não acompanham a demanda", afirma Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (CIRRA), da USP. Ele diz que na metrópole paulistana existe um potencial para essa água menos nobre equivalente a 60% de todo o consumo da população.
"As indústrias fizeram expressivos investimentos nos últimos cinco anos", diz Hepanhol. Há uma década, poucas se preocupavam com o tema. Recente estudo coordenado pelo pesquisador junto a mais de 2,3 mil indústrias, em diferentes regiões de São Paulo, revelou que o pagamento pelo uso dos rios, cobrado pelas agências de bacias hidrográficas, corresponde a um total de R$ 3,8 milhões por dia. Caso 60% do consumo tivesse como origem água de reúso, o valor diminuiria para R$ 943 mil.
O assunto entrou para a estratégia das empresas. "Mas a falta de vontade política, de incentivos financeiros e de legislação emperram o setor", diz. A regulação está em análise no Conselho Nacional do Meio Ambiente, porque envolve níveis segurança contra contaminação. São Paulo estuda uma lei estadual. Ele lembra que avanços são importantes diante da escassez que aflige a maior metrópole do país, onde a disponibilidade de água é dez vezes inferior à recomendada pelas ONU. O problema já é considerado no licenciamento para expansão ou instalação de novas fábricas. E muda a geografia industrial da região, dificultando investimentos e empurrando as empresas para o interior.
Fonte:Tratamento de Água
Um comentário:
Ótimo artigo. Quem o assina?
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