sábado, 6 de junho de 2009

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUAS TRAJETÓRIAS, FUNDAMENTOS E IDENTIDADES

Daniele Barros Jardim

Este texto aborda alguns eixos que norteiam a temática da Educação Ambiental (EA), conforme o que foi apresentado durante a disciplina de Seminários de Educação Ambiental ministrada pela Professora Susana Inês Molon dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental- PPGEA, da Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Este trabalho possui como principal objetivo apresentar abordagens, sobre educação ambiental, bem como elucidar algumas concepções sobre o tema, a partir dos eixos: A trajetória e os fundamentos da EA; A educação ambiental: várias vertentes; e A Educação Ambiental no Brasil, com o intuito de resgatar o que foi discutido e proporcionado dentro da disciplina.


1 PELOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL...

O início da modernidade no século XVIII ocasionou inúmeras mudanças políticas, culturais, sociais e econômicas; além de inúmeros acontecimentos perturbadores de costumes e hábitos, o que por sua vez proporcionou outras regulamentações regendo o convívio dos habitantes na nova polis. Neste momento, inicia-se uma reestruturação do processo de cidadania, isto é, um moderno contrato social.

No entanto, tais mudanças foram propícias para que as cidades em franca expansão começassem a abranger novas formas de poluição, violência e desorganização, gerando problemáticas ambientais, a partir desse novo agrupamento que acontece em espaços comuns (CASCINO, 2003).

Percebe-se, então, que as questões ambientais começaram a surgir devido a um conjunto de mudanças ocorridas pelo e no mundo. Principalmente, sob o argumento da industrialização acelerada que teve como conseqüência, a necessidade de apropriação cada vez maior e mais rápida dos recursos naturais e humanos, determinando amplas e profundas mudanças nas relações sociais e econômicas.

Nesse contexto, surge a necessidade de praticar a gestão ambiental, pois os espaços naturais necessitavam de uma atenção especial. Cascino (2003) em seus escritos nos comenta que nesse momento a natureza passa a ser compreendida de outra maneira:

A natureza passava a ser vista não apenas como um lugar a ser conquistado, mas como um lugar de relação humana, onde o ser humano pode descansar, distanciando-se da nascente neurose urbana. Esta ressignificação da natureza ocorreu a partir da própria conquista humana da tecnologia – com os novos instrumentos de navegação, os novos modelos de barcos, velas, mastros, etc., enfim, todo o conjunto de novos equipamentos voltados à aventura de explorar os espaços naturais e enfrentar os lugares “inóspitos”. (CASCINO, 2003, p. 20)

Mediante perspectivas históricas e críticas, a educação ambiental quer que as visões de mundo sejam discutidas, compreendidas, problematizadas e incorporadas.

Loureiro (2004) em sua obra Trajetórias e Fundamentos da Educação Ambiental problematiza a questão de voltarmos a falar em fundamentos da educação ambiental, mesmo que estes já estejam definidos e mundialmente aceitos desde a metade da década de 1970. Ele justifica que a banalização de alguns conceitos e categorias teórico-metodológicas passou a ser comumente incorporados em alguns trabalhos, projetos e programas que se esvaziou de sentidos, perdendo a caracterização da educação ambiental, assim como a capacidade de refletir e de posicionar-se frente a vertentes existentes, principalmente depois da aprovação da Política Nacional de Educação Ambiental- PNEA.

A educação ambiental em 27 de Abril de 1999 virou a Lei N° 9.795- PNEA e em seu Art. 2° afirma que "A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

Atualmente, depois de três décadas do início das preocupações com as questões sócio-ambientais, é que a educação ambiental pode expressar-se sobre a necessidade de passar para a sociedade elementos éticos e conceituais a fim de estabelecer uma nova relação com a natureza, buscando superar seu caráter conservador que é muito forte na sociedade. É necessário que o velho paradígma, referente que os educadores ambientais em geral falam das mesmas coisas e possuem os mesmos objetivos, pois o que muda é apenas o setor social em que atuam, seja repensado, refletido e analisado para que aconteça sua superação (LOUREIRO,2004).

Logo, a educação ambiental se constitui em uma forma abrangente de educação, alterando a proposta de educação que conhecemos, visando à participação dos cidadãos nas discussões sobre educação ambiental. A educação ambiental é uma ação educativa que se desenvolve, através de uma prática, em que valores e atitudes promovem um comportamento rumo a mudanças perante a realidade, tanto em seus aspectos naturais como sociais, desenvolvendo habilidades e atitudes necessárias para dita transformação e emancipação.

A questão ambiental é conhecida como os diferentes modos pelos quais a sociedade, com o passar do tempo, se relaciona com o meio físico natural. Porém, a noção de que a questão ambiental diz respeito à relação sociedade-natureza não basta para direcionar uma metodologia de análise e reflexão que permita a compreensão deste relacionamento em toda sua complexidade. O ponto chave do entendimento da problemática ambiental está na esfera da totalidade da vida em sociedade. De acordo com Layrargues:

Apesar da complexidade ambiental envolver múltiplas dimensões, verifica-se, atualmente, que muitos modos de fazer e pensar a Educação Ambiental enfatizam ou absolutizam a dimensão ecológica da crise ambiental, como se os problemas ambientais fossem originados independentemente das práticas sociais. (LAYRARGUES apud LOUREIRO, 2004, p. 11)

Barcelos (2008) em seu atual livro Educação Ambiental: sobre princípios e atitudes comenta sobre a ampliação do olhar, que é preciso atentar para as representações principalmente sobre as questões ambientais, porque existe uma radical conseqüência sobre aquilo que podemos fazer em nossas atividades e aquilo que realmente é feito. Isto é, “...a busca de uma maior aproximação entre aquilo que denominamos de princípios, idéias, fundamentos ou pressupostos da educação ambiental e as nossaas atitudes cotidianas” (2008, p. 09).

Segundo Loureiro (2004) a problemática central de se retomar tal reflexão sobre os fundamentos da educação ambiental não é estabelecer um modelo padrão para ser orientador aos educadores ambientais, pois isso geraria um reducionismo e uma negação do educar como processo dinâmico. Mas, ele entende e compreeende que devemos:

Objetivamos, sim, definir as premissas que fundamentam uma tendência crítica que enfatiza a Educação Ambiental como uma visão paradigmática diferenciada da e na educação e que, pela explicitação do contraditório, torna compreensível os diferentes modelos encontrados em projetos e programas formais, informais e não formais. (LOUREIRO, 2004, p. 21)

Portanto, é importante a apresentação de diversos conceitos em educação ambiental, que podem e devem ser confrontados democraticamente mediante o diálogo, ocasionando uma demarcação dos diferentes campos teóricos que orientam a educação ambiental em suas múltiplas abordagens. Parafraseando Loureiro (2004) a idéia de que tudo é válido, desde que se tenha em mente a preservação do ambiente, não promove a transformação que desejamos para viver em sociedade da forma como almejamos, nem mesmo para nos sentirmos como parte da natureza.



2 A TRAJETÓRIA E AS IDENTIDADES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL


No Brasil a educação ambiental, em particular, vai surgir tardiamente em meados da década de 1980, porque ganha dimensões públicas de grande importância como, por exemplo, a Constituição Federal em 1988. E o movimento ambientalista brasileiro consegue um caráter público e social apenas no início da mesma década supracitada.

Logo, a educação ambiental se inseriu primeiramente nos setores públicos vinculada com um forte sentido conservador, comportamental e tecnicista voltada para a resolução de problemas.

Contudo, a educação ambiental brasileira perpassou sensíveis mudanças metodológicas e conceituais na última década - dado equivalente se comparado com as décadas anteriores e ao que está sendo realizado- existindo uma tendência progressiva de educação ambiental que abandona o perfil conservacionista de antes, reconhecendo a dimensão social do ambiente atualmente. Sobre essa tendência, Layrargues & Loureiro (2000) comentam que:

A praticada pela escola e movimentos sociais e teorizada pela academia tem apresentado uma tendência progressiva a relacionar o espaço escolar com a vida comunitária, reconhecendo a dimensão social do ambiente e começando a abandonar o perfil conservacionista das décadas anteriores. (LAYRARGUES & LOUREIRO, 2000, p.6)

Existe a constatação da instituição de um modelo de educação ambiental, que tem como enfoque a reflexão sobre o funcionamento dos sistemas sociais, em que este novo modelo, segundo Layrargues & Loureiro “busca cada vez mais uma aproximação mais realista e complexa da articulação da pauta ambiental com a social” (2000, p.6). Possivelmente, isso aconteceu devido à reflexão das ciências humanas e sociais a respeito da educação ambiental, pois perceberam sua necessidade e importância.

Sendo que agora, ela tornou-se uma dimensão fundamental, com especificidade própria, em que o adjetivo ambiental é um substantivo. Conforme Layrargues, a educação ambiental é um vocábulo composto que envolve os campos ‘educação’ e ‘ambiente’ “O adjetivo ambiental designa uma classe de características que qualificam essa prática educativa, diante desta crise ambiental que ora o mundo vivencia” (2004, p. 7)

Assim, sua práxis aponta para uma tendência de diferenciação na medida em que se desenvolve e cresce, englobando ao mesmo tempo reflexões como miséria e exclusão social com poluição e degradação ambiental.

E essa tendência que começa a ser denominada como “crítica” ou “transformadora”, se isenta de pertencer à neutralidade política, por ir além das conseqüências da crise ambiental esperadas. Layrargues & Loureiro (2000) dissertam a respeito disso que:



...essa tendência da educação ambiental (...) deixa de ser politicamente neutra, ao ir além das conseqüências da crise ambiental. Consolida uma argumentação que legitima a crítica ao sistema capitalista, evidenciando que a causa da degradação ambiental é a mesma da degradação social. Discute os modos de apropriação e uso privado dos recursos naturais e humanos, aponta os conflitos socioambientais daí advindos, e identificando não apenas a degradação ambiental, mas também as vítimas dos seus efeitos. (LAYRARGUES & LOUREIRO, 2000, p.6)

A partir desta ordem, a educação ambiental assume uma nova identidade, porém agora sendo impossível de se referir a somente um modelo de educação ambiental sem qualificá-la. Pois, com a diversidade de nomenclaturas assumidas atualmente, necessita-se re-significar os sentidos identitários e fundamentais dos diferentes posicionamentos.

Todas as diferentes concepções como, alfabetização ecológica; ecopedagogia; educação ambiental crítica, transformadora e emancipatória; educação no processo de gestão ambiental entre outras, buscam a construção da sustentabilidade e o Brasil tem realizado e protagonizado esse debate, abrigando uma enorme gama de discussões sobre as especificidades da educação nesta construção.

Enfim, re-nomear o vocábulo Educação Ambiental pode significar dois movimentos distintos: um refinamento conceitual baseado no amadurecimento teórico do campo e o estabelecimento de fronteiras identitárias segmentando diversas vertentes, (LAYRARGUES, 2004).



3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL TRANSFORMADORA


A educação ambiental transformadora apresenta-se como um conteúdo emancipatório, a partir de uma matriz que vê a educação como elemento de transformação social, em que as atividades humanas relacionadas ao fazer educativo provocam metamorfoses individuais e coletivas, locais e globais, bem como econômicas e culturais (Loureiro, 2004). Busca mostrar o significado e o sentido da revolução para que se concretize com base numa transformação integral do ser humano e das condições objetivas de existência. Segundo o grande teórico desta área Carlos Loureiro (2004):

Entendemos que falar em Educação Ambiental transformadora é afirmar a educação enquanto práxis social que contribui para o processo de construção de uma sociedade pautada por novos patamares civilizacionais e societários distintos dos atuais, na qual a sustentabilidade da vida, a atuação política consciente e a construção de uma ética que se afirme como ecológica sejam seu cerne. (Loureiro apud Loureiro, 2004, p. 90)

O diálogo, que é base na educação, apresenta-se numa perspectiva transformadora e popular de Educação Ambiental, porque só nos educamos/aprendemos dialogando em um conjunto de relações pelos quais nos definimos como seres sociais e planetários. Paulo Freire já justificava a visão de educação como um processo dialógico pelo qual nos educamos mutuamente mediados pelo mundo (LOUREIRO, 2004).

Com relação à mediação, o autor e educador Lev Vygotsky construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Para Molon, o sujeito é constituído e constituinte mediante as relações sociais e sobre esta questão nos esclarece:

Nesse sentido, o sujeito constituído e constituinte nas e pelas relações sociais, é o sujeito que se relaciona na e pela linguagem no campo das intersubjetividades. Desse modo, é na relação com os outros e por ela, é na linguagem e por ela que se constitui e é constituinte de outros sujeitos, no campo da intersubjetividade, configurado como o lugar do encontro e do confronto, e como palco de negociações das significações do mundo sócio-histórico. (MOLON, 2003, p.98)

Logo, a possibilidade de pensarmos em uma nova sociedade deve considerar que somos seres com culturas, linguagens, racionalidades e éticas (LOUREIRO, 2004), somos também a natureza e por inúmeras razões, entre elas a biológica, transformamos a mesma e isso se torna parte de um processo histórico- cultural. E a dialética aparece com um método que possibilita o diálogo crítico com outras abordagens do campo ‘ambiental’ que se utiliza de alguns pressupostos comuns na formulação de suas visões de mundo (LOUREIRO, 2004).

É importante destacar ainda que iniciar na Educação Ambiental significa começar a refletir sobre os problemas socioambientais a partir daqueles do nosso próprio cotidiano. Segundo Tristão “Trata-se de ampliar a função da escola, de simples transmissão de conhecimento para estabelecimento de uma comunicação crítica, criadora de um sistema imaginativo e transformador da cultura e do ser humano” (2002, p.173).

Conforme Loureiro (2004), o fazer educativo ambiental assume finalidades e realiza-se coerentemente com a tradição teórica crítica e emancipatória, pois entende que em seu processo de execução existem alguns princípios indispensáveis como, por exemplo, a educação mediadora de interesses e conflitos; os problemas ambientais mediados pela dimensão naturalista; a perspectiva crítica e histórica implica perceber as relações existentes entre educação, sociedade, trabalho e natureza; indissociabilidade entre teoria e prática no cotidiano; e a educação como emancipação.

Estes princípios se concretizam através de procedimentos participativos e dialógicos, que buscam englobar as múltiplas esferas da vida planetária, social e individual. Do contrário, não pode ser subentendido como transformador. Ou seja, é preciso compreender as categorias que permitem pensar a educação indissociável do processo de transformação social e de realização do sujeito em sociedade e no mundo.

A educação ambiental transformadora, enfim, pode ser apresentada em três eixos explicativos, segundo Carlos Loureiro, na edição da publicação realizada pela Diretoria de Educação Ambiental- DEA do Ministério do Meio Ambiente- MMA (2004):

- busca redefinir o modo como nos relacionamos conosco, com as demais espécies e com o planeta;

- tem na participação e do exercício da cidadania princípios para a definição da democracia e das relações mais adequadas, com relação à vida planetária;

- educar para transformar significa romper com as práticas sociais contrárias ao bem-estar público, à equidade e à solidariedade, estando articulada necessariamente às mudanças éticas que se fazem pertinentes.

O importante é transformar, seja pela atividade consciente ou pela relação teoria-prática. Pois, a educação é um momento da práxis social transformadora, onde não se pretende considerar que a perspectiva ‘ambiental’ possa revolucionar a sociedade, mas sim que sem ela será complicado assim o fazer.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação ambiental trata-se de um processo pedagógico participativo que pretende incutir uma consciência crítica sobre a problemática ambiental, estendendo à sociedade a capacidade de captar a gênese e a evolução de problemas ambientais.

Por isso, a importância da construção de uma proposta de educação ambiental comprometida com o exercício da cidadania que exija a explicitação dos pressupostos que devem fundamentar uma prática/ práxis. Sobre isso, Loureiro (2004) comenta que educação ambiental é o meio educativo pelo qual se podem compreender de modo articulado as dimensões ambientais e sociais, problematizar a realidade, buscando raízes da crise civilizatória.

Mediante perspectivas históricas e críticas, a educação ambiental quer que as visões de mundo sejam discutidas, compreendidas, problematizadas e incorporadas.

Portanto, a Educação Ambiental tem a responsabilidade de construir uma nova ética ecológica a fim de problematizar valores vistos como absolutos e universais que visam o bem comum (LOUREIRO, 2004). Isso inclui agir conscientemente reconstruindo e modificando a realidade. Em fim, a educação ambiental precisa ser compreendida como um ato político.

Daniele Barros Jardim
Pedagoga e Mestranda em Educ. Ambiental - PPGEA/ FURG

Fonte: Educação Ambiental em Ação

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