sábado, 6 de junho de 2009

Uma história de águas turbulentas

Rogério Daflon


A cidade do Rio de Janeiro tem uma longa história de erros quando o assunto é água. Em janeiro de 1502 se iniciou a linha do tempo de equívocos. Foi quando navegadores portugueses fitaram a Baía de Guanabara e, encantados, deduziram que se tratava de uma foz de um grande rio... Tal raciocínio desembocou na ideia de chamar a terra nova de Rio de Janeiro. Com 187 rios, 42 canais, 10 riachos, quatro arroios, duas valas, seis valões, segundo dados do Instituto Pereira Passos (IPP), a metrópole teria um bom potencial hídrico hoje, não fosse a poluição que vai com a correnteza. O curso d'água que deu nome ao povo do lugar é um exemplo emblemático desse desleixo. Batizado por indígenas em 1503, o Rio Carioca, outrora fonte de água potável e símbolo da Cidade Maravilhosa, acumula lixo e esgoto.

Diretor do Associação Brasileira de Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Flávio Mascarenhas se impressiona com o triste destino do Rio Carioca.

- Ele deságua numa estação no Aterro do Flamengo e, na sequência, na Baía de Guanabara. Chega tão poluído à estação que não há como a maioria dessa carga poluidora deixar de ir para a Baía.

Mascarenhas explica que o Rio Carioca começa no Maciço da Tijuca, segue pelo bairro de Santa Teresa, passa por comunidades carentes e chega imundo em outro lugar histórico, o Largo do Boticário.

- Depois, o Rio Carioca corre subterrâneo por bairros como Laranjeiras, nos quais recebe ligações de esgoto de prédios e residências de classe média até chegar ao Aterro do Flamengo.

Gerente de Qualidade Ambiental do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Fátima Soares associa a poluição dos cursos d'água à ocupação desordenada na Região Metropolitana do Rio.

- Onde há um adensamento populacional grande, os rios estão num estado muito ruim.

BOCA BANGUELA
Fátima identifica os estragos da poluição dos rios na Baía de Guanabara, uma "boca banguela", segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que não viu nela beleza alguma. Ela destaca a costa oeste da Baía, que engloba o Centro do município, São João de Meriti e Nilópolis, para onde correm rios como Irajá, Acari, Pavuna e Iguaçu, além dos canais do Mangue e do Cunha.

- São os rios mais degradados. E chegaram a esse ponto com o aumento da ocupação desordenada. A velocidade da ocupação não foi acompanha por obras de infraestrutura sanitária - diz Fátima, acrescentando que, na costa leste da Baía, a situação também é triste, com rios como Alcântara e Canto do Rio que levam a poluição de São Gonçalo e Niterói para o mar.

Fátima ressalta que o nível de poluição da Baía cai quando suas águas recebem os rios da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim.

- Ali a qualidade da água é melhor. São rios que deságuam na costa norte e nordeste da Baía, como o Magé, Guapi e Macacu.

A poluição dos cursos d'água do Grande do Rio exemplifica o que ocorre em outros grandes centros urbanos do país. Benedito Braga, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), diz que há uma equação que produz um resultado ruim para todo mundo.

- As companhias estaduais precisam equilibrar receita e despesa e, por isso, não investem nas regiões pobres dos centros urbanos em relação à coleta e ao tratamento de esgoto. Seria fundamental que o governo federal desse subsídios para que exista qualidade de água nos rios próximos a populações de baixa renda, mas sobretudo para diminuir doenças relativas à falta de saneamento básico. Haveria, com isso, uma diminuição da demanda por leitos hospitalares e, consequentemente, menos gastos com a saúde pública - afirma.

DIFÍCIL SOLUÇÃO
Diretora de Gestão das Águas e do Território do Inea, Rosa Formiga, diz que há um plano do governo estadual para coleta e tratamento de esgoto de todo o estado do Rio em dez anos.

- É um pacto de saneamento. Os recursos seriam da ordem de R$ 800 milhões por ano no período de dez anos. E eles preveem solucionar também outro grave problema do Rio: o lixo jogado em nossos rios. O pacto também terá de incluir educação ambiental, para que as pessoas tenham consciência do mal que é jogar lixo nos rios - afirma Rosa Formiga.

Secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos diz que o importante desse projeto é que ele foi feito para ser tocado a longo prazo.

- Após vários levantamentos, chegou-se à conclusão de que com R$ 8 bilhões em dez anos faz parte dos problemas de saneamento do estado estarão resolvidos. Não será uma tarefa fácil - calcula a secretária, que cita a Estação de Tratamento de Esgotos de Alegria, no Caju, inaugurada em janeiro deste ano, como um dos projetos que diminuiu a poluição.


Há outras ações em curso. Uma delas visa a resolver o problema das enchentes na Baixada Fluminense, no Grande Rio, e a recuperação ambiental das bacias dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí. Trata-se do Projeto Iguaçu, do governo do estado do Rio, com investimentos do PAC de cerca de R$ 270 milhões.

- O Projeto Iguaçu recuperará a região e a população poderá ficar livre das enchentes e ter áreas de lazer, que vão substituir as moradias irregulares ribeirinhas, nas quais as pessoas correm grandes riscos - promete o professor da Coppe/UFRJ Paulo Canedo, autor do projeto.

A maioria das obras de saneamento do Rio de Janeiro beneficiará a Baía de Guanabara. Se tais promessas deixarem de ser um sonho distante, a impressão do antropólogo Lévi-Strauss de que a Baía é um lugar horroroso vai cair no vazio. Feia ela não é. Na verdade, é maltratada.

Fonte:O Globo

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