Em dez anos – entre 1997 e 2007 – a expectativa de vida do brasileiro subiu de 69,3 anos para 72,7, alavancada pela mudança no padrão alimentar da população, melhorias no setor de habitação e maior acesso a serviços de esgoto e tratamento de água, mesmo que só para uma parcela privilegiada da sociedade. A vitória, no entanto, criou um paradoxo na saúde pública do país. Males típicos de países desenvolvidos, como as doenças cardiovasculares, a obesidade e o câncer passaram a conviver lado-a-lado com moléstias de terceiro mundo no Brasil, que insiste em se manter em posições altas nos rankings mundiais da dengue, malária, leishmaniose e febre amarela. A falta de políticas continuadas na erradicação dessas doenças e mudanças em muitos pontos positivas na qualidade de vida do brasileiro provocaram um cenário onde a saúde pública vive o pior de dois mundos. E, seja de câncer ou de moléstia tropical, as principais vítimas tendem a ser as classes mais baixas.
– A mortalidade infantil está caindo e as pessoas estão envelhecendo – reconhece Roberto Medronho, epidemiologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). – Nos países centrais, isso está ocorrendo sem problemas, mas, no Brasil, a situação é extremamente preocupante. Temos o envelhecimento mais rápido do mundo, mas não conseguimos eliminar as doenças infecciosas e a população tem sofrido uma sobrecarga de moléstias.
Dessa forma, o mesmo país que conseguiu elevar sua expectativa de vida a um patamar europeu viu, em 2007, a ocorrência de 559.954 casos de dengue em seu território. Ao mesmo tempo, o Instituto Nacional de Câncer estima que, neste ano, sejam diagnosticados 466.730 novos casos da doença. O câncer de próstata é o que mais atinge os homens. Foram 49 mil novos casos. O mesmo número de mulheres foi diagnosticado com tumores malignos de mama. Ambos são cânceres evitáveis com exames preventivos. E, ao contrário do que se possa imaginar, no Brasil, câncer e doença de coração não são doenças de ricos.
– As pessoas estão vivendo mais e, por conta disso, estão mais vulneráveis a doenças de populações mais velhas, como o câncer ou os infartos – afirma Medronho. – O problema é que não temos um programa efetivo de atenção à saúde que controle as doenças infecciosas e promova a saúde para que as pessoas possam ter hábitos mais saudáveis. Gasta-se muito com assistência a saúde para curar doenças que poderiam ser evitadas.
Moléstias tropicais
Enquanto as doenças de primeiro mundo avançam, moléstias tropicais tidas como controladas em território nacional reaparecem e se alastram por regiões antes livres dessas epidemias. É o caso, por exemplo, da leishmaniose, endêmica nas regiões Norte e Nordeste, que por conta das migrações hoje se alastra pelo Sudeste e Centro-Oeste. Ou da Doença de Chagas, vista como uma das poucas vitórias do Brasil na área das doenças tropicais, mas que volta a ameaçar o país.
Especialista no combate à moléstia, o infectologista Marcelo Simão Ferreira, da Universidade Federal de Uberlândia (MG), conta que há pelo menos três anos não há transmissão da Doença de Chagas pela picada de seu vetor, o barbeiro. Por conta de uma campanha intensiva de combate ao inseto e pela melhoria nas condições gerais de habitação do brasileiro, a forma urbana do barbeiro praticamente deixou de existir no Brasil, mesmo que em países vizinhos, como a Argentina e o Uruguai, continue a ser considerado um grave problema de saúde pública.
– Praticamente não existem mais as tais casas de pau a pique, que eram verdadeiros criatórios do barbeiro nas cidades, e isso foi fundamental no controle da doença – diz Ferreira. – O problema agora é a transmissão oral, por ingestão de alimentos processados acidentalmente junto com o barbeiro silvestre.
É o caso do caldo de cana vendido à beira das estradas, que já provocou surtos na Paraíba e em Santa Catarina. Ou do açaí, processado próximo à mata. É uma faceta nova da doença que está aparecendo no Brasil.
Doenças negligenciadas
Ausentes entre as populações de países desenvolvidos, de maior poder aquisitivo, as mazelas tropicais não despertam o interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos em desenvolver vacinas preventivas. Constitui-se o que, no jargão dos pesquisadores, são conhecidas como doenças negligenciadas. Mesmo nos países onde tais moléstias sangram os sistemas de Saúde e de Previdência Social – como o Brasil – o volume de pesquisa na área é considerado insuficiente por especialistas.
– Por atingir pobres e ricos, a dengue chama mais atenção, mas mesmo assim a pesquisa médica ainda não achou uma cura para o vírus. O tratamento é paliativo – observa o epidemiologista Ivo Castelo Branco. – Se o equivalente a 10% do que foi investido na pesquisa da Aids fosse aplicado no desenvolvimento de uma vacina contra a dengue, já teriam encontrado uma solução, uma vacina – concorda Medronho.
Para o professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB), José Ricardo Marins, a população carente do país é quem mais sofre com as doenças negligenciadas porque elas são, na maioria das vezes, fruto da falta de saneamento, de moradias dignas, de informação e de alimentação adequada.
– É pouco condizente que um país com o nível de desenvolvimento econômico do Brasil ainda apresente quase 80 mil novos casos de tuberculose por ano – afirma Marins. – Durante duas décadas os programas de tratamento de tuberculose sofreram uma forte desorganização. Eles só foram retomados a partir de 2003, mas as quase quatro mil mortes anuais ainda são inaceitáveis. É uma questão de vergonha nacional. Exportamos aviões para o Canadá, temos pólos de informática pelo país inteiro, mas ainda temos pessoas que pegam malária oito vezes na vida.
Fonte: Jornal do Brasil
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