segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O DESAFIO DA FEBRE AMARELA NO BRASIL





Em 2008, o Brasil registrou 46 casos de febre amarela, com provável contaminação ocorrida nas áreas silvestres do Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Pará e Distrito Federal. Entretanto, a doença tem avançado para a região Sul do país, onde até abril deste ano foram feitas mais de 30 notificações de casos suspeitos de febre amarela silvestre. O pesquisador Ricardo Lourenço, chefe do laboratório de Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), esclarece dúvidas sobre a dispersão da doença, presente na América do Sul e na África. Entre outros aspectos, ele informa que as intervenções no ambiente silvestre são centrais nos ciclos de dispersão do vírus e defende que os primatas não são os principais responsáveis pela doença.

A febre amarela é uma doença infecciosa aguda, transmitida pela picada dos mosquitos transmissores infectados, que causa hemorragia, dores no corpo e icterícia (pele e olhos ficam amarelados). Foi controlada no início do século XX, com a produção de uma vacina eficaz a partir 1937, produzida pela Fundação Oswaldo Cruz desde então. Esta doença pode apresentar dois ciclos epidemiológicos - ciclo silvestre e ciclo urbano. Ambos envolvem mosquitos na transmissão do vírus: na forma silvestre os transmissores são primariamente mosquitos do gênero Haemagogus, ao passo que na forma urbana o vetor é o mesmo da dengue, o Aedes aegypti.

A forma silvestre ainda atinge pessoas não vacinadas que circulam em florestas ou próximos a regiões consideradas de risco: os estados do Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Amapá, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Distrito Federal e Maranhão, além de áreas de transição, que incluem partes ocidentais dos estados do Piauí, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No Brasil, a transmissão urbana da doença está controlada há mais de seis décadas: o último registro foi no Acre, em 1942.

Epidemias não são constantes


De acordo com Lourenço, até o final dos anos 90 a área endêmica abrangia toda a Amazônia e a região Centro-Oeste, com uma área de transição que atingia estreita parte oeste dos estados da Bahia, Minas Ferais, São Paulo e Paraná. O restante do país era considera área indene - livre da doença. No início do século XXI, a epidemia ocorrida no oeste de Minas Gerais alargou a faixa de transição para o leste. Em 2002, uma epidemia ocorrida no Rio Grande do Sul expandiu esta faixa para o oeste de todos os estados da região sul.

Para o especialista, é praticamente impossível acabar com a forma silvestre da doença, pois ela se mantém na floresta entre os mosquitos e mamíferos silvestres, e os mosquitos, uma vez infectados, ficam infectantes pelo resto da vida e também podem passam a infecção da mãe para o mosquito filhote (transmissão vertical da fêmea para sua prole). Os ovos destes vetores são resistentes à dissecação, ou seja: a população de ovos fica latente em ocos de árvore, resistindo de um ano para o outro, e pode eclodir depois do contato comas águas das chuvas. Os mosquitos Haemagogus transmitem a doença picando mamíferos, inclusive o homem. A transmissão deste vírus se dá pela picada de mosquitos transmissores infectados e não ocorre de pessoa para pessoa.


Intervenção no ambiente atua nos ciclos do vírus

A intervenção humana em áreas silvestres está intimamente relacionada com os ciclos de dispersão do vírus. Com o desequilíbrio causado pela ação do homem na floresta, os insetos descem das copas das árvores, seu habitat natural, e começam a picar animais no chão. Na copa, os macacos cebídeos (guaribas, bugios, ateles e pregos) os alvos preferenciais.

Estas espécies desenvolvem a síndrome de febre amarela de forma semelhante ao homem. Entretanto, os macacos infectados durante epizootias anteriores (epidemia em animais) têm resistência ao vírus e, desta forma, não são infectados novamente. Os animais nascidos depois, e que, portanto, não tiveram contato anterior com o vírus, podem adoecer e até morrer, pontua o pesquisador. O vírus da febre amarela circula no sangue dos macacos infectados (viremia) por cerca três a cinco dias. Os mosquitos Haemagogus que picarem estes animais durante o período de viremia poderão contrair a infecção e, após um período de incubação de pouco mais de 10 dias, transmitir o vírus para outros animais e para pessoas que circulem no ambiente silvestre ou próximo a eles.

O pesquisador frisa que, diferentemente do que muitos acreditam, os mosquitos são verdadeiros reservatórios do vírus ao passo que macacos são fontes de infecção para mosquitos apenas durante alguns dias. “Depois de picados por um vetor infectado com o vírus, ou estes mamíferos morrem ou se tornam imunes a novas infecções. Desta forma, os macacos, quando infectados, podem transmitir o vírus para mosquitos que os picarem por apenas três a cinco dias, período da viremia. São os mosquitos que mantêm o vírus no ambiente silvestre, até mesmo na ausência de macacos infectados”, argumenta.

Vacinação é principal arma de prevenção


A febre amarela não possui tratamento específico, mas possui uma vacina eficaz, com validade de dez anos. “A melhor medida é manter a vigilância sobre a dispersão do vírus e efetuar a vacinação dos moradores de áreas endêmicas e de viajantes que se dirigem a estas áreas”, explica Lourenço.

A vacinação é gratuita e direcionada para residentes das áreas de risco e viajantes que se dirigem para estes locais (deve ser aplicada pelo menos 10 dias antes da viagem). A imunização pode ser feita a partir dos nove meses de idade e não é indicada para gestantes, imunodeprimidos (pessoas com o sistema imunológico debilitado) e pessoas alérgicas a gema de ovo.

A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, implementou, em 2001, o Plano de Intensificação das Ações de Prevenção e Controle da Febre Amarela para reduzir a incidência da forma silvestre. Segundo o órgão, entre 2007 e 2008 foram distribuídas 18.854.940 doses de vacina contra a doença em todo o país.

Com informações do Ministério

Pâmela Pinto / Instituto Oswaldo Cruz

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