sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Produtor rural precisa obter outorga pelo uso da água para não ser penalizado

Em São Paulo cobrança começa a valer a partir de 2010. Descumprimento pode acarretar multas pesadas.

Por Ana Rita Santiago e Fernando Risolia, advogados em Araçatuba, SP.

Se o meio ambiente é a preocupação mundial do século XXI, a preocupação com a água é a mais premente. Não é preciso discorrer sobre a importância da água para a vida. E hoje não há quem não reconheça que esse recurso vital é limitado. Assim, a sua proteção é indispensável para a garantia da nossa vida e a das futuras gerações. A Constituição Federal de 1988, reconhecendo, há mais de vinte anos, o risco de escassez no futuro desse recurso natural vital, mudou o enfoque sobre as águas, considerando-as bens da União e dos Estados. Com isso deixaram de existir as águas comuns e particulares, que estavam previstas no Código de Águas de 1934.

Que mudança isso trouxe para os produtores rurais? De imediato, nada. Mas paulatinamente, a legislação pátria começou a estabelecer critérios para o uso das águas, visando à garantia de sua disponibilidade em quantidade suficiente para todos e em qualidade adequada à manutenção da saúde humana. Nesse sentido, em 1997, quase uma década depois da entrada em vigor da Constituição Federal, foi criada a Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Essa política se fundamenta nos seguintes princípios: a água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado e que tem valor econômico; assim sendo, a sua gestão deve ser descentralizada, contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades e deve contemplar o uso múltiplo da água e, em situação de escassez, seu uso prioritário deve ser o consumo humano e a dessedentação de animais. Ainda um outro princípio é o que estabelece a bacia hidrográfica com a unidade territorial para a implementação da política de recursos hídricos, pois cada bacia tem as suas características próprias, que devem ser levadas em consideração no estabelecimentos dos planos de ação para a gestão dos recursos hídricos.

Os objetivos dessa política são (i) assegurar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade adequados para a geração atual e para as futuras gerações, por meio da utilização racional e integrada dos recursos hídricos, visando ao desenvolvimento sustentável, e (ii) prevenir eventos hidrológicos negativos (escassez ou inundações) naturais ou decorrentes de mau uso dos recursos naturais. Para implementar essa política, a lei prevê diversos instrumentos, entre os quais a outorga dos direitos de uso da água e a cobrança pelo seu uso. São esses os dois pontos que interessam diretamente ao produtor rural por representarem uma mudança radical entre o que vigia sob o Código de Águas e o novo enfoque dado pela Constituição.

O Estado de São Paulo, antecipando-se à legislação federal, estabeleceu sua política estadual de recursos hídricos por meio da lei 7.663/91, na qual já se previa a outorga e a cobrança pelo uso da água como instrumentos de gestão dos recursos hídricos. A Lei 12.183 de 2005 instituiu a cobrança em todo o território do Estado, a vigorar a partir de 2010. Em consonância com a política nacional de recursos hídricos, a gestão desses recursos se faz por bacia hidrográfica e, nesse estado, em uma bacia, a do Rio Paraíba do Sul, a cobrança já está em vigor.

O que se pergunta é quanto vamos pagar pela água? Quem define esse valor? A quem será pago? E o que é mais importante: para quem irão os recursos arrecadados e o que será feito com esse dinheiro? Pois bem, para as águas estaduais, isto é, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou depósito (exceto as decorrentes de obras da União), o valor será estabelecido pelo comitê de cada bacia hidrográfica, dentro dos parâmetros da lei estadual 12.183/05 e do decreto estadual 50.667/05, que a regulamenta. Na região de Araçatuba, Bacia do Baixo Tietê, esses valores foram finalmente definidos no dia 14/08/09.

Após várias reuniões e muita discussão, o Comitê, do qual fazem parte representantes do Poder Público, dos usuários e sociedade civil dos 42 municípios envolvidos, optou por cobrar mais de quem consome mais, seguindo a mesma fórmula das demais bacias hidrográficas do Estado, em vez de cobrar mais de quem mais polui. A cobrança será feita pelo órgão estadual responsável pela concessão da outorga de direito de uso, ou seja, pelo DAEE, que é órgão estadual.

Mas o mais importante é que os recursos arrecadados ficam vinculados à bacia hidrográfica onde foram gerados, caracterizando o que se chama de "verba carimbada", recurso com destinação específica, que formará um fundo a ser aplicado a financiamentos, empréstimos, ou mesmo a fundo perdido, para investimentos inseridos nos Planos de Bacias Hidrográficas, além de serem utilizados, evidentemente, no custeio das operações de cobrança e fiscalização.

Ainda convém lembrar que os usuários de recursos hídricos, inclusive os da iniciativa privada, poderão obter recursos financeiros provenientes dessa cobrança. Esse é um ponto em que a legislação estadual diverge positivamente da legislação federal, já que os recursos arrecadados pelo uso de águas da União, apesar de vinculados às bacias que os gerarem, ficarão mantidos à disposição da ANA, Agência Nacional de Águas, na Conta Única do Tesouro Nacional, e não há qualquer previsão de que os usuários pagantes possam se beneficiar de empréstimos oriundos desses recursos.

Dentro da política estadual de recursos hídricos, a Resolução conjunta da Secretaria Estadual da Saúde, Secretaria Estadual de Recursos Hídricos e da Secretaria de Meio Ambiente de nº 3, de 21 de junho de 2006, estabeleceu critérios para a outorga de direito de uso de água subterrânea, isto é, para a instalação de poços. Essa resolução visa à garantia de que a água captada do subsolo não esteja contaminada, que a implantação do poço obedeça às condicionantes do licenciamento ambiental, quando localizado em empreendimento sujeito a esse licenciamento e que, caso seja necessária a supressão de vegetação para a implantação do poço, essa seja objeto de autorização do órgão competente. E é claro, estando o uso sujeito à outorga, estará também sujeito à cobrança.

Visando a cobrança pelo uso da água a partir de 2010, o DAEE está cadastrando os usuários de recursos hídricos, de modo que estes estão sendo notificados para declarar os usos não outorgados, os usos em quantidade superior à outorga, os usos em conformidade com a outorga e a concentração de poluentes no efluente final, objeto ou não de licenciamento ambiental. Essa regularização perante o DAEE é importante e o não atendimento à notificação poderá constituir infração administrativa. Na zona urbana os proprietários de poços não regularizados já foram notificados a proceder à regularização dos respectivos poços.

No Estado de Mato Grosso do Sul, embora ainda não haja prazo para a implementação, a lei Estadual 2.406 de 2002, lei que instituiu o a Política Estadual de Recursos Hídricos, também previu a cobrança pelo uso da água como um instrumento de gestão dos recursos hídricos, em consonância com a Política Nacional de Recursos Hídricos. Em 2004, a Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul editou o Manual de Licenciamento Ambiental, cujas diretrizes foram autorizadas pela Resolução conjunta SEMA-IMAP nº 4 de 2004. A partir de então os poços tubulares profundos para captação de águas subterrâneas passaram a ser sujeitos à licença ambiental, a cargo do IMASUL, órgão ambiental estadual.

Recentemente, em 6 de julho de 2009, a Resolução SEMAC nº 8 dispôs, especificamente, sobre o licenciamento ambiental dos poços tubulares profundos. Essa resolução, em suas "Disposições Transitórias", estabelece prazos para a regularização dos poços tubulares que estão em operação de forma irregular, isto é, sem a devida licença. Essa regularização consiste em um licenciamento simplificado e prevê duas situações. A primeira é a dos poços tubulares instalados antes da entrada em vigor da mencionada Resolução SEMA-IMAP nº 4 de 13 de maio de 2004. Para regularizá-los, os detentores deverão protocolar um Comunicado de Poço até 31 de dezembro de 2009. Dependendo da data do protocolo desse Comunicado de Poço, o detentor terá um prazo diferente para apresentar a documentação completa para esse licenciamento simplificado.

Quanto mais cedo for feito o protocolo, maior será o prazo dado ao detentor para a apresentação dos documentos necessários. Assim, para Comunicado de Poço protocolado até 31 de agosto de 2009, o prazo final será 31 de dezembro de 2010; para protocolo entre 1º de setembro de 2009 e 31 de outubro de 2009, o prazo final será 30 de junho de 2010; e para protocolo realizado entre 1º de novembro de 2009 e 31 de dezembro de 2009, o prazo final será 31 de março de 2010.

É importante informar que mesmo para esse licenciamento simplificado os documentos a apresentar incluem uma série de documentos que demoram a serem obtidos, como certidões de órgãos públicos e análise físico-química e bacteriológica da água. Assim, convém não deixar para fazer essa regularização na última hora.

A outra situação é a dos poços tubulares profundos instalados sem licença ambiental posteriormente à edição da Resolução SEMA-IMAP nº 4 de 13 de maio de 2004, mas anteriormente à Resolução SEMAC nº 8 de 6 de julho de 2009. Esses podem, também, ser objeto de licenciamento simplificado como explicado acima, mas sujeitam-se às penalidades previstas no art. 50 da Lei 2.406/02, que incluem advertência, multa de até R$10.000,00, e até o embargo definitivo, com a revogação da outorga de uso dos recursos hídricos.

Como se vê, a cobrança pelo uso da água é uma questão definitiva e iminente. Assim, a outorga de direito de uso é o primeiro passo para que os órgãos ambientais e/ou de gestão dos recursos hídricos possam ter um controle sobre a utilização desses recursos e gerenciá-los de forma eficiente e de modo a contemplar a todos. Dessa forma, é necessário fazer a regularização dos usos que dependem de outorga.

O descumprimento da legislação ambiental traz prejuízos ao produtor rural, em especial aos pecuaristas, pois além de as multas serem muito elevadas, implica a perda da certificação ambiental, um dos requisitos para a venda de carne à Comunidade Européia e, em breve, para todo o mercado externo.

Ana Rita Barreto Santiago é advogada em Araçatuba,SP e pós-graduanda em Direito Ambiental pela PUC/SP.

Fernando Ferrarezi Risolia é advogado em Araçatuba, SP, especialista em Direito Contratual pela PUC/SP, mestre em Direito Econômico pela UNIMAR/SP e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Fonte: DBO - Portal de Negócios da Pecuária.

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