terça-feira, 18 de agosto de 2009

Projetos sobre meio ambiente param no Congresso.

Propostas defendidas por preservacionistas ficam fora das prioridades dos líderes no parlamento. Falta de vontade política impede aprovação de políticas nacionais para mudanças climáticas, resíduos sólidos, e do imposto de renda ecológico.

Os congressistas deixam fora das prioridades do Legislativo propostas fundamentais para a melhoria da qualidade de vida e para a preservação do meio ambiente. Os temas ecológicos ganharam espaço nos debates na sociedade, mas dentro do Congresso as matérias que criam políticas básicas para a gestão pública estão paradas ou tramitam com lentidão.

Esta reportagem faz parte da série especial sobre meio ambiente publicada pelo Congresso em Foco desde a semana passada. Nos primeiros trabalhos, o site mostrou as quatro forças que atuam contra as conquistas ambientais, as tentativas de redução das áreas de preservação e a reação da Frente Parlamentar Agropecuária.

Um exemplo da morosidade em votação de propostas estrategicamente importantes para o país é projeto de lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, PL 203/1991, que há 18 anos tramita no Congresso. A proposta, que dispõe sobre a gestão do lixo urbano, está parada na Câmara desde setembro de 2007. A última tramitação foi quando o Executivo encaminhou ao Congresso um outro projeto de resíduos sólidos (PL 1991/2007). Na época, a expectativa era de que a proposta fosse priorizada, pelo caráter de urgência da matéria, mas até hoje ela permanece na pauta do plenário da Câmara sem previsão para ser votada.

“Falta pensamento estratégico nas prioridades do Congresso. Muitas propostas estão descontextualizadas com o que está acontecendo no mundo e as conquistas já feitas. Mas a gente tem que reconhecer que há profusão de projetos apresentados e que o número de projetos tem crescido significativamente. Nesse momento histórico da humanidade, se o Brasil tiver um pensamento estratégico a altura de sua potencialidade, ele será um dos poucos países que pode dar um salto civilizatório”, analisa a ex-ministra do Meio Ambiente e senadora, Marina Silva, que estava à frente do ministério quando o PL do resíduo sólido foi encaminhado pelo Executivo.

Entre os projetos considerados estratégicos, está também a proposta que cria o Imposto de Renda Ecológico (PL 5974/2005), um projeto de incentivo fiscal que possibilita que pessoa física ou jurídica possa deduzir do imposto de renda valores doados a entidades que promovam projetos de conservação do meio ambiente e promoção do uso sustentável. A proposta, que também está na pauta de votações do plenário da Câmara, já foi discutida em primeiro turno, mas não foi apreciada por acordo de líderes. “Estamos pressionando e acredito que agora vai”, considerou o diretor de mobilização da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani.

O Congresso também deve para a sociedade uma resposta sobre a Política Nacional de Mudanças Climáticas. O PL 261/2007 traz diretrizes para evitar ou minimizar os impactos negativos da ação do homem no sistema climático, para estimular a redução na emissão de gases do efeito estufa. O projeto tramita em caráter conclusivo nas comissões, mas no último dia 15 de julho foi retirada da pauta da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara por acordo de líderes.

“Infelizmente é praticamente impossível que a gente consiga examinar esse projeto antes de Copenhague”, atestou o relator do projeto na Câmara, deputado Rocha Loures (PMDB-PR), se referindo à 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, que será realizada em dezembro em Copenhague, na Dinamarca.

Uma outra matéria de fundamental importância para minimizar conflitos de competência em torno do licenciamento ambiental e agilizar o processo de licença de obras de infraestrutura está na lista de dívidas históricas do Congresso sem previsão para ser apreciada. A regulamentação do art. 23 da Constituição, que é aguardada desde a Constituinte de 1988, só foi apresentada em 2003 em projeto de lei encaminhado ao Congresso pelo Executivo, como parte das medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde abril de 2007, no entanto, o projeto está parado na Comissão de Agricultura da Câmara.

O projeto mais antigo da lista de prioridade de votações da Frente Parlamentar Ambientalisas é o PL 710 de 1988. A proposta, que está há 21 anos em tramitação na Casa, regula o licenciamento ambiental. Desde 2003, está na pauta do plenário pronto para ser votado.

Incipiente

Em relação à produção legislativa algumas evoluções podem ser sinalizadas. Uma delas é o aumento na produtividade da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Um comparativo entre o número de matérias aprovadas pela comissão em 2006 e em 2008 revela um crescimento considerável no número de propostas votadas pela comissão. A quantidade de matérias apreciadas cresceu 43%, passando de 37 propostas votadas naquele ano, para 65 matérias apreciadas no ano passado.

Um dos motivos apontados para o incremento no número de pautas apreciadas é a criação da Frente Parlamentar Ambientalista, fundada em 31 de janeiro de 2007. Ambientalistas afirmam que com a criação da frente e o aumento da pressão da sociedade civil no Congresso, o tema ambiental passou a ter maior relevância no debate legislativo.

“A Frente Parlamentar Ambientalista trouxe para discussão o tema meio ambiente, mas é ainda uma iniciativa incipiente. Ela suscita o debate, mas esse tema é tratado conjuntamente com outros temas. A frente ainda não tem força de puxar uma agenda mais positiva do Congresso”, avalia a secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos.

Presidente da frente, o deputado Sarney Filho (PV-MA) afirma que o grupo tem conseguido criar uma “massa crítica” que dialogue a respeito das questões ambientais dentro do Congresso. O parlamentar, no entanto, reconhece a falta de organização e força política para priorizar a votação de matérias importantes como o projeto de lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que está há 18 anos tramitando na Casa.

“Nós não temos o nível de organização que tem a bancada ruralista. Na frente parlamentar a gente defende os direitos difusos da agenda ambiental, que vão desde a qualidade do ar até o combate ao desmatamento, enquanto os ruralistas defendem interesses específicos, que são interesses deles”, considerou Sarney Filho.

Briga de “Alices”

Há outros exemplos da falta de interesse dos parlamentares pela agenda ecológica.A PEC do Cerrado e da Caatinga (PEC 115-150/1995) se encontra há 14 anos na Casa. Trata-se de uma proposta de emenda constitucional que transforma esses dois biomas em patrimônios naturais. Atualmente, a proposta tramita em caráter de urgência, mas enfrenta resistência de grupos que alegam que ela irá engessar a ocupação e as atividades econômicas.

“Nós temos um boicote da bancada ruralista que realmente não permite avançar na pauta ambiental. Com o problema estrutural do Congresso, devido ao trancamento de pauta por causa das medidas provisórias, a maioria das propostas que são votadas, são apreciadas consensualmente, escolhidas em reunião de lideranças, onde qualquer líder tem direito de retirar o que ele acha que não deve ser votado. Então sempre um representante do segmento ruralista está lá para retirar essas propostas de lei de âmbito ambiental”, acusa Sarney Filho.

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), nega a movimentação da bancada ruralista no sentido de impedir votações de matérias ligadas ao meio ambiente e afirma que ocorre uma radicalização das discussões por parte dos ambientalistas, interessados em impor uma “ditadura ambiental”.

“Ninguém desconhece que queremos discutir tecnicamente a legislação ambiental. Existem mais de 16 mil leis, normas, resoluções, atos que criam esse imbrólio que está aí. Precisamos resolver isso. Mas o que acontece é que os ambientalistas se negam a discutir tecnicamente o assunto e querem impor o que pensam na ditadura ambiental”, afirma Colatto.

O impasse entre ruralistas e ambientalistas dentro do Congresso é visto pelo coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Nilo D’ávila como uma briga de “Alices” sem lógica. Nilo afirma que numa análise sobre mudanças no Código Florestal – tendo essa lei “como um grande ponto de tensão” entre os dois grupos –, percebe-se que nenhuma alteração significativa foi feita desde 2001, quando foi aprovada a medida provisória que alterou partes do código.

“Temos aí três legislaturas e tem um código valendo como MP, que não é cumprido no campo, mas enquanto lei não teve nenhuma alteração. Tiveram tentativas, mas nenhuma realmente levada a sério. Em questões relativas ao Código Florestal, o Congresso tem a postura de Grêmio Estudantil, de ‘nós contra eles’, em que não se consegue estabelecer lógica no diálogo e isso vai de um lado ao outro”, alfineta Nilo.

Independente de interesses específicos de bancadas no Congresso, a falta de prioridade de propostas fundamentais para a melhoria da qualidade de vida e a preservação do meio ambiente tem causado impactos significativos na sociedade brasileira. A falta da Política Nacional de Resíduos Sólidos, por exemplo, mantém um cenário crítico no país.

De acordo com relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), das cerca de 170 mil toneladas diárias de resíduos sólidos gerados nas cidades brasileiras, pouco mais de 140 mil são coletadas, das quais 60% não tem destino final adequado.

“Como pode em um Brasil que destina a maior parte de seus resíduos à lixões desapropriados, um Congresso levar tantos anos para votar uma matéria? Como se explica o Brasil não ter até hoje uma lei de resíduos sólidos? Não tem explicação. E agora querem aprovar uma lei que não contempla o lixo eletrônico, que é cheio de metal pesado. Isso é um absurdo”, concluiu o ex-deputado Fábio Feldmann, autor do primeiro projeto de lei que trata do assunto (PL 203/1991).

Por Renata Carmargo - Congresso em foco

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