domingo, 28 de setembro de 2008

EPIDEMIOLOGIA

Disciplina: HIGIENE ZOOTÉCNICA
Prof. Paulo Francisco Domingues
Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública
FMVZ-UNESP-Botucatu

CONSIDERAÇÕES SOBRE EPIDEMIOLOGIA
COMPONENTES DA CADEIA EPIDEMIOLÓGICA: CONCEITOS
Epidemiologia, segundo sua formação etimológica, significa: Epi = sobre, Demos = povo, população (humana, animal ou vegetal), e Logos = estudo. Seria, portanto o estudo sobre populações. Entretanto, ela deve ser entendida como a ciência, que estuda a ocorrência de doenças em populações, suas causas determinantes, medidas profiláticas para o seu controle, e até sua erradicação.
John Snow, considerado o “pai da epidemiologia”, por ocasião de uma epidemia de cólera em Londres, em 1849, concluiu que havia relação entre a doença e o consumo de água contaminada por fezes de pessoas doentes. Alguns anos após, seus estudos foram confirmados em laboratório pelo isolamento e identificação da bactéria Vibrio cholerae, nas fezes de doentes de cólera.
Se as pessoas envolvidas na criação preocuparem-se apenas com o animal doente, deixando de lado o restante do rebanho, não poderão avaliar o perigo que um único animal doente, poderá representar para todo o rebanho, principalmente considerando-se as enfermidades transmissíveis. Sem os conhecimentos básicos dos princípios epidemiológicos, o profissional não poderá ter idéia do perigo relativo que um caso particular possa representar para o restante do rebanho. É preciso considerar o meio no qual ocorre a enfermidade, o risco de que surjam novos casos, e as possibilidades de controlar os fatores que contribuem para a ocorrência desta. Deste modo o profissional poderá nortear sua prática assistencial com uma visão mais ampla dos problemas de sanidade animal,
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lembrando-se que o técnico deverá ter em mente que ele está trabalhando com populações animais, e não com um único animal.
Para entender melhor como as ações de saneamento podem interferir na prevenção de doenças infecciosas, torna-se necessário o detalhamento de aspectos relacionados à ecologia destas.
CORTÊS (1993), revendo o conceito de cadeia epidemiológica e de seus componentes, caracterizou os mecanismos de propagação das doenças. A identificação destes mecanismos que se relacionam com o processo de propagação da doença, torna possível a adoção de medidas sanitárias, capazes de prevenir e impedir a sua disseminação. Segundo este autor, as seguintes questões poderiam ser formuladas e respondidas:
1. Quem hospeda e elimina o agente? Fonte de infecção (FI).
2. Como o agente deixa o hospedeiro? Via de eliminação (VE).
3. Que recurso o agente utiliza para alcançar um novo hospedeiro? Via de transmissão (VT).
4. Como o agente se hospeda no novo hospedeiro? Porta de entrada (PE).
5. Quem pode adquirir a doença? Susceptível.
Se estes conceitos forem colocados seqüencialmente tem-se, a caracterização da cadeia epidemiológica, que nada mais é que uma série de eventos, necessários para que uma doença ocorra em um indivíduo ou em um rebanho, ou como o conjunto de componentes do meio ou do animal, que favorecem a disseminação.
FI VE VT PE Susceptível
Se estes elos da cadeia forem combatidos conjuntamente, é possível o controle de enfermidades que ocorrem nas populações animais, especialmente as
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transmissíveis. O saneamento procura atuar em todos os elos desta cadeia, principalmente na via de transmissão e fontes de infecção.
Pode-se então citar alguns dos objetivos da epidemiologia: estudar o meio no qual se desenvolve a doença, os mecanismos de transmissão, o risco de que surjam novos casos e as medidas preventivas, necessárias para se controlar os fatores que contribuem para o desenvolvimento das doenças. Conclui-se que a epidemiologia é o fulcro da saúde animal e da saúde pública, representando o lastro principal, para avaliação das medidas de prevenção, fornecendo orientação para o diagnóstico de doenças, sejam elas transmissíveis ou não.
GLOSSÁRIO DE TERMOS UTILIZADOS NA INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA
Agente etiológico: é o causador ou responsável pela doença. Este pode ser: bactéria, vírus, fungo, protozoário, rickéttsia, chlamydia, ectoparasito e endoparasito.
Infecção: é a penetração e desenvolvimento, ou multiplicação de um agente infeccioso no homem ou animal.
Infestação: é o alojamento, desenvolvimento e reprodução de artrópodes na superfície do corpo. Pode-se dizer também que uma área ou local está infestado de artrópodes e roedores.
Fonte de Infecção: é o animal vertebrado que alberga o agente etiológico e o elimina para o meio exterior.
Reservatório: é um animal ou local que mantém um agente infeccioso na natureza. O solo, por exemplo, pode ser reservatório, como elemento abiótico, mantendo agentes infecciosos, ocasionando as doenças denominadas de origem telúrica, como as saprozoonoses, e entre elas estão a listeriose e histoplasmose.
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Caso: é o animal infectado ou doente, como exemplo tem-se um caso de aborto por Listeria monocytogenes, ou um caso de manqueira, que é doença, causada pelo Clostridium chauvoei. O caso refere-se, portanto, à fonte de infecção.
Foco: Trata-se de um ou mais animais doentes, numa área ou concentração pequena. Exemplo de um foco de febre aftosa, que acomete vários animais, de uma determinada propriedade rural. Normalmente o foco é identificado como rebanho afetado.
Surto epidêmico: Neste caso, trata-se de vários animais doentes em regiões diferentes. Como exemplo ainda, um surto de febre aftosa que atinge várias propriedades podendo ser de diferentes regiões. O termo surto epidêmico é utilizado como sinônimo de epidemia ou epizootia, com a finalidade de evitar alarme, que o termo epidemia, pode causar especialmente na população humana. O surto na realidade é o grupo de focos originários de uma mesma fonte de infecção, em espaço e tempo determinados, por transmissão direta ou indireta por focos sucessivos.
Enfermidade: é a etapa da doença ou agravo em nível orgânico, que se caracteriza pela presença de sintomatologia.
Enfermidade exótica: é aquela que não existe no país ou região estudada. Como exemplo pode-se citar a peste bovina que ingressou no continente americano, e já foi erradicada na década de 1920.
Comunicantes: são os indivíduos ou animais, que tiveram contato com animais infectados ou doentes, bem como com locais contaminados, sem que se conheça o seu estado sanitário.
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Susceptibilidade: qualidade do hospedeiro em relação à infecção ou invasão de seu organismo pelo parasito. É utilizado, para designar a característica do organismo susceptível à ação do fator determinante.
Susceptível: organismo ou população que apresenta susceptibilidade à ação de determinado fator. Pensando em agente infeccioso, seria o indivíduo que não possui resistência a determinado agente patogênico, podendo contrair a doença.
Vetor: são animais, geralmente artrópodes, que transmitem o agente infeccioso ao hospedeiro susceptível.
Vetor biológico: é o hospedeiro onde o parasita desenvolve parte do seu ciclo evolutivo, possibilitando a transmissão para novo hospedeiro. Caracteriza-se pelo caráter de obrigatoriedade para sua sobrevivência ou aumento da densidade populacional do parasito. Pode-se dizer que os microrganismos desenvolvem obrigatoriamente neste vetor fase do ciclo, antes de serem disseminados no ambiente, ou transportados para novo hospedeiro. Pode-se exemplificar, o caso da Anaplasmose, onde o principal transmissor é o carrapato Boophilus microplus considerado então, como vetor biológico e transmissor do agente, que é o Anaplasma marginale.
Vetor mecânico: é o organismo que pode se contaminar com formas infectantes do parasito, transportando-os mecanicamente para determinado hospedeiro. Neste caso o vetor participa apenas como carreador de agentes infecciosos, sendo que estes não sofrem qualquer modificação no interior do seu organismo. Podem ser exemplos, as moscas hematófagas como Stomoxys calcitrans e os tabanídeos, que pode vetoriar agentes após sugar animal portador da rickéttsia Anaplasma marginale, que ficam em sua tromba, infectando então animal susceptível, se a seguir sugarem o seu sangue.
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Veículo: é qualquer elemento que transporte determinado agente infeccioso. Este veículo pode ser animado, definindo-se como qualquer ser vivo que possa transportar passivamente o agente infeccioso. Os veículos inanimados são os elementos capazes de transportar o agente infeccioso. Neste último incluem-se a água, alimentos e objetos contaminados como as agulhas, seringas, panos, arreios, escovas, entre outros.
Fômites: para esta definição pode-se utilizar o próprio conceito de veículo inanimado, pois são os objetos inanimados, contaminados que podem transportar agentes infecciosos para os animais ou homem, como baldes, toalhas, seringas, entre outros.
Portador: são os animais ou pessoas que havendo ou não manifestado os sinais clínicos de determinada enfermidade continuam eliminando o agente por algum tempo. Pode ser portador são, o animal que já teve ou poderá vir a ter sintomatologia clinicamente detectável; portador em incubação é aquele que está infectado, mas não mostra alterações; e portador convalescente, que é aquele que embora tenha apresentado cura clínica, ainda pode eliminar o agente infeccioso.
RELAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA COM OUTRAS ÁREAS
A epidemiologia considera como sua unidade de interesse, portanto, o indivíduo, um grupo de indivíduos, seja de uma população constituída de pessoas, ou de animais; incluindo-se os sadios, doentes e mortos.
Na investigação epidemiológica, são utilizadas ciências e disciplinas consideradas correlatas, ou de apoio, tais como: a bioestatística, para medir as situações na fase de observação e posteriormente em nível de avaliação; a clínica, como ponto de partida para o diagnóstico individual da enfermidade, a partir do qual se estabelecerá a orientação a se tomar; a patologia, a microbiologia, a parasitologia, a imunologia, a toxicologia, entre outras. Estas
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fornecem à epidemiologia o diagnóstico da situação. As ciências do comportamento humano, como a sociologia, antropologia, psicologia, a economia e a ecologia, entre outras, assumem também papéis de grande importância.
Mostrando a relação da epidemiologia com outras áreas do conhecimento FORATTINI (1992), argumenta sobre alguns dos princípios que regem a unificação da epidemiologia e da sua indissociabilidade da ecologia. Enfatiza ainda que a sociedade nada mais é do que o fenômeno ecológico, cujos fundamentos devem ser procurados na própria característica da vida. Os componentes físicos e biológicos do ambiente onde vivem o homem e também os animais, somam-se aos da sociedade que se estabelecem, na determinação do seu estado de saúde e da qualidade de vida. De acordo com os conhecimentos atuais, ecologia e ambiente são termos usados quando o tema se refere ao bem-estar e à sobrevivência. A ecologia deve compreender o estudo de todos fatores físicos e biológicos, e da sua interação no meio em que vivem os organismos. O ambiente inclui desde a energia solar até o substrato representado pelo sol e os organismos que sobre ele vivem.
SAÚDE E DOENÇA
A saúde e doença são idéias relativas e convencionais, e representam estados absolutamente opostos. O limite entre o estado de saúde e doença é difícil de ser estabelecido. O indivíduo pode se manter entre eles, durante toda sua vida. A saúde é um estado de relativo equilíbrio da forma e da função do organismo, resultante de seu sucesso em ajustar-se às forças que tendem a perturbá-lo. Não se trata de uma aceitação passiva, dessas, por parte do organismo, mas de sua resposta ativa, para o seu reajustamento.
A Organização Mundial da Saúde define como saúde: “o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”. É evidente a falta da precisão, em especial no que se refere ao significado da expressão “completo bem-estar”. Este pode variar de acordo, com o indivíduo, tempo e espaço. Do ponto de vista médico, o que é bom para um não é
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obrigatoriamente para outro, e nem a presença de bem-estar significa a ausência de doença (FORATTINI, 1992).
A doença por sua vez, pode ser definida como um desajustamento ou falha nos mecanismos de adaptação do organismo, ou ainda, como a ausência de reação aos estímulos que ele está exposto. O processo conduz a uma perturbação da estrutura ou da função de um órgão, de um sistema ou de todo o organismo, interferindo em suas funções vitais. Pode significar ainda o conjunto combinado de sintomas, manifestação associada à determinada desordem estrutural e/ou funcional, ou então caracterizar fenômeno decorrente da ação de um ou mais agentes específicos.
Sob o ponto de vista etiológico, as doenças podem ser classificadas em: infecciosas e não infecciosas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (1973), doença infecciosa do homem ou dos animais, é aquela resultante de uma infecção. Entende-se por infecção a penetração, desenvolvimento, multiplicação ou replicação de um agente infeccioso, incluindo-se os helmintos; no organismo do homem ou de animais. Estas podem ser aguda, subaguda e crônica. As crônicas são aquelas que se desenvolvem em longo prazo; e as subagudas e agudas são de curta duração.
Deve-se levar em consideração ainda, as doenças nutricionais e metabólicas, as parasitárias de forma geral, as tóxicas e ainda aquelas hereditárias, e outras que se devem a malformações, desenvolvidas durante os períodos embrionário e fetal, mas não herdáveis, sendo denominadas de doenças congênitas.
Com os avanços alcançados em biologia, microbiologia, entre outras áreas do conhecimento, estabeleceu-se o conceito ecológico de doença. Do ponto de vista ecológico, denomina-se biocenose a coabitação e interferência dos seres vivos em determinada área física, incluindo os microrganismos que determinam o ecossistema, com a inclusão de fatores em interação e associações ambientais, como o solo, água, clima e a presença do homem, considerando-se, portanto, o conjunto constituído pela comunidade e o ambiente onde se vive (FORATTINI,
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1992). O equilíbrio que vem a se estabelecer entre as diversas espécies animais e/ou vegetais em uma determinada região, caracteriza o fenômeno ecológico denominado clímax, que nada mais é do que a etapa do processo de sucessão ecológica, representadas pelo equilíbrio e estabilidade atingidas pela comunidade.
Um desequilíbrio ou conseqüência deste provocam um jogo de influências mútuas entre diversas variáveis ecológicas, que poderão resultar no estabelecimento do estado de doença. É importante, entretanto, considerar que a doença não é determinada única e exclusivamente pela presença de um agente infeccioso, mas sim pela interação entre o agente, hospedeiro e meio ambiente, que pode ser representada graficamente por um triângulo eqüilátero, onde a ocorrência de qualquer modificação em um lado, necessariamente implicará na modificação dos demais. Nenhum dos fatores poderá atuar de maneira isolada, ocorrendo, portanto, uma interação constante e dinâmica entre eles (MARTINS, 1975). AgentefatoresvariáveisHospedeirofatoresvariáveisEQUILÍBRIOSAÚDEFísicoBiológicoEconômicoSocialAmbienteVariação doEquilíbrioVariação doEquilíbrioFonte: Dias (1984)
Os agentes causais podem ser biológicos, químicos e físicos. Os hospedeiros apresentam variáveis que se relacionam com o estado fisiológico, nutricional, defesas orgânicas, espécie, idade, sexo e raça. O meio ambiente apresenta fatores que influenciam e estão relacionados com o clima, água, solo, topografia, presença de insetos, densidade populacional e manejo.
Estes três elementos fundamentais que constituem o processo epidêmico, bem como suas variáveis, se relacionam com qualquer tipo de doença, quando se
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estuda este fenômeno em populações. É importante considerá-los em conjunto, para se estabelecer os níveis em que deverão ser adotadas as medidas objetivando-se o controle e erradicação de determinada doença que esteja ocorrendo em dada população animal.
CARACTERÍSTICAS DO AGENTE
Descreve-se a seguir as principais características dos agentes biológicos, e em particular os de caráter infecto-contagiosos. Os conhecimentos das características são fundamentais, para se compreender suas inter-relações com o desenvolvimento da infecção, pois são elas que contribuem para que o agente infeccioso possa persistir em determinado sistema ecológico.
a) Infecciosidade: é a característica do agente de penetrar, alojar e multiplicar-se no organismo do hospedeiro, ou seja, a sua capacidade de causar infecção. Esta característica é fundamental, na previsão da propagação de dada doença. São considerados de alta infecciosidade o vírus da febre aftosa para os animais, e o vírus da raiva para os animais e o homem. Considera-se de baixa infecciosidade o vírus da febre aftosa para o homem.
b) Patogenicidade: é a capacidade do agente, em produzir lesões específicas no organismo hospedeiro. Agentes dotados de alta patogenicidade determinam incidência maior da doença na população. Ela é traduzida, portanto, pela frequência de casos clínicos no rebanho. São considerados de alta patogenicidade os agentes da raiva, aftosa, anemia infecciosa eqüina, e manqueira; e de baixa patogenicidade os da brucelose e tricomonose nos machos.
c) Virulência: caracteriza-se pela capacidade do agente de produzir lesões de maior ou menor gravidade, determinando o grau de severidade da infecção. Ela se traduz pela intensidade da ação do agente no hospedeiro. São de alta
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virulência os agentes da raiva, tétano, entre outros; e de baixa virulência, o agente da brucelose.
d) Variabilidade: é a capacidade de mudanças de características genéticas do agente, originando mutantes, como ocorre com o vírus da febre aftosa.
e) Antigenicidade: conhecida também como imunogenicidade. É a capacidade do agente etiológico em induzir no hospedeiro a formação de anticorpos, produzindo desta maneira imunidade, ou seja, resposta imunológica. São considerados de alta antigenicidade o vírus do sarampo, varíola e cinomose e de baixa antigenicidade os agentes da febre aftosa e salmonelose.
f) Resistência: é a característica que o agente apresenta em resistir ao meio ambiente em condições naturais, e aos produtos químicos como os anti-sépticos e desinfetantes, por determinados períodos de tempo, na ausência de parasitismo. São altamente resistentes no ambiente as bactérias dos gêneros Clostridium spp e Bacillus spp, que causam doenças conhecidas como de origem telúrica.
CARACTERÍSTICAS DO HOSPEDEIRO
Em um sentido amplo, o hospedeiro pode ser considerado como todo e qualquer ser vivo que albergue um agente em seu organismo, ou ainda o organismo que propicia alimento ou abrigo a organismo de outra espécie. São conhecidos três tipos de hospedeiros:
Hospedeiro definitivo: é aquele onde o parasito atinge a maturidade, reproduzindo-se sexuadamente.
Hospedeiro intermediário: é o hospedeiro, no qual o parasito desenvolve suas formas imaturas ou, para alguns, se reproduz assexuadamente.
Os fatores relativos ao hospedeiro, dentro do sistema ecológico, se relacionam às suas características, como a espécie, raça, sexo, estado fisiológico,
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entre outros, e aquelas que dependem do agente e do meio ambiente, como a densidade populacional, manejo e susceptibilidade.
a) Espécie: a susceptibilidade de uma espécie animal a um determinado agente etiológico, de maneira geral, é determinada por suas próprias características genéticas. Sendo assim, exemplificando: os eqüídeos são os únicos susceptíveis à anemia infecciosa eqüina, as aves à doença de Newcastle, os animais biungulados à febre aftosa e os canídeos, os únicos susceptíveis a cinomose.
b) Raça: algumas raças de animais são mais susceptíveis que outras, frente a um mesmo agente etiológico, isto também se deve às características genéticas da própria raça. Como exemplo, podemos citar as raças zebuínas que se mostram mais resistentes à “piroplasmose” (tristeza parasitária), em relação a outras, principalmente as raças leiteiras.
c) Sexo: observa-se que ocorre um distinto comportamento de ambos os sexos para um mesmo agente etiológico, isto se deve às características anatômicas, o que permitirá ou não o desenvolvimento de uma infecção. A brucelose afeta mais comumente as fêmeas do que os machos.
d) Idade: existem doenças que incidem mais em animais jovens, enquanto outras em adultos. Para a maioria das doenças infecto-contagiosas, a susceptibilidade do hospedeiro está em função da idade. A salmonelose, em bovinos, ocorre geralmente entre o 3o e 12o mês de vida do animal, podendo ocorrer também, entretanto, com menor frequência, na primeira semana de vida. As diarréias por rotavírus são mais freqüentes em animais neonatos, ou seja, recém-nascidos, bem como nas primeiras semanas de vida. A brucelose é uma doença de animais púberes (sexualmente maduros), sendo autolimitante em animais jovens, e a manqueira, conhecida também como carbúnculo
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sintomático, em bovinos, acomete mais freqüentemente animais jovens, até os dois anos de idade.
e) Estado fisiológico: pode influenciar na susceptibilidade dos animais. As deficiências nutricionais, fadiga, estresse e gestação, podem diminuir a resistência dos animais, tornando-os mais predispostos às enfermidades.
f) Densidade populacional ou lotação: está intimamente relacionada ao manejo. A densidade dos animais em uma determinada área constitui um dos fatores principais para o desenvolvimento e propagação das doenças. A superlotação com excesso de animais/área determinam em grande parte maior risco de contaminação entre os animais, pelas maiores chances de contato efetivo entre os hospedeiros.
g) Resistência dos animais: define-se como o conjunto de defesa específica e inespecíficas que o animal possui. A resistência natural ou inespecíficas é aquela em que o organismo independe do estímulo específico, e que, portanto, existe previamente ao contato com o agente. Essa ocorre por características anatômicas e fisiológicas do animal. Não depende de reações teciduais ou de anticorpos. Por exemplo, a galinha é refratária ao carbúnculo, e os urubus ao botulismo.
A resistência específica designa a resistência do organismo contra determinado agente específico. Ela pode ser passiva quando resultante da transferência de anticorpos produzidos em outro organismo, ou ativa quando for elaborada pelo próprio organismo. Estes dois casos referem-se à imunidade que pode ser ativa e passiva.
É denominada imunidade passiva quando o organismo hospedeiro recebe os anticorpos já elaborados passivamente. Pode ser natural (congênita) como no caso do colostro, transuterino e gema de ovos, nas aves; e artificial (soroterapia) para os anti-soros específicos, como soro antiofídico e antitetânico.
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A imunidade ativa é aquela que ocorre quando o organismo hospedeiro participa ativamente na formação dos anticorpos. Pode ser natural (pós-infecção), pelo contato com determinado antígeno e desenvolvimento de infecção ou doença havendo a formação de anticorpos específicos, e artificial (vacinação), pela utilização de vacinas, que da mesma forma eliciará imunidade, pela sensibilização do organismo, frente à ação antigênica.
CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE
O meio ambiente pode favorecer a evolução ou declínio de uma determinada doença na população animal. Consideram-se três fatores ou elementos do meio ambiente, que são, os fatores físicos, biológicos e sócio-econômicos. Tanto o ambiente físico como o biológico, e em particular o sócio-econômico, possuem características críticas para o desenvolvimento epidêmico de algumas doenças. Estes fatores encontram-se em permanente intercâmbio, de forma dinâmica, sendo seus efeitos sobre o agente e/ou sobre o hospedeiro, variáveis a cada instante.
Dentre os fatores físicos relevantes, do meio ambiente, e que devem ser considerados, estão:
a) Temperatura: nas épocas frias do ano, a incidência de enfermidades do sistema respiratório dos animais é maior; pois a instalação, e propagação das doenças são facilitadas pela baixa temperatura, e pela aglomeração dos animais. Por outro lado, no verão, com temperatura mais alta, observa-se uma ocorrência maior de afecções gastroentéricas, normalmente traduzidas por diarréias.
b) Calor e umidade: favorecem a manutenção e propagação de doenças, cujos agentes etiológicos necessitem de tais condições para sua proliferação e sobrevivência. A incidência de helmintos é maior nos animais criados em terrenos alagadiços, com umidade excessiva. A ocorrência de doenças
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veiculadas por vetores, como a anaplasmose e babesiose, transmitidas pelos carrapatos é maior nas épocas quentes do ano, como na primavera e verão, em função das condições favoráveis ao desenvolvimento dos carrapatos.
c) Topografia: a topografia do solo poderá predispor ao acúmulo de água estagnada tornando-o úmido, mantendo o local adequado, para o desenvolvimento de ovos e larvas de helmintos, ou de outros agentes causadores de doenças.
d) Composição do solo: os solos deficientes em elementos minerais podem influenciar a qualidade das gramíneas ou leguminosas cultivadas nestes locais, tornando-as deficientes em seus elementos minerais, podendo causar nos animais as chamadas doenças carenciais e metabólicas, como: o raquitismo, osteomalácia, marasmo enzoótico, entre outras.
Com relação aos fatores biológicos destacam-se:
a) Artrópodes: encontrando condições adequadas para a sua multiplicação e desenvolvimento no meio ambiente, serão maiores as possibilidades de transmissão de doenças aos animais, como a babesiose, anaplasmose, e encefalites.
b) Roedores: a existência de ambientes propícios e não higiênicos, com abrigo e alimentos à disposição, favorecem a proliferação de ratos, aumentando as possibilidades de transmissão de doenças veiculadas por estes animais, tais como: a leptospirose e salmonelose.
c) Reservatórios: quanto maior o número de reservatórios no meio ambiente, maior a probabilidade de propagação de determinadas doenças, como é o caso da raiva rural, raiva urbana, doença de Aujeszky, sendo os principais reservatórios para estas doenças, o morcego, cão e suíno, respectivamente.
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d) Animais susceptíveis: existindo um maior número de hospedeiros susceptíveis no local, serão maiores as chances de propagação de doenças.
e) Hospedeiros intermediários: da mesma forma que para os animais susceptíveis, quanto maior o número de hospedeiros intermediários numa região, maior a possibilidade de disseminação de doenças. É o caso da cisticercose nos suínos, e da hidatidose nos ovinos.
Os fatores sócio-econômicos do ambiente apresentam grande importância no estudo epidemiológico, pois mesmo usando os métodos disponíveis mais sofisticados, de prevenção de doenças, se as pessoas envolvidas, por exemplo, em determinado programa de controle, não os entendem, os métodos ou técnicas utilizadas estarão prejudicados. Portanto, no controle e prevenção de doenças, a educação sanitária, é um fator importante a ser considerado. O grau de participação da comunidade nas campanhas sanitárias é fator decisivo no êxito das mesmas.
Na implantação de um programa de saúde animal, é importante que se considere:
- O nível cultural e econômico do criador ou da comunidade.
- As condições higiênico-sanitárias da propriedade.
- O tamanho e distribuição das propriedades.
- O manejo e tipo de sistema de produção.
- O nível de tecnificação agropecuária.
COMPONENTES DA CADEIA EPIDEMIOLÓGICA
Fontes de infecção: Pode-se considerar como fonte de infecção os animais vertebrados nos quais o agente etiológico se aloja, sobrevive e se multiplica, sendo posteriormente, eliminado para o meio ambiente, transmitindo-o para outro
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hospedeiro. Existem dois elementos fundamentais, que funcionam como fontes de infecção: os animais doentes e portadores.
1. Doentes: são os animais que apresentam sintomas de alguma doença, atribuídos aos efeitos do agente etiológico que albergam em seu organismo. Podem ser, doentes típicos, aqueles que apresentam os sintomas característicos da doença, conhecido ainda por sintoma patognomônico, sendo assim, facilmente reconhecidos. Os doentes atípicos são os animais que apresentam sintomatologia diferente daquela que realmente caracteriza a doença, dificultam o diagnóstico, podendo postergar a adoção de medidas de controle.
2. Animais portadores: são os animais que não apresentam sintomas da doença, mas albergam, e eliminam o agente etiológico no ambiente. São conhecidos: o portador sadio, que são os animais de maior importância epidemiológica, pois além de serem de difícil diagnóstico, circulam livremente pelo rebanho; o portador em incubação, que não apresentam sintomas, mas já eliminam o agente etiológico no ambiente. Estes apresentarão os sintomas após o final do período de incubação, o que caracteriza o período de estado da doença. O tempo de incubação será maior ou menor, dependendo da doença. Na raiva, por exemplo, o cão, pode eliminar o vírus pela saliva de 5 a 13 dias antes do aparecimento dos sintomas (NILSSON, 1969, 1970, FEDAKU et al., 1982). Os portadores convalescentes são animais que já apresentaram sintomas, com cura clínica, entretanto, podem ainda eliminar o agente etiológico. Isto ocorre, por exemplo, na leptospirose e salmonelose.
Vias de eliminação: é o conjunto de vias no animal, pelas quais, o agente etiológico é eliminado para o meio ambiente. Este pode ser eliminado por diferentes vias, entretanto, de acordo com a doença, uma delas poderá ser a mais importante. Um agente que produza lesões entéricas terá geralmente, as fezes como a via mais importante de eliminação do agente. Em caso de doença, que produza lesões no sistema respiratório, as excreções oro-nasais, serão as
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principais vias de eliminação. Este fenômeno de especificidade de eliminação é de grande importância no estudo epidemiológico, na medida em que fornece indicação, dos mecanismos de transmissão da doença.
A seguir, exemplo de algumas doenças com as principais vias de eliminação de seus agentes. Na tuberculose, garrotilho, raiva e febre aftosa são as secreções oro-nasais; na brucelose, as descargas vaginais e placenta; na leptospirose, principalmente a urina; nas micoses, sarnas e ectima contagioso, as descamações cutâneas; nas verminoses, coccidiose, salmonelose e colibacilose, as fezes; nas mastites, o leite; na anemia infecciosa eqüina e leucose, o sangue.
Vias de transmissão: são os mecanismos pelos quais a doença chega da fonte de infecção ao susceptível. Esta pode ocorrer sob forma vertical, de geração a geração, sendo considerada ainda como congênita, e sob a forma horizontal, que ocorre de animal a animal, pelo contato direto ou indireto por meio de insetos, fômites, entre outros. Pode-se dizer ainda que a transmissão ocorre pelo contágio, transmissão aerógena, pelo solo, água, alimentos, vetores, fômites, e por veículos animados.
Diz-se que a transmissão é direta quando ocorre o contato entre a fonte de infecção e o animal susceptível, sem a interferência de veículos. Esta pode ser direta imediata, quando há o contato físico entre a fonte de infecção, e o animal. É o caso da mordedura, ou o ato de lamber, na raiva, e a cópula, na tricomonose e brucelose. Pode ser ainda direta mediata, quando não há o contato físico, entre a fonte de infecção e o animal, e como exemplo, estão as doenças respiratórias, transmitidas pelos aerossóis.
É considerada indireta quando a transferência do agente se dá por meio de veículos, ocorrendo intervalos maiores, entre a eliminação, e penetração do agente. A água é o principal veículo de transmissão de agentes infecciosos causadores de doenças entéricas. Os alimentos e a água, quando contaminados, constituem-se em importantes veículos de transmissão de doenças. O solo pode veicular agente infeccioso como no caso do tétano, botulismo e verminoses. É indireta ainda quando há a participação de vetores e fômites.
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Portas de entrada: são consideradas como as vias, pelas quais o agente infeccioso, consegue penetrar no organismo animal. As principais portas de entrada, são: a via respiratória, digestiva, conjuntival, galactófora, onfaloflébica, cutânea e genito-urinária.
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